Francisco Maia

O pássaro negro

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As incertezas nas ações de governo paralisam, amedrontam e nos provocam, enquanto as mudanças para a reorganização da economia exigem coragem, urgência e talento. Quem não sabe aonde ir, todos os caminhos levam a nenhum lugar, mas alguns deles, certamente, podem conduzir ao desastre.

Estamos com as costas voltadas à beira de um penhasco e os sábios da República nos impõem um passo atrás. Tudo porque nenhum sistema organizacional pode ser feito durante graves situações de crise. Lamentavelmente, atitudes responsáveis se ofuscam por algumas certezas de conhecimento incerto. Estamos diante de comportamentos cômicos, como se um enorme tigre invadisse nossa casa e nos perdêssemos na dúvida se a ferocidade pudesse ser contida com bifes macios da geladeira.

Ideias inoportunas não resolvem a tragédia de uma queda de R$ 100 bilhões na arrecadação dos estados e outros também bilhões na economia da iniciativa privada. Propor reforma tributária durante a pandemia, se não for incúria, é muita ignorância. Tão grave quanto este erro, é a agressividade que se manifesta nas calúnias e linguagem de cais do porto nas redes sociais. A figura do “brasileiro cordial” pediu demissão.

Repensar o Brasil é obra para pessoas preparadas. Por favor, não nos cheguem com propostas de alterações tributárias, neste momento em que o Brasil atravessa um choque na economia e no planejamento sanitário. Até porque, essa reforma é inútil e tola. Qualquer ajuste pode e deve ser feito sem tocar na Constituição. Leis federais dão conta do serviço.

Mas há urgências geradas pela estagnação da economia. O socorro a quem deve impostos e empréstimos ao poder público, só pode ser solucionado com uma moratória, ampla, geral e irrestrita, condicionada às dívidas a partir de 24 de março deste ano. No mundo dos cegos, quem tem um olho é caolho. Mesmo vendo pela metade, é fácil perceber que o projeto de lei nº 3.566 de 2020, na Câmara dos Deputados, institui moratória tributária. Ela alveja os optantes do Simples com dívidas entre 1º de abril e 30 de setembro deste ano, nos termos do art. 152, inciso I, b, do Código Tributário Nacional (CTN). Sendo que poderá ser liquidada com o agravo de 0,3% do faturamento mensal. Os microempreendedores individuais- MEI – poderão pagar em 60 parcelas mensais e iguais.

A pior das loucuras é, sem dúvida, pretender ser sensato num mundo de doidos, sentenciou Erasmo de Roterdã, um teólogo e filósofo que viveu nos antigos países Baixos, durante o século 15. Tamanha é a confusão, que fica impossível entender como os doutores do poder defendem onerar livros, educação e serviços para conseguir o equilíbrio fiscal.
A educação metamorfoseou a Coréia do Sul; a cultura deu imortalidade à França; e os serviços transformam o turismo em mina de ouro.

“Tem horas que a gente se sente como quem parou ou morreu” acusa a paródia à Chico Buarque em Roda Viva. Não é possível acreditar que tantos equívocos possam não ter preço. Pregar o “todos contra educação” só pode ser inspirado por grandes interesses contrariados. Os crentes deveriam considerar que essa atitude vai aumentar o preço da Bíblia. Inexplicável é defender a diminuição de impostos para carros importados e aumentar o das escolas e livros.

A pena capital de gravar entidades associativas não governamentais levará à guilhotina entidades civis como a Academia Brasileira de Letras, Associação de Direito Financeiro, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e tudo o mais que possa ser luz nesse vale de trevas. Temos agora uma política pública de fraca coordenação, que se diverte com discussões sobre platitudes, distantes de um planejamento mínimo que nos tire do atoleiro.

Persistir em ilusões sobre a realidade é doença grave. Esquizofrenia política tem sintomas que apontam à existência de uma dissociação entre a ação e o pensamento, que também pode ser alcunhada como dissonância cognitiva. A Contribuição sobre Bens e Serviços, produto novo que chega no universo fiscal, seria feito por complexa verificação de débitos e créditos, e se pensam que essa novidade vai simplificar, ledo engano.

Um olhar sobre essa pandemia de muitos equívocos, permite indagar sobre a diferença entre um corvo e ações sem patriotismo. Um é capaz de furar olhos, destruir por onde passa, rasgar livros com as garras e provocar grandes sustos. O outro é apenas um pássaro negro.

Francisco Maia é presidente do Sistema Fecomércio-DF (Fecomércio, Sesc, Senac e Instituto Fecomércio).

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