Nelson Valente

Jânio renunciou há 57 anos e a corrupção continua

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Ninguém na história deste País arrebatou multidões tão apaixonadas, mão levantadas em aplausos e tão plenas de esperanças quanto ele. Tudo era ao vivo. Suas maneiras de convencimento eram devastadoras. O comício era o grande cenário; ele, o próprio espetáculo. Ele foi o nosso primeiro e grande comunicador político a utilizar técnicas não convencionais. Carregava nos tons da voz, que levantava no exato instante os temas da paixão. Despertava o ódio, açulava a revolta, levando multidões ao delírio. Em seguida, suavemente dizia o que todos queriam ouvir: a mensagem salvadora. A multidão, aquele mar agitado, parava para escutá-lo, subjugada. Assim era Jânio da Silva Quadros.

O funcionalismo público foi o alvo privilegiado da ação moralizadora. Entre as principais medidas diretamente inspiradas pelo presidente destacam-se as que maior impacto causaram na opinião pública (intensos noticiários na imprensa) e nos debates parlamentares: a instituição do horário corrido para o funcionário federal, o controle do “ponto”, enriquecimento ilícito de funcionários e o corte de 30% nas despesas com pessoal.

Outras medidas altamente criticadas referem-se à redução de vencimentos ou de “mordomia” para funcionários em missão no exterior. Tais medidas, em nível da Presidência, revelavam a continuidade da ética e  moralismo do governador paulista que marcara sua eficiente administração pelo controle da “moralidade pública”: visitas “incertas” a órgãos de atendimento público, fiscalização do uso de carros oficiais nos fins de semana, acompanhamento das provas dos concursos para simples escriturário, etc.

A justificativa apresentada pelo Presidente Jânio Quadros sobre a sua renúncia à Presidência da República, tem uma característica interessantíssima: a de colecionar renúncias como chantagem.

Em 1960, em entrevista exclusiva, após o episódio da renúncia, quando era candidato a candidato à Presidência da República, pela UDN, Jânio disse: – “Quando renunciei, tinha o firme propósito de voltar à vida privada, isto é, à advocacia, ao magistério e à família” (renunciou por duas vezes em 1960).

Jânio Quadros nunca perdeu a chance de amaldiçoar os partidos políticos e o Congresso, e de tanto fazê-lo, acreditava piamente no que dizia. Jânio sempre demonstrou desprezo pelos partidos e pelo Poder Legislativo. Ao longo de sua carreira trocou de legenda sucessivamente. Renunciando a todos e no mesmo estilo de carta que imprimiu sua marca pessoal.

O desprezo de Jânio Quadros pelo Congresso — “um clube de ociosos” — era tão grande que che­gou a indagar a seu perplexo Chanceler – Afonso Arinos: “Ministro, V. Exa. pegaria em armas para defender este Congresso que aí está?”

A partir da sua posse como presidente da República, em 31 de janeiro de 1961. No mesmo dia em que assumiu o cargo, Jânio proferiu, à noite, no programa de rádio Hora do Brasil, um violento discurso contra o Governo Juscelino. No ato da posse. JK reagiu ameaçando esbofetear Jânio. Com isso, a bomba de Jânio não explodiu durante a posse, mas à noite, em discurso pelo programa radiofônico A Voz do Brasil, com JK já fora do País. O déficit orçamentário na posse de JK era de 29 bilhões de cruzeiros; na transmissão do cargo havia subido para 193 bilhões de cruzeiros (965 milhões de dólares). Além de apresentar a “terrível situação financeira do país”, criticou a “crise moral, administrativa e político-social” reinante, bem como ressaltou a necessidade de se multiplicarem “órgãos da mecânica democrática, fazendo que surjam, ao lado dos tradicionais, outros, mais próximos das massas”.

Jânio Quadros, levou adiante duras investigações de corrupção no Congresso Nacional. Os parlamentares, que apareciam em quase todos os processos de desvios de verba, principalmente no que se refere à polêmica máfia das construtoras durante as obras de criação de Brasília, foram desmoralizados publicamente, o Legislativo entrou em crise.

A reação dos parlamentares oposicionistas, muitos dos quais estavam politicamente vinculados às realizações da última administração, foi imediata.

O fato de o Legislativo não ter sido consultado irritou a muitos congressistas, já que, segundo estes, seria possível ao governo averiguar quaisquer irregularidades por meio de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). Além disso, a presença de militares nas chefias das sindicâncias – gerou maiores tensões.

Os relatórios finais, divulgados pela imprensa, chegaram a envolver o nome do vice-presidente (notoriamente comprometido com a política trabalhista e previdenciária dos governos anteriores), o que provocou uma virtual ruptura entre Goulart e o presidente Jânio Quadros.

JÂNIO QUADROS: – “Houve ainda um erro maior, tão sério e tão grave que me levou a considerar a hipótese de não tomar posse. O povo elegera como vice-presidente o Sr. João Goulart, com quem eu não tinha relações de nenhuma espécie. Lá estava eu representando uma corrente política e o vice-presidente da República representando outra que acabava de ser batida fragorosamente nos comícios da Praça Pública. Minha política econômica necessariamente me alijaria boa parte da popularidade. Era uma política de sacrifícios. A 204 caiu como um gravame nos ombros do povo, mas ou eu a adotava ou íamos para a insolvência. O processo inflacionário infrene era o preço que pagávamos por Brasília, preço que ainda estamos pagando”.

A figura de Jango é cristalizada em apenas dois dias – o primeiro é o dia 31 de março, data do golpe. O segundo, 1º de abril, a fuga. Lembra-se dele de duas maneiras: ou de maneira positiva, o líder reformista, a vítima. Ou então de maneira negativa, fugiu, não resistiu, permitiu a vitória do golpe. Mas sempre nesses dois dias. Está ali. Sempre nos extremos.

E Jânio segue em seus ataques: – “Em novembro último, não dispúnhamos de 47 milhões e 700 mil dólares para cobrir os ajustes com o Fundo Monetário Internacional. Faltaram, igualmente, recursos para quitar duas obrigações doEximbank (…) Tomou-se apenas a providência de descarregar as faturas vencidas sobre a administração que ora se instala. Devo pagar, entre 1961 e 1965, 1 bilhão, 853 milhões e 650 mil dólares de prestações, o 95 que significa, fazendo a conversão do dólar à taxa do câmbio livre, na base de 200 cruzeiros o dólar, 370 bilhões e 730 milhões de cruzeiros”. O pior é que esses números não eram fabricados.

Assim é que a varredura da corrupção passa a significar a instrução de dezenas de inquéritos admi­nistrativos (em grande maioria presididos por oficiais militares). Assim ocorreu com as sindicâncias da COFAP (Comissão Federal de Abastecimento e Preços), no Instituto Brasileiro do Café, no IBGE, na SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito), no Conselho Nacional de Pesquisas, na SPVEA (Superintendência pela Valorização da Amazônia), Rede Ferroviária Federal, na Cia. Siderúrgica Nacional, na Cia. Vale do Rio Doce, no Departamento Nacional de Obras contra as Secas, Petrobrás, entre outros. Os diversos Institutos da Previdência Social foram os mais atingidos.

No Governo de Juscelino Kubitscheck (1956-1961), os escândalos ocorreram em função da construção de Brasília, a nova Capital Federal. As rendas fáceis dos empresários, cresceram porque as obras de Brasília eram dispensadas de licitações. Deixa também um rastreamento dos resultados das Comissões de Sindicância instauradas pelo governo Jânio Quadros — as recomendações, e as últimas pistas de cada relatório. Ainda aguardam que, um dia, os pesquisadores vão atrás.

Além da CPI e das Comissões de Sindicância do governo Jânio Quadros, a construção de Brasília também foi investigada por um ou vários Inquéritos Policiais Militares (IPM) do governo militar, a partir de 1964.

JÂNIO QUADROS: “Resolvi reestabelecer relações diplomáticas com a Rússia. Há dois anos havia estado com Khruschev em Moscou e notara o maior interesse da parte dele num intercâmbio legítimo. A troca de representações diplomáticas só poderia engrandecer às duas nações. A Rússia já estava a caminho de se tornar uma superpotência. O Brasil se afirmaria internacionalmente como nação soberana que mantém interesses com as nações que julga de relações repercutiu pessimamente e foi objeto de explorações sem tamanho. Irritei os moageiros poderosos em geral, irritei o mundo do petróleo e do óleo combustível…”

Na virada da década de 1950 para a década de 1960, a URSS estava expandindo suas exportações de petróleo para os países capitalistas. Um documento datado de 9 de junho de 1960 evidencia a preocupação da CIA com a atividade soviética na América Latina.

Moscou “aparentemente está usando o petróleo como um meio para explorar o sentimento nacionalista contra os investimentos dos EUA na indústria petrolífera da América Latina e para romper os padrões de mercado das companhias estadunidenses na área”

O serviço de inteligência dos EUA destaca que, em 1961, “uma grande delegação” de negócios do Brasil, incluindo membros da Petrobras, foi a Moscou para ver se era possível adquirir equipamento soviético especializado. Depois, quatro técnicos soviéticos visitaram São Paulo para aconselhar uma empresa privada a extrair xisto. Assim, o Kremlin poderia fornecer ao Brasil qualquer tipo de equipamento para a indústria de óleo de xisto encontrado no Ocidente e outros exclusivamente soviéticos.

A União Soviética também era o único país que desenvolvia uma indústria de gás de xisto.

Jânio Quadros assumira o mandato em janeiro de 1961 e renunciara apenas sete meses depois, denunciando inclusive a participação estrangeira em conspirações contra ele [forças terríveis].

A preocupação da concorrência com a URSS ainda é mais acentuada, no mesmo relatório, afirmando-se que o governo do então presidente João Goulart tem dado continuidade à política “de desenvolver relações próximas com o bloco sino-soviético” do governo anterior de Jânio Quadros, a quem o agente se referiu como tendo desempenhado “atividades anti-EUA”.

Jânio Quadros tinha a obsessão da renúncia. Oscar Pedroso Horta traiu Jânio Quadros, quando não rasgou ou pelo menos não retardou a entrega do documento da renúncia. Horta deveria ouvir os ministros, os Governadores amigos e os líderes da campanha janista.

Que “razões próprias” deve ter tido o ministro da Justiça, Pedroso Horta para o açodamento da entrega do documento da renúncia? A bagagem de Jânio Quadros já estava pronta desde a véspera da renúncia, antes de saber da denúncia de Carlos Lacerda. Jânio Quadros, ao participar dos festejos do 25 de agosto, Dia do Soldado, em Brasília, estava com uma fisionomia alegre, na manhã do dia da renúncia. Este depoimento é concludente, quando confessa Jânio Quadros ao seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, que Jânio Quadros esteve diante de um Congresso que não atendia, que não obedecia. Horta tentou várias vezes uma aproximação entre o Presidente indócil e o indócil Congresso Nacional. Afinal de contas, Jânio quando Governador “renunciou” pelos mesmos motivos. A renúncia de Jânio Quadros foi uma espécie de chantagem com o Congresso, com os militares e com as forças políticas com quem ele estava em choque.

Jânio Quadros (1953) elegendo-se prefeito da Capital Paulista e, no cargo, há um momento em que ameaça renunciar. Quando Governador de São Paulo (1955), contrariado com as críticas e com a oposição que vinha sofrendo na Assembleia Legislativa, no cúmulo de sua irritação, chamou o seu secretário particular, Afrânio de Oliveira, e lhe entregou uma mensagem para ser divulgada à noite, pelos jornais, noticiando sua renúncia. De posse da mensagem, Afrânio de Oliveira reteve-a em seu poder, não dando ciência a ninguém. No dia seguinte, estranhando a falta de repercussão da notícia, indaga o Governador do seu Auxiliar onde se encontrava a mensagem:- “Comigo, no bolso.”- “Rasgue-a”? disse Jânio. Estava superada a crise da “renúncia”.

Para não desmerecer sua biografia, recheada de renúncias, também desta vez Jânio abandonou a Prefeitura dez dias antes de completar o mandato, viajando para Londres. E os últimos dias de governo foram administrados por seu Secretário de Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo (ex-governador do Estado de São Paulo).

Um dos auxiliares do mordomo de Jânio Quadros – João Hermínio da Silva, que o acompanhava desde os tempos de governador de São Paulo, o senhor José Dutra Ferreira, em Brasília , ouviu  anúncio que Jânio Quadros fez à sua mãe, no palácio da Alvorada, em plena mesa de almoço, que iria renunciar à presidência da República, em 10 de agosto de 1961.

Naquela sexta-feira, 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros foi acordado, como todos os dias, às 5h45, pelo seu mordomo, João Hermínio da Silva, que o acompanhava desde os tempos de governador de São Paulo.

Ele lhe entregou um exemplar do Correio Braziliense, e o presidente leu alguma coisa que o irritou. Amassou o jornal com raiva, atirando-o violentamente na cesta de papéis. Enquanto se barbeava, pediu quase aos gritos que telefonasse para o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, e para o Chefe da Casa Civil Francisco de Paula Quintanilha Ribeiro.

Jânio falou bravo com Horta, reclamando que não haviam tomado a menor providência. Depois falou com Quintanilha, também em tom áspero.

Ao desligar o telefone, ordenou ao mordomo que mandasse encostar o carro urgentemente.

Deixou o Palácio da Alvorada apressadamente e foi para o Palácio do Planalto, aonde chegou, como de costume, às 6h30, a bordo de um Chevrolet sedan, sérieTwo-Ten, preto, ano 1957, automóvel que era utilizado por sua determinação no dia a dia desde que havia assumido o governo, dispensado a luxuosa limusine Cadillac Fleetwood 1958, adquirida na gestão do seu antecessor, Juscelino Kubistchek.

Após despachar rapidamente com o Chefe da Casa Militar, o general de brigada Pedro Geraldo de Almeida, conversou mais uma vez por telefone com Quintanilha Ribeiro.

O principal compromisso do presidente naquela manhã era a comemoração do Dia do Soldado, que seria realizado na Esplanada dos Ministérios, junto à sede do Ministério da Guerra. Jânio chegou ao local por volta das 8h em uma limusine Cadillac 1959, não menos luxuosa, pertencente ao Ministério das Relações Exteriores, mas comumente utilizada pela presidência da República em solenidades oficiais.

Ao descer do veículo foi recebido com honras militares pelo titular ministro da Guerra, marechal Odylio Denys, acompanhado pelos ministros da Marinha, almirante Silvio Heck, e da Aeronáutica, brigadeiro Gabriel Grün Moss. Passou em revista as tropas do Batalhão da Guarda Presidencial que estavam perfiladas, depois condecorou com a Ordem do Mérito Militar as bandeiras de vários regimentos de Infantaria e de Cavalaria do Exército brasileiro, e assistiu à solenidade de entrega de medalhas a diversas autoridades civis e militares, entre elas o seu chefe da Casa Civil, Quintanilha Ribeiro, o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, o arcebispo de Brasília, dom José Newton, e o prefeito de Brasília, deputado Paulo de Tarso Santos.

Depois do desfile do contingente militar e sobrevoo de aeronaves da Força Aérea Brasileira, encerrando o evento, o presidente, sorrindo, entrou no veículo oficial e retornou ao Palácio do Planalto.

A renúncia de Jânio Quadros foi premeditada, ligando um fato a outro, as circunstâncias permitem acreditar que tinha o objetivo de controlar todo o governo e livrar-se de Carlos Lacerda , da influência do Congresso e da CIA.

A revista “Mundo Ilustrado” em seu número de 12 de agosto, treze dias antes da renúncia, publicava a reportagem: “Renúncia, arma secreta de Jânio”.

Uma onda de descontentamento varreu o país e Jânio Quadros começou a descarregar sua fúria sobre o ministro da Fazenda, Clemente Mariani que, como sabemos, tinha relações de parentesco com o jornalista e dono de jornal Carlos Lacerda. Aliás, era o próprio genro do ministro, o jovem Sérgio Lacerda que estava dirigindo a Tribuna de Imprensa e lhe regulava o tom dos ataques. Essa mudança na direção do jornal se deu porque Carlos Lacerda, eleito governador no novo Estado da Guanabara, teve de se afastar do cargo. Começava-se a formar a teia na qual Jânio ia se embaraçando, cada vez mais.

Em 19 de agosto, condecorou Ernesto Che Guevara, então ministro da Economia de cuba, com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, provocando protestos dos militares e da UDN.

A CIA (Central Intelligence Agency) e de seu Presidente norte-americano John Kennedy, estavam interessados que o “regime” de Jânio Quadros tivesse êxito no Brasil. A proposta pelo embaixador americano era o de fechar o Congresso Nacional, porque havia um perigo de uma ditadura comunista no Brasil.

A reunião de Punta del Este foi proposta por ele como o segundo dos dez pontos contidos no discurso que em 13 de março, pronunciou diante de todos os Embaixadores latino-americanos em Washington, exceto os de Cuba e da República Dominicana (relações diplomáticas rompidas), e no qual, após dizer que os povos deste Continente devem “proceder com ousadia, consoante o conceito majestoso da Operação Pan-americana”, lançou a nova cruzada a que denominou “Aliança para o Progresso”. São os seguintes, em resumo, os dez pontos mencionados por Kennedy:

·       1° elaboração de um Plano de Dez Anos, para cuja realização os Estados Unidos estarão prontos a prover recursos de alcance e magnitude comparáveis aos que destinaram à reconstrução das economias da Europa Ocidental (Plano Marshall);

·       2° convocação de uma reunião de nível ministerial do Conselho Interamericano e Social, no qual se iniciaria a elaboração desse grande plano, que constituirá a base da Aliança para o Progresso;

·       3° emprego de 500 milhões de dólares previstos na Ata de Bogotá;

·       4° apoio à integração econômica latino-americana;

·       5° colaboração do exame sério e minucioso dos problemas relacionados com o comércio exterior de produtos primários; petróleo e seus derivados;

·       6° aceleração imediata do programa de emergência intitulado Alimentos para a Paz;

·       7° formulação de planos para o estabelecimento de laboratórios regionais na América Latina destinados à pesquisa em medicina, agricultura, física, astronomia;

·       8° aceleração dos programas de preparação pessoal especializado para dirigir as economias ora em desenvolvimento da América Latina;

·       9° reiteração do compromisso dos EEUU de defenderem qualquer nação americana cuja independência esteja ameaçada e apoio à proposta chilena de procederem os latino-americanos a uma “sensata limitação de armamentos”.

·       10º Kennedy a acenou com outro, que não escreveu: sua presença na reunião que convocara. Seria a prova provada de sua sinceridade de propósitos, uma homenagem à América Latina.

Essa oportunidade já está perdida. Kennedy não irá a Punta del Este. É claro que as justificativas existem: a crise de Berlim, a possível ida de Fidel Castro; o fato do Congresso americano estar votando a lei de ajuda ao exterior e sua presença é indispensável etc.

Não faz chantagem quem diz aos Estados Unidos: “ajudem-nos ou não poderemos resistir ao comunismo”. Pode parecer frase de chantagista, mas trata-se do desesperado apelo de um aliado, que é o que a América Latina nunca deixou de ser em relação aos Estados Unidos.

JÂNIO QUADROS: – Ele ficou embaraçado de tal maneira que ao invés de apanhar a porta da rua entrou no banheiro, Kennedy Ficou amolado de tal maneira – sobretudo depois do desastre – que mandou Adlai Stevenson para cá, só para acertar a vinda de outro embaixador, era Stevenson um americano de outra estirpe, mas Cabot Lodge, não”.

No Rio de Janeiro e em São Paulo a repercussão foi forte com as massas nas ruas, bandeiras cubanas e retratos de Che Guevara. O escândalo estourou como na Argentina, e Arturo Frondizi, uma semana depois abandonou o governo sob as ameaças da direita.

JÂNIO QUADROS: -“Guevara acabara de desligar-se praticamente expulso da Conferência de Punta del Este. Fez um discurso terrível avisando as várias delegações latino-americanas e retirou-se. De volta para Cuba passou por Brasília. Desejo que registrem bem que Guevara era Ministro da Economia de Cuba com poderes excepcionais. Depois de Fidel era a grande figura da revolução. O que ligasse em Cuba estava ligado e o que desligasse estava desligado porque Fidel lhe dava absoluta autonomia”.

Era um Superministro?

JÂNIO QUADROS: – “Coincidentemente. Dom Mazzei, Núncio Apostólica havia me procurado para observar que vários padres espanhóis estavam ameaçados de fuzilamento em Cuba. Isso é público e notório e consta na imprensa. Esses sacerdotes haviam se envolvido em questões políticas contra o governo cubano, tinham sido julgados sumariamente e condenados ao fuzilamento Dom Mazzela me pediu para interceder. Bem. conversando com Guevara de me mostrou a disposição de importar caminhões e bens de consumo duráveis do Brasa além de abrir outras perspectivas para o nosso comércio exterior. Obviamente lhe perguntei como pagariam. Açúcar nós tínhamos, tabaco também. “É fácil. Presidente abrimos créditos na Tchecoslováquia, na Hungria, na Roménia, na Polónia e na própria Rússia. Vossa Excelência então importa o que desejar desses países. Nós nos encarregamos da triangulação.” Quando mencionei o pedido dos padres ele disse: “Bem. um pedido de Vossa Excelência é uma ordem para Fidel. Vão ser soltos, mas expulsos incontinenti. Que vão fazer política de Franco lá na Espanha, em Cuba não”. Eu lhe dei a única condecoração que um Presidente da República dá a Ministros de Estado estrangeiros: o Cruzeiro do Sul. Que por sinal já foi dado até pela revolução a dirigentes comunistas, creio que da Romênia. Pouca gente sabe disso.

Os padres foram soltos?

JÂNIO QUADROS:  – “Foram todos soltos e deportados. Concedi o Cruzeiro do Sul a Guevara e não me arrependo de forma alguma, o faria mil vezes se necessário. Era do interesse do meu país e cabia a mim, somente a mim. julgar o interesse do meu país. Para efeitos futuros a responsabilidade seria minha, eu a estava aceitando publicamente, e a ninguém mais caberia esse julgamento (pausa). Aí aparece a história da ditadura que eu desejava implantar, (acende um cigarro) Sempre acreditei em governos representativos da vontade popular mas que fossem fortes”.

O senhor acredita na autoridade?

JÂNIO QUADROS:  – “Ninguém nunca atribuiu a mim, diretamente, qualquer veleidade ditatorial. O sr. Carlos Lacerda fez acusações de madrugada, na calada da noite, enquanto eu dormia tranquilamente no Palácio”.

O senhor não ouviu o pronunciamento de Carlos Lacerda?

JÂNIO QUADROS: – “Eu o li no dia seguinte nos jornais de Brasília. Tratava-se de uma vasta conspiração que me passara inteiramente ignorada. O Congresso transformou-se em Comissão Geral de Inquérito, figura inexistente no Direito Constitucional, (exalta-se) Mesmo de madrugada essa Comissão já intimou o primeiro de meus ministros, e o intima para o dia seguinte e o intima sem o questionário a que devia responder, como a lei determinava. Ministro nenhum poderia ser questionado a não ser para responder um questionário previamente estabelecido”.

JÂNIO QUADROS: – “Certa vez o Carlos apareceu no Palácio do Alvorada para conversar comigo. Era urgentíssimo, mandei até um avião buscá-lo. Pedira audiência à Eloá, minha esposa. Era urgentíssimo, sentou-se à minha frente e não disse nada. Mas nada mesmo. Tinha apenas o problema financeiro do filho, ao que respondi: “Mas você vem conversar comigo? Clemente Mariani, o Ministro da Fazenda, não é sogro do seu filho?” – Diz, Jânio.

Arturo Frondizi recebeu tamanha quantidade de ataques que antes de completar sete meses, foi também derrubado. Já, Kennedy, a quem coube o papel equívoco de invasor armado e reabilitador diplomático, foi assassinado dois anos depois, numa confabulação obscura onde as relações com Cuba foram fator de sua transcendência.

Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor.

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