Maria José Rocha Lima

O inteligente coronavírus quebrou as cadeias globais

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A quebra das cadeias de valores globais provocada pelo coronavírus deu um enorme tombo na economia mundial. Esta foi a conclusão a que chegaram os especialistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), no estudo recente “Perspectivas da economia mundial”, divulgado no último dia 24. Foi realizada  uma atualização de suas previsões econômicas para 2020 e 2021, mostrando a drástica queda do crescimento do PIBs: do  Mundo – 4,9%; Estados Unidos -8,0%; Zona do Euro -10,2%; América Latina e Caribe, -9,4%; e somente a China crescerá 1,0%. O estudo prevê, ainda, uma queda de  – 9,1% para o PIB brasileiro, o maior tombo dos últimos 120 anos.

A pandemia da Covid-19 levou as economias a um grande bloqueio e desencadeou a pior recessão desde a Grande Depressão, concluem os estudiosos. Analisando esses e outros aspectos relacionados aos impactos e consequência da pandemia na economia, no último dia 3 de julho, no Programa Roda Viva da TV Cultura, o economista sérvio Branko Milanovic, que foi Economista Chefe do Departamento de Pesquisa do Banco Mundial,  abordou o Triunfo do Capitalismo, as suas configurações e perspectivas. O autor aborda o triunfo do capitalismo, explicando que é obvio quando se observa como a China se organizou, tendo o setor privado dominante na economia. E, por isto, vemos que o capitalismo se tornou um sistema totalmente global. Perguntado sobre como serão afetados os países que dividem a produção em cadeias entre vários países, ele respondeu: “Não sabemos quanto tempo vai durar a pandemia, portanto estamos apenas especulando, mas as cadeias produtivas de valores globais foram um dos meios pelas quais as relações de produção dos países capitalistas dos países desenvolvidos se espalharam pelo mundo”.

O autor parece profetizar que  “o coronavírus não vai acabar agora. E não sabemos ao certo quanto tempo ele vai durar. E quanto mais durar maiores mudanças produzirá. Já sabemos com certeza que o papel do estado vai ser mais importante dentro dos países e isto atrapalhará a globalização, da forma que conhecemos nos últimos 30 anos”.

As cadeias de valores globais permitiram que vários países pobres ou emergentes tivessem acesso às tecnologias, como nunca tiveram antes. Essas cadeias foram eficientemente organizadas, contanto que não houvesse grandes choques. Quanto às consequências da pandemia, ele fala que ficou óbvia a acirrada a concorrência entre China e EUA, até porque a pandemia teve início na China, e ainda  ficaram claramente expostas as desigualdades sociais.

O autor está convencido que “o capitalismo venceu depois de séculos de disputa entre diferentes meios de organizar e distribuir a produção econômica e reina absoluto, com diferentes configurações, em todo o mundo”.  Na China é o Capitalismo Político e nos Estados Unidos é o tal (grifo nosso) Capitalismo Liberal Meritocrático.

Sobre as premissas conceituais da sua obra, se é para um leitor de esquerda, uma vez que, no seu livro que aborda o Triunfo do Capitalismo, há 120 vezes a palavra Marx ou marxismo, segundo Alexandre Borges, colunista da Gazeta do Povo,  Milanovic  responde que tem uma base metodológica fortemente marxista, discutindo a questão das classes sociais. O autor  entende a importância de  compreender se a produção da riqueza vem por meio do trabalho ou do capital. Diz ter feito “um pouco de perversidade com as revoluções comunistas em países como a China e Vietnã, porque estas resultaram na expansão do capitalismo autóctone e doméstico. Ele  não vê nenhuma perspectiva de formas de produção socialistas que excluam o modo de produção capitalista ou o trabalho braçal.

O autor relativiza a corrupção, afirmando que “é um fenômeno endêmico em nível mundial, que é inerente ao Capitalismo. Ele é maior nos países de Capitalismo Político porque estes se caracterizam pela burocracia, que é um dos fatores que se destacam, entre outros que promovem a corrupção”.

Ele fez um ranking de países mais corruptos do Capitalismo Político, que aparecem nos primeiros lugares, concluindo que “um pouco de corrupção faz bem à economia, pelo menos é o que se tem observado em países como a China, o Vietnã e a Rússia”.

Na China, ele informa que  chegaram a categorizar corrupções que são chamadas “corrupções de acesso”,  “áreas sem lei”, nas quais o poder de polícia é suspenso e o poder de processar pessoas importantes não é permitido. Milanovic entende que certos tipos de corrupção permitem que melhores investimentos aconteçam; prevê uma tendência gradual de unificação das elites políticas e econômicas da China e dos Estados Unidos, o que resultará numa Plutocracia Capitalista; afirma que as democracias “estão solapadas pela compra do voto nos Estados Unidos, onde a elite econômica e política se unem na compra do voto, só ganha as eleições quem angaria exorbitantes quantias em dinheiro; e na China o poder político da elite, que pertence à cúpula do poder, aqueles que estão abaixo do presidente e se expandiram na arena econômica, ganhando dinheiro.  Portanto, nos dois sistemas vemos a tendência à concentração dos dois poderes econômico e político, criando uma Plutocracia Capitalista, de fato, solapando o poder da democracia”. Segundo Milanovic, “o panorama político mundial é pouco otimista para o futuro”.

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