Gabriel Garcia

Maradona, a mão de Deus e do Diabo

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Baixinho e explosivo, gorducho e veloz, arruaceiro e apaziguador, polêmico e humano. Diego Armando Maradona, o Don Diego, era a melhor definição de contradição no mundo do esporte. Apaixonado pelo futebol e pela Seleção da Argentina, ele balançava na linha tênue entre a “mão de Deus”, em uma carreira brilhante, e as drogas amassadas pelos pés do Diabo, que o desfiguravam completamente.

Maradona, que oscilava entre a defesa fervorosa das cores azul e branco da Argentina e a vergonha de ressacas, orgias e bebedeiras desenfreadas, bailava em campo, com dribles plásticos e gols fascinantes. Desenhou uma linda obra na história do futebol, em um período que havia amor à profissão – bem diferente da realidade atual, com jogadores focados apenas em pomposos holerites.

Sem dúvida, o mais humano dos deuses. No longínquo 1984, o astro pediu à Federação Internacional de Futebol (FIFA) e ao clube italiano Napoli, que carregara sozinho por duas temporadas contra um estrelado Milan, que organizasse uma partida beneficente. O astro queria arrecadar dinheiro para a cirurgia de um garoto pobre do bairro napolitano que não podia arcar com os custos da operação. Ao ver a solicitação recusada, Maradona organiza sozinho o amistoso em frente a sua casa. Era atrevido!

Nos gramados, exalava genialidade, o que contrasta com o futebol sem inspiração que vemos atualmente nos estádios e na televisão. Maradona parecia profetizar o que viríamos a defender no mundo contemporâneo: o gingado latino em campo, com dribles desconcertantes. O “pequeno” hermano sabia deixar zagueiros enormes sentados no chão. Nem imaginava que o futebol moderno agonizaria em burocracia. Perdem os torcedores, que ficam à espera do resgate da arte e do talento de gênios dentro das quatro linhas. E Maradona era ousado no gramado – e abusado fora dele.

Quem não se lembra do chamado “gol do século XX”? Era o auge da carreira do argentino, onde marcavam as características do craque, explosão, precisão e talento. Don Diego pegou a bola no campo de defesa e flutuou em uma corrida fascinante entre adversários antes de deixar no chão o lendário goleiro inglês Peter Leslie Shilton. Junto com a “mão de Deus”, o golaço levaria os argentinos a vencerem a Copa do Mundo de 1986.

Como definiu o jornal argentino El Clarín, Maradona é os dois espelhos da vida: “Aquele que nos dá prazer em olhar e o outro, que nos envergonha”. Ele abriu a caixa de supresa da vida de um ícone para os argentinos, desnudando a idiossincrasia dos seus pares. Ninguém pode negar, foi autêntico em suas contradições.

Tomo de empréstimo a declaração de Nelson Rodrigues para definir o espírito de vitória e determinação do uruguaio Obdulio Varela. Maradona, para mim, “não atava as chuteiras com cordões, mas com as veias”.

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