José Maria Couto Moreira

Lana caprina

acessibilidade:

Os senhores ministros do Supremo Tribunal Federal, a nossa Corte máxima, reunidos naquela ilha da fantasia chamada Brasília, muito embora seu imortal fundador quisera lhe infundir uma áurea de agilidade febril em consonância com seu governo, de ímpeto desenvolvimentista, tem, ultimamente, ocupado manchetes de toda a mídia com decisões tardias, extemporâneas ou mesmo injustas (justiça vagarosa é a própria injustiça).

Pois em sessão recente, o chefe daquela torre de marfim colocou em mesa – o que gerou debates aprofundados, até exaltados – a questão de se saber a quem caberia o direito de, encerrada a instrução, se manifestar antes ou após o outro, agora em razões finais. Uma ala entendia que era o autor, ou o acusador (pelo delator), e outro grupo o réu, ou o acusado (também delatado). Depois de terçarem armas em plenário (intimamente o juiz tem razões que não expõe), naquela olímpica assembleia prevaleceu o entendimento de que deve o acusado ser o último a expender suas teses e demonstrações favoráveis à parte que representa. É importante ressaltar que o epicentro da controvérsia são os casos julgados decorrentes da operação lava jato, onde muitas cabeças de notáveis rolaram no calabouço da história, todos eles detentores de amizades (muito antigas) com os membros daquela organização judiciária maior.

Ora, leitores, convenhamos, há processos amontoados no STF que acumulam anos de hospedagem nas suas prateleiras, cada um aguardando a palavra final e decisiva sobre um mitigado direito à aposentadoria, à uma ínfima pensão, a uma indenização, a um direito já impostergável proclamado por um brasileiro octogenário !

Então, em face do inafastável princípio da efetividade judicial, um compromisso do Estado para com a sociedade, que relevância teria a questão ruidosamente discutida naquele sodalício ? Que fato novo seria alvo de comentários ? Que inconformidade a esta altura se poderia observar, que discordância poderia o delatado discrepar em suas razões ? Que seria mais este memorial senão um peso a mais nos já volumosos autos ? O juiz, que presidiu o feito, estaria menos atento ao curso do feito e à apreciação das provas ? Essa discussão é, também, um menoscabo ao magistrado, um sopro em sua consciência que não percebeu o que mostra o arrazoado, um amontoado de palavras a exibir que o que está no mundo não se encontra naqueles autos (autêntica capitis diminutio).

E, ainda assim, não se poderia conceder o prazo a um e a seguir a outro, definido um dia para entrega dos autos e de seus respectivos memoriais ?

Este episódio é mais uma teatralização caprichosa de lana caprina, em cuja peça os feiticeiros da verdade não atinaram que a cascata de nulidades e salvações de última hora para patrícios pouco recomendados e já enjaulados.

José Maria Couto Moreira é advogado.

Reportar Erro