Tiago de Vasconcelos

Impeachment não é realidade. Ainda.

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Desde o pedido de demissão ao vivo do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que simultaneamente pediu o chapéu e chutou a barraca do governo Jair Bolsonaro, a crise tem dominado a pauta política entre analistas, especialistas e palpiteiros em geral. E a montanha de notícias acerca das denúncias tem nas entrelinhas um denominador comum, um fantasma, o tão temido “impeachment”.

Especulado no noticiário e nas redes sociais desde antes do início oficial da gestão Bolsonaro, o impedimento do presidente tem sido recorrente, sempre assombrando denúncias – seja as verbas de campanha, bots no Whatsapp, rachadinha no gabinete do filho, perfis fakes, AI-5, assassinato de Marielle, golpe militar e mais recentemente interferência na Polícia Federal.

Ainda na quinta-feira (14), comentaristas da Globonews debatiam as possibilidades de impeachment. A conversa girava em torno de imagens do encontro entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia… Já se foi o tempo onde um encontro entre chefes de dois poderes em tempos de crise poderia significar notícia positiva.

As acusações do ex-ministro produziram reações diversas. Assim como as provas e depoimentos. Juristas experientes têm tido reações contraditórias; tudo depende da tese apoiada e nenhum resultado pode ser previsto com segurança. O inquérito é recente, está na fase inicial. A investigação ainda está ouvindo testemunhas, coletando e analisando provas e pedidos de interessados, como o Ministério Público Federal. O desfecho desse processo no Supremo está distante. Um eventual processo político na Câmara, ainda mais.

O caso mais recente, da suposta “organização criminosa” que financia e propaga ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal nas redes sociais, está ainda mais distante; na fase de investigação. Haverá até de superar contestações até de sua validade constitucional antes de de um resultado prático, como exposto no meu artigo da semana passada (STF investigador, pode?)

Então o que alimenta a recorrência do impeachment nos grandes e pequenos veículos de comunicação? A ferramenta Google Trends, indicador do interesse acerca de um tema que mede a “temperatura” de um termo nas buscas na internet, mostra que a importância de “impeachment” para o brasileiro anda baixa.

‘Impeachment’ não interessa

O Google Trends funciona assim: o horário (dia ou semana) quando há o maior número de buscas sobre um assunto ganha nota máxima; 100. O momento quando o termo é menos pesquisado ganha nota zero e todos os outros se encaixam no meio.

Por exemplo, nos últimos 12 meses, o termo “impeachment” atingiu nota 100 na semana de 24 de abril, dia em que Sergio Moro pediu demissão. Mas entre 7 e 14 de maio, o pico é dia 12, quando o vídeo da última reunião ministerial de Moro virou alvo de notícias, após ser exibido no STF. De lá para cá, o interesse caiu rapidamente.

O maior interesse por 'Impeachment' entre 16 de abril e 15 de maio é 12 de maio, dia do vídeo da reunião ministerial. Foto: Diário do Poder

O maior interesse por ‘Impeachment’ entre 16 de abril e 15 de maio é 12 de maio, dia do vídeo da reunião ministerial. Foto: Diário do Poder

Interesse por 'Impeachment' nos últimos 12 meses; pico é a semana da demissão de Moro. Foto: Diário do Poder

Interesse por ‘Impeachment’ nos últimos 12 meses; pico é a semana da demissão de Moro. Foto: Diário do Poder

Já com base no resultado dos últimos 5 anos, o Google Trends mostra o relativo desinteresse pelo assunto. O “100” desde 2014 é a semana de 17 de abril de 2016, quando a Câmara dos Deputados aprovou o pedido de impeachment da petista Dilma Rousseff. O segundo pico dos últimos 5 anos, que chegou a apenas 33, foi a semana de 12 de maio de 2016, quando Dilma foi afastada do cargo para enfrentar o julgamento e Michel Temer assumiu no seu lugar. A demissão de Sergio Moro em abril de 2020 atingiu 5 nessa mesma escala.

Impeachment nos últimos 5 anos: pico é a semana quando a Câmara aprova o pedido de Dilma. Foto: Diário do Poder

Na série histórica, desde 2004, todos os grandes picos continuam em torno de Dilma. Em comparação, o pico de interesse sobre impeachment na era Bolsonaro – a demissão de Moro – é equivalente ao interesse pelo tema no mês de outubro de 2014, quando Dilma foi reeleita para o segundo mandato, como mostra a imagem acima. Apesar disso, o tema persiste.

Impeachment desde 2004, picos da série histórica são todos de Dilma. Foto: Diário do Poder

Impeachment desde 2004, picos da série histórica são todos de Dilma. Foto: Diário do Poder

Não é impossível

No livro “Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America”, de 2007, o professor Aníbal Pérez-Liñán explica que “impeachments são prováveis quando a mídia sistematicamente investiga e expõe escândalos políticos e quando o presidente fracassa em manter controle rígido do Congresso, seja porque o partido majoritário é muito pequeno, seja porque [o Legislativo] está sob controle de uma facção adversária”. Entre outros, o livro cita o caso de Fernando Collor, nos anos 1990, mas a mesma lógica pode ser aplicada a Dilma, 20 anos depois.

No caso de Bolsonaro, no momento, a imprensa brasileira tem sido implacável nas investigações e denúncias, mas o Legislativo não está nas mãos da oposição e o governo conseguiu negociar alguma tranquilidade após fechar com o “centrão” da Câmara dos Deputados, que controla cerca de 350 dos 513 votos. Mesmo que nada muito rígido.

“Ao mesmo tempo, a habilidade de uma legislatura de remover o presidente do cargo depende no grau de mobilização popular contra o governo. Quando uma larga coalizão social toma as ruas exigindo a renúncia, a queda da administração está no horizonte”, ressalta o professor. No caso de Bolsonaro – e nos tempos bizarros de pandemia – mobilizações de rua têm sido favoráveis ao governo e ao presidente.

Entretanto é inegável que o impacto do coronavírus, impossível de mensurar neste momento, terá peso na política e nas eleições nos próximos anos. Por isso o quadro, infelizmente, é de incerteza. E isso não é uma boa notícia para o presidente da República.

Se o interesse por impeachment seguir a mesma progressão que no caso de Dilma, por mais improvável que pareça em maio de 2020, é possível o cenário político degringolar de forma irreversível. Do momento de sua reeleição até perder o cargo com a decisão da Câmara, Dilma levou 18 meses. Até ser cassada oficialmente, 22 meses. Bolsonaro ainda tem mais de 31 meses no cargo.

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