Luiz Depine de Castro

O atraso tecnológico brasileiro- falta educação ou dinheiro?( Parte 2)

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Na parte 1 foi analisada a relação entre o atraso tecnológico e a educação brasileira, particularmente na formação de mão de obra voltada à geração de tecnologia. Ficou evidenciado que o total desinteresse da empresa privada em se desenvolver tecnologicamente provocou lacuna na formação desta mão de obra especializada, tornando mais difícil e demorada qualquer reversão do processo degradativo. Não foi, portanto, uma falha na área educacional que gerou o atraso tecnológico do País, mas exatamente a situação inversa.

Nesta parte será analisada a relação entre o atraso tecnológico e o investimento financeiro feito na área.

 

O ATRASO TECNOLÓGICO

São infindáveis os dados que mostram que o Brasil não está envolvido e nem motivado em DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO e INOVAÇÃO (DT&I) no momento que o mundo respira e transpira tecnologia. O Brasil é o 69º colocado no “Global Innovation Index 2017”, como mostrado abaixo.

Status e Perspectivas para para o Investimento em C, T&I – Temas Contemporâneos – FGV – Marcos Cintra- Presidente FINEP

Os dados abaixo, da OCDE, mostram que o Brasil, não só está no final da lista, como não apresentou nenhuma evolução do percentual de indústrias inovadoras entre 2010 e 2014.

Como não há muito espaço, no mercado mundial, para produtos manufaturados de baixo nível tecnológico, o resultado prático disso pode ser visto na figura abaixo, onde o percentual de produtos manufaturados brasileiros exportados perde espaço, a cada dia, para os produtos primários. É conveniente lembrar que suco de laranja e açúcar refinado, por exemplo, são considerados produtos manufaturados!

https://www.dci.com.br/economia/industrializado-perde-participac-o-na-balanca-1.708040

AFINAL, QUEM É RESPONSÁVEL PELO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E PELAS INOVAÇÕES DE UM PAÍS? 

Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (DT&I) não se faz nas ICTs (Instituições de Ciência e Tecnologia) e muito menos nas Universidades. E por que não?

  1. Qualquer tipo de desenvolvimento tecnológico se faz no longo prazo e não pode estar dependente de continuidade governamental. Novos governos raramente conduzem ou terminam projetos de outrem e isso é mortal para DT&I;
  2. DT&I objetiva a inovação e isso significa retorno financeiro, dessa forma tem que ser NECESSARIAMENTE, executado em sigilo. Empresas em todo mundo gastam fortunas para manter seus segredos industriais. Salvo raríssimas exceções, não é possível manter sigilo dentro das ICTs (todo mundo, todo o tempo) e muito menos nas Universidades onde o objetivo principal é a publicidade e o intercâmbio de ideias e resultados.

Entre os objetivos das ICTs está o apoio científico-tecnológico e instrumental às equipes de pesquisa das empresas. As Universidades, por sua vez, podem vir a complementar esse apoio, mas seu objetivo primordial é a educação e a pesquisa sem objetivos mercadológicos imediatos.

               Que DT&I se faz dentro dos centros de pesquisa e desenvolvimento das EMPRESAS PRIVADAS é profundamente conhecido.

CGEE

Há um consenso de que a inovação deve ser feita na indústria e que o P&D nas ICTs não substitui o P&D empresarial” . (http://www.cgee.org.br/arquivos/SI_UmaAvaliacao_Grynszpan.pdf) – (grifo do autor)

IPEA

“… a mudança na composição do investimento em P&D das empresas brasileiras. Esse movimento pode ser visto desde 2008 e mostra que as empresas estão reduzindo o volume do investimento em P&D realizado dentro da própria empresa e ampliando o percentual dedicado à aquisição de P&D de institutos de pesquisa ou de outras empresas”. (estudo publicado pelo IPEA) –( grifo do autor) http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=29153&catid=9&Itemid=8

Considerando que as empresas brasileiras, AO CONTRÁRIO DO RESTANTE DO MUNDO, não estão executando o desenvolvimento tecnológico dentro de seus próprios centros de pesquisa, começa a ficar claro e a fazer sentido os dados que mostram porque as empresas privadas brasileiras não empregam pesquisadores (doutores e mestres) nas áreas ligadas ao desenvolvimento tecnológico.

Afinal, existe investimento em desenvolvimento tecnológico e inovação, no Brasil?

Se parássemos a análise nesse ponto, tudo faria sentido, o Brasil não gera tecnologia nem inovação e também não emprega pesquisadores, desde que o Brasil não estivesse investindo recursos públicos em desenvolvimento tecnológico.

Só que isso não é verdade!

O Brasil está no fim da tabela da OCDE quando se trata de resultados obtidos em inovações e tecnologia, mas está muito bem posicionado quando se trata de investimentos governamentais na área, como pode ser visto nas figuras abaixo, tanto sob a forma de investimento direto como em subsídios com redução de impostos. Somente cinco países da OCDE deram mais apoio financeiro às grandes empresas, objetivando o desenvolvimento tecnológico, do que o Brasil (França, Países Baixos, Finlândia, Bélgica e Portugal).

Isto não faz sentido!

Como é que um país onde somente 5% dos pesquisadores atuam na indústria privada pode absorver um dos maiores investimentos na área, comparativamente com os membros da OCDE!

Existe acompanhamento e exigências para esse tipo de investimento?

O que está sendo feito, realmente, com o dinheiro público?

Quase metade das empresas ditas inovadoras se utilizaram de recursos públicos e 31,4% os usaram na renovação de seu parque industrial, não em DT&I. É o governo, bancando com dinheiro público, o aumento de patrimônio dos empresários.

BRAZIL – Purchase of equipment and machinery was considered the main source of innovation.”  http://www.oecd.org/brazil/41559606.pdf

Status e Perspectivas para o Investimento em C, T&I – Temas Contemporâneos – FGV – Marcos Cintra- Presidente FINEP

Nem mesmo quanto ao restante das empresas e quanto à Lei do Bem, é possível assegurar que os recursos tenham sido usados em DT&I considerando a mediocridade dos resultados alcançados.

O acompanhamento do investimento da empresa privada brasileira em inovação, é feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) através da PINTEC (Pesquisa e inovação da indústria privada brasileira) e é o resultado da informação telefônica ou de preenchimento de formulário pela própria empresa, como explicitado no site do IBGE, abaixo.

– “A Pesquisa de Inovação (PINTEC) é uma pesquisa realizada a cada 3 anos, cobrindo os setores da indústria, serviços, eletricidade e gás. Ela faz um levantamento de informações para a construção de indicadores nacionais sobre as atividades de inovação empreendidas pelas empresas brasileiras….. As entrevistas da PINTEC, em geral, são realizadas por telefone. Em situações excepcionais, conta-se com o apoio da rede de coleta do IBGE constituída pelas diversas Unidades Estaduais da instituição” (grifo do autor). Pintec 2017 https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/multidominio/ciencia-tecnologia-e-inovacao/9141-pesquisa-de-inovacao.html?=&t=o-que-e.

Porque o dinheiro público não é investido EXCLUSIVAMENTE e REALMENTE em desenvolvimento tecnológico e inovação?

O quadro abaixo, oriundo de palestra do Ex-Presidente da FINEP, dá um primeiro panorama do problema. Onde se lê que as “Políticas públicas de apoio não tiveram a eficácia necessária”, deve-se ler que o dinheiro público foi empregado sem o cuidado necessário. Onde se lê que “Investimentos em educação ainda deixam lacunas importantes, principalmente na formação de engenheiros…”, deve-se ler que ninguém vai estudar ou se dedicar à uma área sabendo, antecipadamente, que não vai ter emprego.

O ponto crucial de todo o problema está no item 3, onde é comentado que o MERCADO É PROTEGIDO. Essa é a grande razão para o desinteresse do setor privado nacional investir em DT&I. Por que fazer qualquer tipo de esforço nesse sentido, se o mercado brasileiro é cativo?

Status e Perspectivas para o Investimento em C, T&I – Temas Contemporâneos – FGV – Marcos Cintra- Presidente FINEP- 2017

A tarifa de importação brasileira, em 2017, segundo o Banco Mundial está entre as 30 maiores do mundo. Analisando somente as economias das Américas do Sul, do Norte e Central, em conjunto com algumas da maiores economias do mundo, o Brasil só perde para a Venezuela. (gráfico abaixo) quando se trata de tarifas de importação.

https://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=2&series=TM.TAX.MRCH.WM.AR.ZS&country=#

Ainda segundo o Banco Mundial (gráfico abaixo), a participação brasileira no mercado mundial, não deve ser motivo de orgulho, principalmente se considerarmos o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil (2,056 trilhões USD – 2017) com o da Argentina (637,6 bilhões USD – 2017).

Status e Perspectivas para o Investimento em C, T&I – Temas Contemporâneos – FGV – Marcos Cintra- Presidente FINEP- 2017

Não é nenhum exagero dizer que o Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo, se não for a mais fechada. 

Conclusões:

  1. O Brasil não se engajou no desenvolvimento tecnológico de base científica no momento adequado e, portanto, não acompanhou a evolução das maiores economias mundiais. Em consequência vem perdendo espaço nas exportações de produtos manufaturados e está completamente dependente da exportação de produtos agrícolas e commodities, cuja venda é inconstante e os preços são instáveis;
  2. O embrião do desenvolvimento tecnológico brasileiro se iniciou nas empresas estatais, nunca nas empresas privadas, portanto com a privatização no início da década de 90 ele foi erradicado;
  3. A fechada economia brasileira não incentivou as empresas privadas a investirem em tecnologia tendo em vista que o enorme mercado cativo interno disponível não demandava esse esforço, desestimulando o interesse pela formação de mão de obra especializada, que é quase inexistente nos dias atuais;
  4. As diversas tentativas governamentais de incentivo financeiro às empresas privadas para o engajamento no desenvolvimento tecnológico e na busca de inovações, através de diversos mecanismos de apoio financeiro, não funcionou porque os objetivos foram, na melhor das hipóteses, distorcidos no sentido de modernização das linhas de produção instaladas;
  5. A opção que se apresenta para começar a reverter a situação atual passa, necessária e obrigatoriamente, pela abertura do mercado brasileiro à importação, única forma de obrigar o empresariado nacional a investir VERDADEIRAMENTE, em desenvolvimento tecnológico e inovação;
  6. As curvas de evolução tecnológica, atualmente, são exponenciais, portanto, a cada mês de retardo na correção do problema brasileiro significa que será necessário um ano a mais para começar a reduzir a diferença dos concorrentes mundiais;
  7. A abertura do mercado brasileiro à concorrência internacional vai encontrar o setor produtivo na “idade da pedra tecnológica” e se não for devidamente calibrada vai ter efeito contrário e destruir o pouco que resta da indústria nacional;
  8. A manutenção do “status quo” também vai destruir o pouco que resta da indústria nacional cuja participação na economia brasileira já atingiu os níveis mais baixos da história recente do País;

“Se ficar o bicho pega e se correr o bico come”. 

CONCLUSÃO FINAL: O Brasil é hoje um doente em UTI. Vai ter que receber doses fortes de medicamentos violentos e passar por estágios evolutivos antes de poder voltar a competir na sua plenitude. Um erro nessa recuperação pode matar o paciente. É claro que o empresariado brasileiro vai colocar a culpa nos estúpidos e absurdos sistemas tributário e trabalhista brasileiros, mas a verdade é que eles se perpetuam ou porque o empresariado desconhece completamente a força que tem, principalmente junto aos governos estaduais que são a fonte maior do problema tributário, ou porque isso é a grande desculpa que os faz dormir tranquilos e justificar a necessidade da manutenção do mercado cativo.

1Luiz Depine de Castro – Engenheiro Químico (IME), Mestre em Engenharia Química – COPPE (UFRJ), Doutor em Ciência dos Materiais – Universidade de Bath (Inglaterra), Ex-presidente da Associação Brasileira de Carbono (2007 – 2017), Coronel Reformado do Exército, Consultor Tecnológico.

 

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