Pedro Valls Feu Rosa

O bom e velho faroeste

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Dia desses assisti a um filme de faroeste. Mas não gostei. Tinha tiro demais. Muito sangue jorrando. Muita desordem. Ora, o “velho oeste” norte-americano era um lugar organizado!

Segundo me recordo das aulas de história, tudo começou quando descobriram ouro na California, em 1848. Em 1862, Abraham Lincoln emitiu o “Homestead Act”, através do qual seria doada a propriedade de terras no oeste a quem se dispusesse a ocupá-las por pelo menos cinco anos.

Os assentamentos decorrentes deste ato eram rigidamente controlados pelo governo – os pioneiros, tão logo se estabeleciam, eram obrigados a enviar ao Congresso toda a documentação da área. A partir daí criava-se um conjunto de regras locais, e eram institucionalizados os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com a eleição do prefeito, do juiz e do xerife.

Naqueles velhos tempos o porte de arma era objeto de controle rigoroso. Em 1870, por exemplo, quem chegasse a Wichita, no Kansas, era obrigado a ir até a Delegacia e registrar sua arma. Há uma fotografia de um aviso na entrada de Dodge City, datada de 1879, segundo o qual o porte de armas de fogo era estritamente proibido.

É curioso, isso: segundo consta, atualmente o porte de armas de fogo é permitido em 49 dos 50 estados norte-americanos! E eis que o velho oeste, ao contrário do que vemos nas telas do cinema, era muito mais responsável!

Aliás, sobre violência, esqueça os tiroteios e mortes: em média as cidades fronteiriças registravam apenas dois homicídios por ano. E nas cinco maiores cidades do velho oeste aconteceram apenas 45 homicídios entre 1870 e 1885.

Vamos a alguns exemplos concretos: em Abilene, uma das mais violentas cidades do velho oeste, não se registrou sequer um homicídio entre 1869 e 1870. E as famosas Ellsworth e Dodge City foram as únicas em toda a região nas quais foram registrados mais que cinco homicídios por ano.

E os assaltos a banco, tão comuns nos filmes de faroeste? Tudo mentira! Segundo constatou o historiador Larry Schweikart, da Universidade de Dayton, aconteceram apenas quatro deles em nada menos que 15 estados, entre os anos de 1859 e 1900! Por incrível que pareça, nos tempos atuais há mais assaltos a banco em qualquer grande cidade brasileira ao longo de um único ano do que em toda uma década daqueles tempos de faroeste.

Diante de toda estas mentiras, larguei para lá o filme de faroeste. Fui assistir a um outro, sobre a Guerra do Vietnã. Também não gostei. Tiro demais. Muita gente morrendo. E novamente a realidade sendo distorcida – afinal, o Vietnã não era assim tão violento!

Ora, com todos aqueles tiroteios e explosões, o Exército dos EUA perde durante uma guerra cerca de 53,67 soldados por dia. Já o Brasil, por exemplo, usufruindo de uma paz absoluta, perde 119,46 habitantes assassinados por dia – mais do que o dobro!

Resolvi fazer umas contas. Verifiquei quantos soldados norte-americanos morreram em combate na Guerra do México, Guerra Hispano-Americana, I Guerra Mundial, II Guerra Mundial, Guerra da Coréia, Guerra do Vietnã, Guerra do Golfo, Guerra do Iraque e Guerra do Afeganistão. Cheguei a 666.056 baixas ao término de uns 34 anos de batalhas terríveis. Enquanto isso, em apenas 16 anos (1990 a 2006), 697.668 civis brasileiros morreram a tiros, facadas ou pauladas pelas ruas deste tranquilo país.

Foi assim que joguei fora os filmes de guerra e faroeste que tinha, e fui assistir ao “Deu a Louca no Mundo”, de Stanley Kramer.

Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

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