Ney Lopes

O pronunciamento de Bolsonaro

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Gerou grande expectativa a montagem de cenário, em frente ao Alvorada, para pronunciamento do Presidente da República.

A curiosidade era sobre o que diria o chefe do governo, diante da “camisa de força” armada pelo seu ministro da Economia, membros de sua equipe e aparentemente com apoio dos presidentes da Câmara e do Senado.

A meta de Guedes é fazer o que ele sempre o desejou fazer, com a desmontagem da máquina pública, esvaziá-la e vender o patrimônio nacional, como única forma de arrecadar recursos e não onerar o “andar de cima” com tributações como lucro e dividendos, impostos sobre fortuna, taxar patrimônio e renda como recomenda a OCDE, “pente fino” nas dádivas de incentivos, isenções e juros subsidiados liberados sem fiscalização e por prazo indeterminado.

Neste contexto, Guedes sobe o tom e mais do que nunca quer “impor” a sua agenda liberalizante, de predominância absoluta das forças do mercado, até amedrontando o Presidente, do risco de sofrer “impeachment”, caso não siga a sua orientação.

O que se pretende é que o Brasil defina previamente princípios e rumos para enfrentar o desafiante futuro.

Sêneca tem razão, ao afirmar que “nenhum vento sopra a favor de quem não sabe par a onde ir”. Certamente, a questão principal será deixar claro o papel a ser desempenhado pelo Estado, sobretudo para o exercício de suas indispensáveis funções sociais, sem o que a explosão nas ruas será inevitável.

O obstáculo não é a oposição, vermelhinhos, petistas ou comunistas, como se fala no jargão do governo. A força que “pondera” acerca dos rumos da política econômica tem origem nos militares e no próprio Presidente, que se opõem ao liberou geral.

Essa linha de pensamento significa não aceitar integralmente a regra do economista Milton Friedman, que impõe o modelo do capitalismo de acionistas, do início dos anos 60.

Friedman sacralizou a regra de “financeirização” da economia, ao defender o binômio de que o “lucro” gerado pelas empresas privadas é o único motor da sociedade e que o mercado se autorregula, sem necessidade do estado, que deve ser reduzido ao máximo.

Este filme o mundo já assistiu. Em 1989, o economista John Willianson transformou as ideias da Escola de Chicago, em verdadeira “receita de bolo” para o desenvolvimento da América Latina, através do chamado “Consenso de Washington”, que recomendava a redução drástica da regulação e controle estatal, ampla liberdade de mercado, aumento da abertura para o exterior e redução do tamanho do estado.

Quem tenha juízo e lucidez não pode condenar as preocupações do Ministro da Economia. Indiscutivelmente, não é hora de gastança, de esbanjamento de dinheiro, de quebra do teto de gastos. Entretanto, o que tem de ser discutido é a “forma” de condução dessa política econômica de austeridade, após a pandemia.

É total inverdade colocar as posições de Guedes como sendo às “únicas” recomendadas pelo liberalismo. Em absoluto.

Ser liberal não é ser dogmático. Ser liberal é ser doutrinário, ter princípios, que se ajustem às circunstancias históricas, culturais, políticas de cada país. Ter princípio significa ter valores não negociáveis. E no liberalismo, esse valor é a “liberdade” individual, política, econômica, religiosa, social.

No caso brasileiro atual, a última “fala” do Presidente demonstrou muito equilíbrio e transmitiu tranquilidade à nação.

Ao lado dos presidentes da Câmara e do Senado, ele se comprometeu em obedecer ao teto de gastos e seguir na linha de mudanças administrativas e tributárias. O presidente do senado destacou que o Congresso teria visão social.

Isso é o mais importante. Não adianta aplicar regras ortodoxas de liberalismo da Escola de Chicago para “vender” a preço de bolo de coco o patrimônio nacional e no final o déficit continuar, com desemprego.

Os exemplos de multidões nas ruas estão à vista. E quando essas multidões não recuam, terminam encontrando soluções, como se vê no Chile, França, Itália e tantos outros países.

A “fala” presidencial foi no sentido de segurar o “leme” do barco Brasil e seguir em frente, sem necessidade do “liberou geral”. Não se pode negar, que a posição do Presidente Bolsonaro tranquilizou a classe média, servidores civis e militares, os assalariados, os pequenos e médios empresários, agricultores.

Talvez, tenha intranquilizado quem defende transferir para essas classes citadas o pagamento da conta, que virá após a pandemia.

Essa deverá ser responsabilidade de todos e não apenas de “alguns”.

Mudanças verdadeiramente liberais devem ser defendidas com a visão, que compartilhe os ganhos da economia, com os ganhos sociais.

A responsabilidade deverá ser de todos e não apenas de “alguns”.

Llosa tem a razão: “A liberdade é inseparável do liberalismo. E a liberdade não pode ser só liberdade econômica. Deve avançar ao mesmo tempo, nos campos político, econômico, cultural e social. ”

Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br

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