Francisco Maia

O dia seguinte

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As cinzas guardam a brasa que reacende as fogueiras, assim como a devastação das grandes guerras restaura o poder de uma nação. As guerras, na maneira das epidemias, ironicamente, têm a capacidade de gerar a vida de um país e mudar sua história. Todas as classes sociais se nivelam pelo mesmo sofrimento. No momento em que patrões e empregados repartem o mesmo prejuízo, as diferenças desaparecem. Movidos pela sobrevivência, inventam novos códigos sociais e tecnológicos, como entre os anos 1950 e 60, no pós-guerra, que o PIB da Alemanha cresceu 11% e o do Japão 13%.

A teoria das transformações, possivelmente também provocadas por epidemias, criada por William Strauss, professor de direito em Harvard, e Neil Howe, consultor da Hedgeye Risk Menagement, ensina que a história cria mutações em degraus. Esses níveis são marcados por momentos de grandes crises que semeiam a criação de novas ordens sociais. Curiosamente, na publicação do livro “Gerações, em 1991, William e Neil disseram literalmente, que “o inverno está chegando e o clímax da crise está previsto para 2020.”

A pandemia da Clovid-19 pode ser o mal que gerar algum bem. O mundo pós-pandemia parece já mostrar um novo rosto. A instituição chamada Estado começa a demonstrar sua utilidade e necessidade. Por mais liberal que seja a economia, o povo não sobrevive quando saúde, segurança e educação lhes falta. A mão poderosa do estado torna-se urgente.

Como o comércio, serviços e indústria no Brasil poderiam sobreviver se o governo não tomar a si bilionárias providências emergenciais? Brasília, capital da República é bom exemplo. A cidade vive sensivelmente de serviços e tem uma economia mercantil sufocada pela dificuldade de crédito. Há perigoso risco se a União não surgir como fiadora do desenvolvimento, pois a pandemia exige um novo olhar governamental. A população tomou essa consciência e governo algum jamais poderá ter credibilidade no futuro, se não exibir seu verdadeiro papel.

A internet conseguiu mostrar sua grande utilidade para a classe média e populações de pouca renda; o comércio à distância veio para ficar; o sistema bancário começa a perceber que sua existência depende de uma nova visão sobre o crédito. Dinheiro é mercadoria como outra qualquer e para ser comprado precisa ter preço baixo; e o respeito à ciência foi outro aspecto que está se incorporando à consciência coletiva. A desobediência cede lugar ao medo e o conceito de renda mínima se concretiza com a existência dos auxílios emergenciais à pobreza.

Tudo indica que o trabalho à distância vai diminuir os custos, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de vida dos que produzem. Também é perceptível o fortalecimento da solidariedade com as comunidades carentes. Fez que o Brasil perceba, por exemplo, que nossa economia não é pobre, mas simplesmente injusta. Na mesa, a pandemia nos dá lições, quando ensina o valor de uma alimentação saudável.

Muitas das mudanças estavam em gestação. Essa gripe que mata, pode ter sido um acelerador do processo. A crise econômica que se criou, revela a parte fraca da cadeia social. Os grupos mais atingidos pela doença e falência econômica são justamente os constituídos pelas pequenas empresas comerciais e as populações vulneráveis.

O mundo pós-pandemia é uma publicação dirigida por José Roberto Castro Neves, doutor em Direito e mestre pela University of Cambridge, que reuniu 49 personalidades da ciência, economia, política, educação e saberes de humanidades para responder sobre o day after dessa calamidade vivida por todos.
Há uma unanimidade em torno das consequências do isolamento durante a pandemia. Destaca-se a reintegração dos prazeres da vida nas residências: compras à distância, a alegria das refeições familiares e o aquecido conforto da presença dos pais durante o dia todo.

Jonathan Portes, professor de economia e políticas públicas na King’s College de Londres, e um dos colaboradores do livro de doutor Castro Neves, destaca que o Covid-19 não empobrecerá os países. Caso aconteça, a culpa será das escolhas políticas, não da epidemia.

As lições sempre chegam pelo olhar da própria experiência ou reflexões de formadores de opinião. Percebemos que a vivência da dor pode nos trazer sabedoria e os momentos de vitória gerar enormes alegrias. Ambos são indispensáveis na vida. Um mundo solidário e sustentável, não é mais opção, mas exigência da própria reinvenção da humanidade.

Francisco Maia é presidente do Sistema Fecomércio-DF (Fecomércio, Sesc, Senac e Instituto Fecomércio).

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