Francisco Maia

Ilusão da lagarta

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As chuvas começam a refrescar o verde, mas nossa memória fica atenta ao grande mal que os homens já fizeram à natureza. Desmatamentos, queimadas, a ganância do garimpo rasgando a terra, são trágicas lembranças que não podemos esquecer.

A presença do demônio em chamas é muito perigosa quando se pensa em dizer que não existe. A sabedoria exorcista já nos adverte que o maior trunfo do diabo é fazer com que as pessoas não acreditem nele.

Aqueles que não revisitam a dádiva de um dia terem posto os pés no Pantanal, Amazônia e Cerrado, não merecem tê-los conhecido.

O Pantanal, uma das maiores planícies inundadas do planeta, não é apenas um, mas onze pantanais. Cada um carrega identidades próprias de terra, árvores e clima. Desde a aridez do planalto central aos campos úmidos, a região faz brotar diversas bacias de grandes rios. Sob tudo isso, dorme silencioso o maior reservatório de água doce do mundo. Tudo ali nos surpreende. Aguapé boiando junto com erva-de-santa-luzia e outros capins, muitos deles bons remédios; e imensas árvores amazônicas sendo vizinhas de outras tortas, tortuosas, sufocadas pelo tempo quente dos meses de seca.

A Amazônia com seus monumentais mares doces e a delicadeza de plácidos igarapés. Muitos já agredidos pela mão suja das cidades ou ganância dos garimpos.

Um jornalista da Amazônia, lamenta que “os igarapés mortos morreram em silêncio“, quando lembra do Água Branca, que atravessa o bairro Tarumã, em Manaus. Nos grandes rios, é onde vive a exuberância e o poder que abre as portas do paraíso. O Solimões, de origem guerreira, onde seu nome recorre à memória de Solimum, veneno mortal que os índios usavam na ponta das flechas e da nação Sorimões, daqueles que as usavam; o Amazonas e suas amazonas guerreiras que extirpavam o seio para o manejo das flechas; e o Negro, escuro como ninguém, tem a cor daquele jeito, pela química em suas águas, onde carapanã, o nosso mosquito, não vinga e nem se cria.

E os cheiros, sabores que desafiam o conhecimento de quem pensa conhece-los? Bacuri, que espessa a boca; cupuaçu e seu azedo açucarado; o biribá, que não se confunde com a graviola-brava; a bacaba, prima legítima do açaí; o minúsculo camu-camu ou caçari, parente distante da jabuticaba, que tanto encanta como isca os Tucunarés. Nomes estranhos e formas diversas. Tudo é retrato de uma região que está ameaçada e desprotegida.

O cerrado é a Cinderela dessa história. Esse patinho feio esconde a bela princesa que pode desaparecer na meia noite dos incêndios e desmatamentos. Todas as maravilhas molhadas do Pantanal devem às terras roncas do Cerrado seu berço e poder. Se o Pantanal flutua sobre um aquífero planetário, o Cerrado é a caixa d’água do Brasil. Oito grandes redes fluviais nascem naquela terra plana de árvores oblíquas. Veja alguns rios que têm nascentes no cerrado: Xingu, Paraguai, Tocantins, Jequitinhonha, São Francisco e Araguaia. Nessas terras umedecidas em silêncio, está surgindo uma revolução verde: o mar de grãos que têm segurado nossa economia nesses tempos bicudos da pandemia.

Essas três bolsas de biodiversidades e vida estão encurraladas para destruição. Tudo conspira para o pior. A beleza do galo-da-serra se evapora ao ouvir o ronco das motosserras. Cerrado, Amazônia e Pantanal estão ameaçadas pela insensibilidade e ganância do maior predador da natureza: o próprio homem.

Para aumentar os pastos, alguns poucos produtores da carne desmatam e devastam suas matas próximas. As gigantescas copaíbas e as pequenas árvores baixas, inclinadas e tortuosas têm o mesmo destino.

A grilagem de terras públicas também marca o risco das florestas que também agoniza pelo comércio ilegal da madeira. A especulação imobiliária coloca em perigo matas densas e manguezais. O olhar indulgente sobre o garimpo, que esburaca o solo, empobrece nossas jazidas e envenena de mercúrio os rios e a saúde dos homens, é cúmplice de um imenso crime.

Discordando do Marquês de Itararé, de onde se espera, dai mesmo é que vai chegar. A iniciativa privada, que paga impostos e salários, agregou às suas urgências um projeto que já é a semente do renascimento da esperança verde. Na semana passada, um grupo de empresários informou que está montando um corredor privado de conservação no Pantanal. A intenção é criar um núcleo regional sustentável com venda de créditos de carbono, créditos de biodiversidade, aluguel de pastagem e ecoturismo. O setor privado avança na preservação ambiental no vácuo de ações e projetos oficiais.

Bem antes dessa recente iniciativa, o setor empresarial do comércio de bens, serviços e turismos, identificado com as bases da iniciativa privada que melhor refletem a economia, já havia lançado seu salva-vidas ao meio ambiente. A Confederação Nacional do Comércio autorizou o Sesc, um de seus braços operacionais, a executar o projeto Sesc-Pantanal, que é a maior reserva ambiental particular do país. Age na proteção da biodiversidade e já se tornou referência em educação, conservação da natureza, pesquisa científica e ecoturismo. Atua com nativos, comunidades indígenas, reserva antropológica viva da humanidade, pesquisadores, universidades, institutos de pesquisas e organizações não governamentais. Ano passado, o Sesc-Pantanal foi apresentado para embaixadores e lideranças diplomáticas.

Imaginem uma área equivalente a 100 mil campos de futebol, cem mil estádios Mané Garrincha juntos em geração de conhecimento e ações efetivas para salvar as planícies molhadas do Pantanal. Fazem parte dessa Reserva Particular do Patrimônio Natural o Sesc Pantanal Hotel, unidade Porto Cercado, com 142 acomodações; o Parque Sesc Baía das Pedras; o Sesc Poconé; o Parque Sesc Serra Azul; e a Base Administrativa, em Várzea Grande, vizinha a Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso.

A presença do Sesc na proteção daquela biodiversidade vive em sintonia com o envolvimento dos empresários desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, a RIO – 92.

Naquele lugar, tudo remete a um futuro limpo. As construções e instalações apresentam soluções de baixo impacto ambiental: energia solar, telhado verde, coletores solares, aproveitamento de águas de chuva, estações de tratamento de água, madeiras de manejo florestal e florestamento legal.

Em meio aos horrores da guerra, com bombas arrasando Londres, Churchill avaliou que não se deve desperdiçar os ensinamentos de uma boa crise. Esse pavor que vivemos de perder nossas matas, envenenar os rios e poluir o ar que respiramos deve nos deixar uma mensagem de alerta. Não podemos nos iludir que o futuro seja mudado apenas por boas intenções. Não existem remédios doces ou doces ilusões.

Muito cuidado com o exemplo da lagarta. Logo depois de um incêndio das trevas, a lagartinha acordou ferida, mas tranquila. Cheia de ingênua felicidade, achou que já era a hora de se transformar em colorida borboleta.

Francisco Maia é presidente do Sistema Fecomércio-DF (Fecomércio, Sesc, Senac e Instituto Fecomércio).

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