Maria José Rocha Lima

Luiz Gama: pioneiro da luta antirracista

acessibilidade:

A pandemia tem dessas coisas: uma comunicação, antes, mais rara, por conta das agendas estafantes, tem acontecido com mais frequência e qualidade. Assim, venho recebendo informações culturais e históricas preciosas do amigo Paulo Sena, consultor legislativo da Câmara dos Deputados. Ele, que é da família da historiadora Consuelo Pondé de Sena, um dos principais nomes da cultura baiana, é fiel à sua tradição familiar.   Sorte a minha de tê-lo como amigo, pois ele vem me oferecendo incríveis sugestões de leituras históricas e literárias, considerando que as sugestões da área de educação são de lei! Rs.

Desta vez, Paulo Sena sugeriu a leitura da publicação do Quatro  cinco um – MHz – a Revista dos Livros –, sobre Luiz Gama,   pioneiro dos direitos humanos e da luta antirracista. Na revista, a professora de literatura Lígia Fonseca Ferreira, organizadora da obra Lições de Resistência- artigos de Luiz Gama na imprensa do Rio de Janeiro e São Paulo, discorre sobre artigos inéditos de Luiz Gama (1864 a 1882), advogado autodidata que se libertou e  lutou em favor dos “irmãos de infortúnio”.

O advogado dos escravos vivia ameaçado e perseguido, mas conquistou importantes apoios de abolicionistas, jornalistas e da Maçonaria, de acordo com o professor Luiz Felipe Alencastro. A sua mãe, Luiza Mahin, participou da Revolta dos  Malês (1835), uma das mais importantes rebeliões ocorridas em Salvador.  Obrigada, Paulo Sena, pelas dicas culturais, e esta  me provocou reminiscências: quando deputada, apresentei projeto de resolução para homenagear Luiza Mahin, designando  a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa da Bahia com o nome dela, mas desconhecia esses ricos e dramáticos episódios da vida de Luiz Gama, seu filho. Vale a pena publicar a carta de Luiz Gama a Lúcio de Mendonça, a seguir:

‘São Paulo, 25 de julho de 1880.
Meu caro Lúcio,
Nasci na cidade de São Salvador, capital da província da Bahia, em um sobrado da Rua do Bângala, formando ângulo interno, na quebrada, lado direito de quem parte do adro da Palma, na Freguesia de Sant’Ana, a 21 de junho de 1830, pelas 7 horas da manhã, e fui batizado, 8 anos depois, na igreja matriz do Sacramento, da cidade de Itaparica. Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina, (Nagô de Nação) de nome Luíza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofrida e vingativa. Dava-se ao comércio – era quitandeira, muito laboriosa e mais uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos […]
Meu pai,  não ouso afirmar que fosse branco, porque tais afirmativas, neste país, constituem grave perigo perante a verdade, no que concerne à melindrosa presunção das cores humanas: era fidalgo e pertencia a uma das principais famílias da Bahia de origem portuguesa. Devo poupar à sua infeliz memória uma injúria dolorosa, e o faço ocultando o seu nome. Ele foi rico; e nesse tempo, muito extremoso para mim: criou-me em seus braços. Foi revolucionário em 1837. Era apaixonado pela diversão da pesca e da caça; muito apreciador de bons cavalos; jogava bem as armas, e muito melhor de baralho, amava as súcias e os divertimentos: esbanjou uma boa herança, obtida de uma tia em 1836; e reduzido à pobreza extrema, a 10 de novembro de 1840, em companhia de Luiz Cândido Quintela, seu amigo inseparável e hospedeiro, que vivia dos proventos de uma casa de tavolagem, na cidade da Bahia, estabelecida em um sobrado de quina, ao largo da praça, vendeu-me, como seu escravo, a bordo do patacho “Saraiva”

Maria José Rocha Lima é mestre e doutoranda em educação. Foi deputada de 1991 a 1999. É presidente da Casa  da Educação.

Reportar Erro