Pedro Luiz Rodrigues

Homenagem a Mujibur Rahman e à sua Bangladesh Dourada

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Tive a honra de ser convidado pelo governo de Bangladesh para participar, em Daca, no próximo dia 17, das cerimônias comemorativas do centenário do nascimento do Sheikh Mujibur Rahman, o pai da Pátria, o Bangabandhu, o líder do movimento que lutou com tenacidade para conquistar a independência do país.

Razões profissionais impedem-me de comparecer ao evento – o que muito lamento – mas quero, com este artigo, prestar uma homenagem a esse país que cultivo, cujo passado é tão rico quanto promete ser também o seu futuro.

Daca foi meu primeiro posto na carreira diplomática. Para lá segui no início de 1979, ainda jovem terceiro-secretário, dias após haver concluído o curso do Instituto Rio Branco, para substituir o embaixador Aldo de Freitas, licenciado por alguns meses por razão médica. Bangladesh contava, então, com oito anos de vida independente.

Sheikh Mujibur Rahman.

Um pouco de História: com a saída da Inglaterra do subcontinente indiano, a partir de 15 de agosto de 1947 a soberania da região foi transferida para dois Estados independentes: a Índia (de maioria populacional hinduísta) e o Paquistão (de maioria muçulmana).

A região de Bengala (no nordeste do subcontinente) foi dividida em duas partes: a ocidental, incorporada à Índia recém-independente, e a oriental, de maioria muçulmana, passou a fazer parte do Paquistão, passando a ser designada como Paquistão Oriental. Separando um Paquistão do outro, mil e setecentos quilômetros de Índia!

Embora compartilhassem a mesma religião, não havia outros laços a unir as duas partes do novo Estado paquistanês. No lado ocidental, falava-se principalmente o urdu; em Bengala, no lado oriental, a língua é o bengali. Os nacionalistas paquistaneses, no entusiasmo da da vitória dos princípios da Liga Muçulmana, haviam embarcado na ideia de juntar Bengala ao território nacional. Tinha tudo para não dar certo, e não deu!

Divergências entre as duas partes do Paquistão não tardaram a se manifestar. Karachi passou a exercer um predomínio – econômico, político e cultural – dífícil de ser aceito pelos bengalis. Não tardou (1952) para que surgisse o Movimento pela Língua Bengali, a primeira entidade organizada com espírito independentista. Em uma de suas manifestações, estudantes foram abatidos pelas forças armadas paquistanesas, o que representou o ponto inicial da luta pela independência que seria culminaria em 1971, com a criação de Bangladesh.

Papel relevante em prol da autonomia de Bengala tiveram, nos anos 1960, a Liga Awami e seu presidente, o Sheikh Mujibur Rahman, cujo centésimo aniversário de nascimento se comemorará com grandes festejos em Daca, no próximo dia 17.

Os paquistaneses decidiram acabar com o movimento independentista pela força: prenderam Mujibur Rahman e praticaram inominável violência contra a população civil. Um milhão de cidadãos de Bengala tiveram de buscar refúgio na Índia, outro milhão de bengalis teriam sido assassinados (os números são imprecisos).

Tornada independente Bangladesh, Mujib (como Rahman é carinhosamente conhecido no país) foi seu presidente (1973) e primeiro-ministro (1975). Mas os efeitos da crise internacional do petróleo ampliaram a pobreza e o desemprego no país, provocando uma grave crise no abastecimento de alimentos. No mesmo ano de 1975 ele e muitos de seus familiares foram assassinados por militares revoltosos.

Em prefácio a livro de memórias de Mujibur, sua filha Sheikh Hasina Wajed (atual primeira-ministra do país) recorda os princípios e aspirações de seu pai: “o sofrimento do povo bengali o entristecia, e era seu sonho criar uma Bengala Dourada”, onde não houvesse miséria e onde todos pudessem aspirar a uma vida digna.

Daca, a capital.

Bangladesh tem uma população de cerca de 170 milhões de habitantes – portanto, pouco menor do que a do Brasil – numa área territorial que equivale à do nosso Estado do Ceará e com um clima tropical. Na época em que lá estive – quatro anos após o assassinato de Rahman – havia a aspiração pelo desenvolvimento, mas tão grande era a pobreza do país que os caminhos para o progresso pareciam quase impossíveis.

Mas embora ainda hoje detenha uma das menores rendas per-capita do mundo, Bangladesh tem sido nos últimos anos um exemplo de boa administração e desenvolvimento sustentável. Na década passada a média anual de crescimento foi de 6%, possibilitando que o Produto Interno Bruto do país passasse de 58º para 46º . Como observou nosso atual embaixador em Daca, João Tabajara, durante sua sabatina no Senado (2017), com um PIB que então se encontrava na casa de 195 bilhões de dólares, Bangladesh estava à frente de Portugal, Vietnã e Peru.

Disse mais o embaixador Tabajara: O Goldman Sachs – aquele famoso banco de investimentos norte-americano – tem classificado Bangladesh dentro de um grupo chamado de Next Eleven, ou seja, os próximos onze países que vão se seguir aos BRICS. São países que vão ter, nas próximas décadas, uma evolução espantosa dos seus PIBs. Esse grupo, além de Blangadesh, inclui países como Turquia, Coreia do Sul, México, Indonésia, Filipinas, Egito e Irã. E Blangadesh no meio, com esses contrastes todos.

Pedro Luiz Rodrigues é embaixador e jornalista. Seu primeiro posto na carreira diplomática foi em Bangladesh.

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