Francisco Maia

O bicho some

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Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Nessa expressão falta um pedaço. A frase perfeita seria, “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, mas se nos juntarmos, o bicho some”.

A inspiração desse remendo ao aforismo é de Rodrigo Drubi, um teólogo paulista.

Seria perda de tempo se ficarmos tratando da etimologia de ditos populares. O assunto mesmo é coisa grave, vergonhosa e desafiadora.

A indiferença das sociedades às mazelas sociais, como a fome, abandono e morte a cada dia, vivem muito pertinho de nós.

Neste último domingo, o jornal Correio Braziliense publicou uma fantástica reportagem, que é um coice na silenciosa consciência coletiva.

A repórter Darcianne Diogo, com a colaboração da também jornalista Luana Pastrolino, assinou uma matéria dura e pungente, com o título “A Face da Desigualdade: DF tem mais de 160 mil famílias na faixa da pobreza”.

Como revela a reportagem, “esse cenário mostra falhas em áreas como educação, mercado de trabalho e desenvolvimento urbano”. Em atividades precárias, que se resumem a catar lixo, ser ambulante, mendigos ou simplesmente fazer pequenos bicos, essa população de cerca 800 mil habitantes sobrevive com rendas que oscilam de R$ 250 a R$ 400 reais ao mês. Assim é a pobre vida dos despossuídos.

Sem culpar as autoridades do Estado, muitas vezes negligentes, é hora de acordar nossas classes produtivas, cidadãos comuns e grandes associações empresariais.

Precisamos perceber que as questões sociais muitas vezes podem ser explicadas pela matemática.
Grandes nações de economia livre já demonstraram que o fim do desemprego e fome é o começo da prosperidade. Quanto mais o volume de salários crescer, maior será o giro do dinheiro e sucesso nos negócios. Cada carteira de trabalho assinada é uma garantia para os que produzem, servem ou vendem.

Se as pessoas fugirem de seus problemas, eles mesmos saberão voltar.

Qualquer lixo não desaparece quando varrido para um canto escuro da sala. A vassoura funcionará melhor se for usada por todos.

Aquela história que faz o bicho sumir, é precisamente a consciência do mutirão coletivo. Se todos, unidos e dispostos, baterem forte com os pés, o bicho some.

Conta a história que essa incrível união vem do século 12.

Por volta dos anos 1300, a nobreza começou sentir cheiro de chifre queimado.

Em torno dos castelos, as populações plebeias passaram a suprir os nobres de tudo que necessitavam para seus luxos. Por maior poder que os suseranos tivessem, sempre alguém teria que produzir os arados, carros de boi, armas, tecidos e produção de trigo. Muito mais que isso, eram os ofícios de vendas e serviços.

A aristocracia se dizia marcada pela tradição que a proibia de participar da “infâmia” do trabalho.

Os que viviam longe dos burgos eram aqueles que por necessidade e passado, se dedicavam à negação do ócio para praticar o negócio. Assim, o comércio passou a ser a sustentação daquela economia.

A força do dinheiro começou na atividade mercantil, que foi o alicerce da acumulação de riquezas. Assim surgiram as bancas de negócios que começaram a emprestar dinheiro à nobreza e sustentar guerras e grandes luxos.

Dessa forma, a serpente e seus ovos saíram do ninho.

Pouco mais de 500 anos depois, na Revolução Francesa, os habitantes dos burgos começaram a degolar pessoas.

A vaca que já estava no brejo, se afundou ainda mais na lama da história.

As Corporações de Ofício foram as primeiras associações de comércio que regulamentavam profissões e o processo artesanal nas cidades.

Essas unidades de produção foram marcadas pela hierarquia (mestres e aprendizes), pelo controle da técnica de produção das mercadorias, a ciências das vendas e prestação de serviços.

Dentre as mais importantes estão as corporações dos construtores e dos artesãos. Absolutamente ninguém poderia exercer um determinado ofício, se não fosse membro de uma corporação e caso isso não fosse obedecido, havia o risco de expulsão da cidade.

Apesar de toda essa organização, aquilo que serviu de herança para o futuro, foi a obrigação de cada associação de ofícios proteger os idosos, viúvas, desempregados e órfãos.

Nós, das atividades dos serviços e comércio, estamos cumprindo as ordens de nosso passado. Todas as atividades produtivas assistenciais estão juntas nessa missão: vencer doenças e fome.

Assim despontou a ideia de todos se juntarem para vencer o bicho e sumirem com ele. Exatamente revivendo o passado, é que convidamos a todos aos que pouco lhes falta, a proteger aos que nada possuem.

Francisco Maia é o presidente do Sistema Fecomércio-DF (Fecomércio, Sesc, Senac e Instituto Fecomércio).

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