Francisco Maia

Grito de ética

acessibilidade:

“As sociedades adoecem no momento em que passam a conviver com a banalidade do mal”, constatou a filósofa Hannah Arendt durante o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, em Israel. Isto significa que a maldade passa a viver entre as pessoas sem provocar sustos. A insensibilidade, egoísmo e ganância viram rotina.

A maneira inescrupulosa como alguns lucram com o sofrimento humano é uma doença do caráter. O cuidado com o dinheiro público de forma geral é sagrado, mas nas doenças deve ser divino, porque na sua ausência é hediondo.

É inacreditável ver pessoas que estão ganhando dinheiro na venda de testes, nas licitações fraudulentas e compra de remédios e, lamentavelmente, na ação gananciosa que impede a prática do bem. O Brasil e toda nossa cultura têm urgência por um choque moral, que ensine que “ética é a estética da alma”.

No momento existem investigações por suspeita de superfaturamento nas compras e da baixa qualidade dos testes.
Há um prejuízo aos cofres públicos com compras superfaturadas de cerca de R$ 30 milhões, em um total de R$ 74 milhões, assim como inquéritos sobre fraudes, organização criminosa, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e cartel. O trabalho policial tem 74 mandados de busca e apreensão em mais de 20 cidades, com endereços no Laboratório Central do DF, na Farmácia Central, a Secretaria de Saúde do DF e residências dos responsáveis pelas compras.

Para onde se volta há o retrato do mal. No Rio de Janeiro, a Polícia Federal encontrou cerca de R$ 6 milhões em um imóvel de Edmar Santos, ex-secretário de Saúde do Estado, que foi preso. O próprio governador Wilson Witzel tem o seu nome associado a supostas fraudes em compras para a área da saúde. Isso lhe valeu um processo de impeachment onde 69, entre 70 deputados, votaram contra ele.

Pernambuco e São Paulo lideram as denúncias de corrupção envolvendo gastos e despesas para ações contra a Covid-19, mas há contratos investigados também em Santa Catarina, Ceará, Amapá, Roraima, Pará, Maranhão, Acre e Rondônia.

Vender capa de chuva em dia de chuva pelo triplo do preço é pecado venial, intrínseco ao bom malandro. Mas superfaturamentos nas pandemias com dinheiro público, no instante que rezamos para 100 mil mortos, é inescrupuloso e desumano.

Tão mais escandaloso é ser sabotador de obras do bem. Em alguns lugares, profissionais de saúde vão até à Justiça alegando deslealdade, porque alguém consegue oferecer testes bem mais baratos ou até gratuitos. Era bom que lembrassem que quem tenta iludir o Judiciário poderá conhecer o rigor das leis.

A especulação no preço dos testes é vergonhosa. A Secretaria de Saúde do Ceará, por exemplo, comprou por R$ 47,46 dentro de uma encomenda de 300 mil unidades. Lamentavelmente, isso é um quarto do valor pago pelo Rio em duas de suas contratações. Há outros exemplos, onde a aquisição de 100 mil unidades foi feita por R$ 99, enquanto esse mesmo teste custa em Brasília R$ 350.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – Fecomercio- entrou na maré da prática do bem. Colocou uma pequena peça nessa engrenagem da luta contra a pandemia: O SESC está distribuindo gratuitamente testes que ajudem os comerciário que voltam ao trabalho.
As vastidões crescem no mundo enquanto os desertos de ética são cada vez maiores.

Aristóteles, filósofo grego dos anos 300 antes de Cristo, que foi aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, inicia sua maior obra, A Ética, tratando do bem e do mal no comportamento dos homens. “Toda arte e todo saber, assim como tudo que fazemos e escolhemos, visa a algum bem”, diz Aristóteles, mas o filósofo também adverte que muitas vezes o bem que agrada aos maus, seguramente é o próprio mal.

O claro princípio que a ética foca no convívio com a pandemia, é quanto ao valor da vida humana. Pelo clamor dos aflitos não é possível ceder à ganância e ao egoísmo. Impõe-se o grito da sociedade sadia. Quem sabe um grito poderá salvar o bom caráter de Brasília e da nação.

Da mesma forma como Martin Luther King Jr. gritou alto e foi à morte, é necessário seguir seu exemplo.

“Aquilo que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que me preocupa é o silêncio dos bons”.

Francisco Maia é presidente do Sistema Fecomércio-DF (Fecomércio, Sesc, Senac e Instituto Fecomércio).

Reportar Erro