Tiago de Vasconcelos

O que a imprensa não fala sobre a pobreza

acessibilidade:

O ritmo de crescimento da pobreza é o menor dos últimos 4 anos no Brasil, mas com base nas manchetes da imprensa, você não sabia disso. E mais: a pobreza mundial é a menor da História. Vivemos o melhor momento da humanidade.

Quem consumiu qualquer jornal produzido pelo grupo Globo (na TV, impresso, rádio ou internet) na última quarta-feira (5/dez) ficou sabendo que “no Brasil, 15,2 milhões vivem abaixo da linha da extrema pobreza, diz IBGE” ou “em 1 ano, aumenta em quase 2 milhões número de brasileiros em situação de pobreza, diz IBGE”. Isso se espalhou pelas dezenas de veículos do conglomerado de comunicação repetidamente, durante todo o dia, e se entranhou na mídia em geral. Do Globo Rural à Bloomberg e à agência AFP, todos seguiram a mesma narrativa: a pobreza no Brasil se alastra. A blitz do noticiário não permitiu conclusão diferente: o país vive um dos piores momentos. Isso é falso.

Os números são reais, mas a informação é incompleta. Na comparação de resultados do IBGE entre 2016 e 2017 houve um aumento de 0,8% na proporção de pessoas no Brasil que vivem em situação de pobreza (de 25,7% para 26,5%). Mas o fato mais relevante a ser extraído dos resultados do IBGE sobre a pobreza em 2017 deveria ser que o ritmo de crescimento é o menor desde 2014. Além do mais, o valor é o mesmo do ano de 2011. A notícia deveria ser positiva. Atualmente, o ritmo de crescimento da miséria é cerca de 20% daquele de 2015, auge da tragédia petista (ver gráfico 2). Nós jornalistas parecemos não gostar de admitir, mas o governo Temer freou consideravelmente o alastramento da pobreza e essa situação está quase revertida.

Gráfico 1; Folha de S.Paulo de outubro de 2017 mostra a taxa de brasileiros abaixo da linha da pobreza desde 2001. Este ano, não houve gráfico.

Na matéria de 2017 sobre o estudo anual do IBGE, a Folha de S.Paulo mostrou que desde 2003 o Brasil assistiu a uma queda constante (sempre, segundo dados do IBGE) na proporção da população que vivia abaixo da “linha da pobreza”; limite definido pelo Banco Mundial – em 1992 e revisto em 2015 – do valor em dólar que um ser humano precisa para sobreviver, por dia. Teve até gráfico (acima). Mas a matéria da Folha deste ano não menciona os resultados dos anos de 2013, 2014 e 2015, assim como o release oficial do IBGE, que 100% dos veículos reproduziram. Não houve atualização do gráfico. Aliás, nem sequer um veículo que noticiou essa “novidade” menciona a evolução do quadro desde os últimos anos de governo do PT e o tamanho do desastre deixado de herança por Dilma e cia.

Gráfico 2; a curva de crescimento da pobreza estava acentuada especialmente entre 2015 e 2016. No ano seguinte, quase estabilizou.

Dados do IBGE (acima) demonstram que o Brasil cortou o ritmo do avanço da linha da pobreza. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, a proporção era de 45,8%. A queda foi constante até atingir 20,4% há quatro anos, um recorde no histórico no levantamento. No entanto, desde 2014, os resultados têm piorado de forma assustadora. Em 2015 a taxa pulou para 22,1%. Em 2016, para 25,7%; o mais grave crescimento de todos os tempos, com 3,6 pontos percentuais. Mas desde o impeachment essa explosão de pobreza diminuiu de intensidade; o último levantamento mostra 0,8 ponto de aumento e isso ainda não contabiliza o ano de 2018.

Para entender a história completa, é preciso destrinchar a metodologia por trás das conclusões do IBGE. Anualmente o instituto produz a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) que, segundo o próprio IBGE, “reúne múltiplas informações sobre as condições de vida da população brasileira, acompanhadas de comentários”. A SIS tem base nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, o PNAD População. É importante destacar que a amostra do PNAD é de 1.000 domicílios, universo de entrevistados menor que muitas das pesquisas eleitorais do segundo turno. Em contraste, o próprio IBGE projeta o total da população brasileira em 209,2 milhões. Também vale destacar que os “comentários” de analistas que acompanham o levantamento estatístico são os responsáveis por guiar a interpretação da SIS e consequentemente da assessoria de imprensa do instituo acerca da pesquisa, a responsável por pautar a imprensa brasileira e estrangeira.

A boa notícia: é a melhor época da Humanidade

As matérias não refletem, mas os resultados do IBGE dos últimos anos são positivos e animadores. É possível perceber que o país exibiu desenvolvimento estável e maduro suficiente para arrumar a casa para superar crises. Outra pesquisa que também demonstra isso, do instituto Insper em conjunto com a Oliver Wyman publicado este ano, estudou a evolução de um conjunto de indicadores socioeconômicos no Brasil. E não há más notícias (veja abaixo):

Estudo Renda e Produtividade nas Últimas Duas Décadas, do Panorama Brasil, produzido pelo instituto Insper e Oliver Wyman

Desde meados da década de 90, todos os principais indicadores sociais e econômicos do Brasil evoluíram de forma impressionante. Vale ressaltar a média de anos de escolaridade de brasileiros com mais de 25 anos, que dobrou desde 1990 de 4 para 8 anos, o aumento da expectativa de vida, que pulou de 67 para 75 anos em duas décadas e também o avanço de 173% no valor do salário mínimo. O Insper/OW compilou dados do Banco Central do Brasil, World Development Indicators, Banco Mundial; Total Economy Database, The Conference Board, IBGE e IPEA.

Além do Brasil, a notícia é boa para todo o planeta. Em abril deste ano, o psicólogo e acadêmico Steven Pinker proferiu palestra num evento TED (disponível com legendas em português), onde demonstra que o mundo nunca esteve tão bem. Os números de homicídios, o volume de pobreza e até a taxa de poluição nunca estiveram tão baixos. A quantidade de guerras é a menor da História e até os atos de terrorismo diminuíram nos últimos 30 anos. Enquanto isso, liberdades pessoais e políticas cresceram, além de haver progresso unânime em questões tangíveis como expectativa de vida, mortalidade infantil, renda e acesso a saúde, segurança e educação. Problemas ainda existem, claro. Mas das Américas à Europa e por toda a África e Ásia o progresso da raça humana no último século é inegável.

Pobreza extrema; 1820-2015

 

Mortes por Homicídio na Europa Ocidental, EUA e México; 1300-2015

No seu estudo, o professor Pinker defende que houve e há progresso. Ele definiu variáveis que podem ser medidas para indicar se de fato o mundo está melhor em relação ao passado. São oito: Vida, Saúde, Sustância, Prosperidade, Paz, Liberdade, Segurança, Conhecimento, Lazer e Felicidade. Se existiu crescimento aferível dessas variáveis, houve progresso. Ele compilou estudos de várias décadas (e até séculos) sobre esses aspectos e o resultado não poderia ser melhor. Em todos os quesitos os seres humanos estão melhores. Até “atos de Deus”, como relâmpagos, matam menos pessoas nos dias de hoje. Mais de 90% da população mundial abaixo dos 25 anos, por exemplo, sabe ler e escrever, segundo o Our World in Data. Os resultados nunca foram tão positivos. Mas essa não é a sensação comum do telespectador de jornal ou usuário de internet.

O problema é o humor da imprensa

Paralelamente, segundo Steven Pinker, a percepção da imprensa sobre os acontecimentos mundiais vem piorando cada vez mais desde o início do século passado. De acordo com o Cultureconomics 2.0 – estudo que fez uma tabulação das emoções de palavras nas reportagens de todo o mundo –, durante as décadas em que a humanidade se tornou mais saudável, mais rica, sábia, segura e feliz, “os noticiários mundiais em geral se tornaram cada vez mais melancólicos e o New York Times, por exemplo, se tornou cada vez mais taciturno”, diz.

A pesquisa usa milhares de fontes, incluindo acervos dos principais jornais do mundo, como o NYT, para atribuir valores emocionais positivos ou negativos às informações. O levantamento inclui o Summary of World Broadcasts (SWB), banco de dados criado na Segunda Guerra pela rede inglesa BBC para monitorar a imprensa mundial, e o Foreign Broadcast Information Service (FBIS), iniciativa da agência de inteligência americana CIA de 1941 com o mesmo propósito dos ingleses. O SWB monitorou os veículos de imprensa em mais de 100 países até 1997, e o FBIS se transformou em 2005 no Open Source Center (OSC), a principal fonte aberta de informações de inteligência estratégica, sob a supervisão da CIA.

O software que realiza a tabulação utilizado pelo autor do estudo, Kaleev Leetaru, destrinchou entre 10 mil e 100 mil artigos desses bancos de dados por dia entre 1º de janeiro de 2006 e 31 de maio de 2011 para atribuir o valor das emoções das manchetes e notícias da imprensa. O gráfico (abaixo) com os resultados delineia a tendência: o humor da imprensa só piora.

O valor mais alto de humor é 3, o menor -3. Desde a década de 90 a imprensa tem humor médio de -1. Entre 2001 e 2011 flutuou entre -3 e -2.

Há uma desconexão de humor e também de interpretação. Nos últimos anos repórteres e acadêmicos da Grã-Bretanha não compreenderam o Brexit; o mesmo aconteceu com a eleição de Donald Trump nos EUA. Este ano foi a vez dos jornalistas brasileiros estarem “chocados” com a eleição presidencial. Mas o pior de tudo é que nos três países a imprensa não foi capaz de prever movimentos políticos amplos, populares e majoritários. A reação desses setores à própria incapacidade de manter o dedo no pulso da sociedade tem sido diversa; resistência, indignação, militância. Sinal de que é provável que essa massa majoritária continue a se afastar dos meios de comunicação tradicionais.

 

Tiago de Vasconcelos é Diretor de Redação do Diário do Poder

Reportar Erro