O carvão na matriz energética do Brasil

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O mundo está sendo mobilizado para enfrentar o desafio de reduzir as emissões de gases causadores do aquecimento global.  Esse é um dos maiores desafios contemporâneos. Muitos ainda julgam que essa é apenas uma questão ambiental. Porem o recente relatório das Nações Unidas demonstrou as graves consequências desse aquecimento. A vida do ser humano está em jogo. Poderemos ter mortes em larga escala. As desigualdades poderão ser aumentadas com aumento de áreas de pobreza. O clima pode tornar a vida impraticável em algumas regiões.

Mesmo assim os interesses econômicos dos setores que estão sendo ameaçados têm promovido várias campanhas de desinformação e de lobby perante os poderes políticos.  Isto tem ocorrido em todos os países inclusive no Brasil.

Neste artigo ficarei limitado ao setor de carvão.

A capacidade instalada em usinas a carvão mineral no Brasil é 3 GW representando só 1,7% de toda a capacidade instalada do setor elétrico no Brasil. Por outro lado, apesar de serem usinas instaladas há vários anos e usando a tecnologia de geração de energia elétrica mais antiga e tradicionalmente comprovada, ainda sobrevivem com auxílio de subsídios dos consumidores pela CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) de cerca de R$ 700 milhões anuais.

Para alcançar o desafio da descarbonização, o Brasil é afortunado em relação ao uso do carvão na geração de energia elétrica. Ao passo que aqui esse energético representa apenas 1,7% da capacidade instalada esse mesmo energético tem presença significativa em vários países, como EUA com cerca de 20% (apesar de não estarem implantando novas usinas), e principalmente China e Índia onde o carvão representa cerca de 50% e ainda estão com projetos em implantação.

Dentro dos compromissos com o Acordo de Paris, os diversos países estão estabelecendo compromissos para total descarbonização até 2050, com objetivo de até 2030 ter grandes avanços.

Assim gera surpresa e preocupação a notícia veiculada pelo presidente da ABCM (Associação Brasileira de Carvão Mineral) em entrevista ao Poder 360 de que “Nós temos conversado com a Casa Civil. Possivelmente, em breve vai ter o decreto que regulamenta a Lei 14.299 e cria esse conselho gestor. E aí a importância de você começar a operar logo, para montar o principal nesse processo, que é o plano de transição energética. A gente tem conversado também com o governo de Santa Catarina, que tem que fazer a mesma coisa, tem que fazer a implantação da lei estadual 18.330/2022, que é a estadual. Esperamos que isso tudo ocorra até o início de junho”.

Nessa mesma entrevista o presidente da ABCM indica que ” A transição energética não pode eliminar por completo as fontes fósseis e substituí-las pelas renováveis”, e mais adiante que “a completa substituição das fontes fósseis pelas renováveis é um equívoco do ponto de vista técnico porque usinas térmicas, movidas a carvão e a gás natural, por exemplo, são as responsáveis por manter a chamada confiabilidade do setor elétrico, uma vez que as fontes eólica e solar são intermitentes, ou seja, incapazes de fornecer energia a qualquer momento do dia”.

É fato tecnicamente conhecido que devido a intermitência das fontes renováveis mais económicas, solar e eólica, a descarbonização do setor elétrico exigirá investimentos substanciais em múltiplas tecnologias de armazenamento de energia, bem como em transmissão, para termos geração limpa e flexibilidade de demanda. Esta é a solução que diversos países estão buscando e NÃO a continuação da operação de usinas que utilizem combustíveis fosseis.

Já existem tecnologias comprovadas e disponíveis para implantação comercial, como baterias de íons de lítio, hidrelétricas reversíveis e algumas opções de armazenamento térmico.  As baterias de íons de lítio possuem alta densidade de energia e alta eficiência de carga e descarga, facilita seu uso em veículos elétricos e em aplicações de armazenamento de sistemas elétricos de curta duração (normalmente 4 horas ou menos). Baterias de maior capacidade já estão em fase de desenvolvimento e aplicação comercial. As centrais hidrelétricas convencionais e reversíveis são excelente alternativa para armazenamento de energia bem como para complementar as usinas intermitentes para o seguimento de carga (load following) e estabilidade do sistema. As centrais solares térmicas com raios concentrados (CSP) são uma solução já em uso como fonte de armazenamento térmico de energia e fonte de energia despachável operando da mesma forma que as térmicas convencionais, portanto despacháveis. A instalação de sistemas de armazenamento de energia em usinas de energia existentes que estão sendo aposentadas (como as que usam carvão) pode reduzir os custos de armazenamento, permitindo a reutilização de interconexões de rede existentes e, em alguns casos, outros componentes da usina. Portanto, argumentar pela necessidade de manter as térmicas a carvão devido a intermitência das fontes renováveis não tem sustento tecnológico. Por outro lado, é imprescindível caminhar na meta de emissões zero. Em sua entrevista o presidente da ABCM indicou que “Os projetos de redução de emissões ou de transformar as emissões líquidas em zero passam pela tecnologia de captura de CO2. Já existem projetos de demonstração no mundo”.

Realmente existem vários projetos de demonstração a nível de pesquisa para desenvolvimento de tecnologia de captura de CO2, porem ainda não existe solução que permita seu uso em escala comercial.

Portanto, somente quando essas tecnologias para remover o dióxido de carbono da atmosfera se tornarem comercialmente disponíveis, as mesmas poderão fornecer compensações de emissões permitindo que geração a gás natural faça parte de um sistema elétrico misto com fontes renováveis. Carvão, ainda terá que competir com gás natural.

Até lá, para termos um sistema elétrico de energia limpa deveremos ter, no parque gerador, hidroelétricas, nuclear e solar térmica (CSP), e renováveis acopladas a armazenamento de energia.

Armando Ribeiro de Araujo – Engenheiro Eletricista pela UFRJ, Mestrado pelo Illinois Institute of Technology, doutorado pela UFEI, Ex-Secretário Nacional de Energia do Ministério de Infraestrutura, Ex-Presidente da Eletronorte. Ex- Presidente do Conselho de Administração de Furnas, CHESF, e Eletronorte, Ex Professor da UFRJ, UERJ e UnB.

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