Flávio Faveco Corrêa

Marajás e Carteis

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Enquanto sigo confinado para não virar finado, vejo que nem o coronavírus foi capaz de afetar os altos salários dos marajás e o cartel dos bancos.

Enquanto o desemprego aumenta assustadoramente na atividade privada, e o governo tem que se virar mais do que bolacha em boca de velho para minorar os efeitos da recessão, liberando no atacado e no varejo os necessários auxílios emergenciais para trabalhadores de todas as categorias e tentando salvar as empresas, especialmente as pequenas e médias, que são as que mais absorvem mão de obra, os marajás continuam nadando de braçada e o povo se afoga. Tentativas de reduzir salários desta casta, exceto daqueles que atuam em áreas essenciais como saúde e segurança, é claro, não progridem. Nem mesmo com manifestações favoráveis de Rodrigo Maia, que, apesar de ter tido pouco mais de 74 mil votos, posa como primeiro ministro do parlamentarismo branco que vivenciamos.  Tiririca, o sexto mais votado, teve 453.855. O projeto do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) que previa redução escalonada de até 50% para os que ganham mais de 10.000, foi esquecido. Até a sugestão do próprio Rodrigo Maia, de que os Três Poderes avaliassem a redução de até 20% dos salários dos seus servidores, “como um gesto simbólico para mostrar que estão unidos no combate à pandemia”, não prosperou. Não ficou claro se os próprios deputados e os dignitários dos demais poderes estariam incluídos… Acho que não. Valeria apenas para os barnabés. Afinal, segundo eles, há que se proteger o nosso Congresso, o segundo mais caro do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, cujo PIB é “ligeiramente” maior do que o nosso: só 10 vezes.

Vale sempre recordar que cada um dos 513 deputados e 81 senadores custa mais de 7 milhões de reais por ano, segundo dados da União Interparlamentar. Um deputado ganha R$ 33.763,00 de salário, tem uma cota para o exercício da atividade parlamentar (imaginem só!) de R$ 45.615,53 e R$ 106.866,59 para a contratação de 25 secretários (com direito a rachadinha?), entre outros penduricalhos de arrepiar os cabelos, como auxílio moradia de R$ 4.353,00, mais seguro saúde “premium plus”, aposentadorias, etc. etc. Até barbeiro e manicure têm de graça. Uma verdadeira e profunda reforma política (ou uma nova Constituição, como propugna o jurista Modesto Carvalhosa) não seria a verdadeira prioridade número 1 do Brasil que desejamos para o futuro? Com nosso sistema de voto proporcional jamais teremos um Parlamento que realmente nos represente.

Quanto ao cartel dos bancos, a munição de boca é enorme. Onde estão os bilhões que o Banco Central lhes proporcionou, entre outras coisas, com a expressiva diminuição do empréstimo compulsório para aumentar sua liquidez e para que proporcionassem empréstimos mais rápidos, mais fáceis e mais baratos para quem precisa neste momento de crise? Esse dinheiro até hoje não chegou à ponta. Tente pedir um empréstimo que você vai sentir na própria carne com quantos paus se faz uma canoa. Um empresário amigo meu me disse que se ele tivesse todas as garantias que o banco exigia ele não precisaria do empréstimo. Burocracia infernal, procrastinação e juros altos são o que não falta. Ao invés de democratizar o crédito, o que as nossas aguerridas instituições financeiras fazem é entesourar a grana, venha ela de onde vier (das ricas tetas do governo, dos empresários e de nós, pobres mortais conhecidos como pessoas físicas). Certamente para recomprar ações na baixa e engordar ainda mais o seu lucro indecente. Meu saudoso amigo Joelmir Betting escreveu um best-seller tupiniquim (best-seller no Brasil é vender mais que míseros 5 mil exemplares): “Os Juros indecentes”. Hoje, apesar dos juros continuarem indecentes a despeito da taxa SELIC ser a mais baixa da nossa história, ele provavelmente mudaria o título de sua obra para “Os lucros indecentes”. O lucro líquido dos 4 maiores bancos brasileiros com ações na bolsa – Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander, cresceu 18% em 2019, somando pornográficos 81,5 bilhões, 22,5% sobre o valor do seu patrimônio enquanto o mais invejável banco de investimentos de Wall Street, o Goldman Sachs, está se esforçando para ganhar 9%. Este é o resultado do nosso cartelizado sistema financeiro imune à concorrência. Não existe país do mundo onde, nesse setor, a competição seja tão baixa. Aqui eles fazem o que querem, “duela a quem duela”, como diria Fernando Collor.

A coisa é tão surrealista que tem cartel reclamando do cartel. Segundo a Anfavea, as montadoras estão sendo asfixiadas pelos bancos.

E assim vamos nós, entre marajás, corporativismos e carteis, lutando para combater o coronavírus.

Não será fácil vencer tantos inimigos ao mesmo tempo.

 

Faveco Corrêa, jornalista e publicitário, é sócio da Brandmotion – faveco@brandmotion.com.br

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