Foro privilegiado no Brasil e no mundo
No julgamento de Questão de Ordem na Ação Penal número 937, cujo acórdão foi publicado em dezembro de 2018, relator o Ministro Luís Roberto Barroso, o Supremo Tribunal Federal decidiu restringir o chamado foro privilegiado dos deputados federais e senadores aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo.
Segundo a posição do relator, a postura anteriormente adotada de dar ao STF a competência para processar e julgar os parlamentares mesmo pelos crimes acontecidos antes do mandato alcançava convenientemente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república, impedindo, em inúmeros casos, a responsabilização de agentes públicos por crimes.
Outro argumento importante do voto se baseou na ausência de efetividade mínima do sistema penal, frustrando valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade administrativa.
O foro privilegiado no Brasil da atualidade pode ser dividido quando se trata de crimes comuns e de responsabilidade. Quando a acusação é feita por crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República, pelo Vice-Presidente, pelos Ministros do STF, pelo Procurador-Geral da República e pelo Advogado-Geral da União, a Constituição Federal atribui ao Senado Federal a competência para julgamento.
Nos crimes comuns, cabe ao STF julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República e, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, os membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomática de caráter permanente.
Quando o acusado é o Presidente da República, seja por crime comum ou crime de responsabilidade, a Câmara dos Deputados deve ser ouvida previamente. Se autorizado o processo, nos crimes de responsabilidade, o julgamento é realizado pelo Senado, nos comuns, pelo Supremo Tribunal Federal.
O foro privilegiado no Brasil é imenso. Além das pessoas que tem foro no STF, no Superior Tribunal de Justiça são julgados mais de 2.700 (duas mil e setecentas) pessoas. Nos crimes comuns, os Governadores de Estados e do Distrito Federal e, nos comuns e nos de responsabilidade, os Desembargadores dos tribunais de apelação, os membros de Tribunais de Contas dos Estados, Conselhos e Tribunais de Contas dos Municípios e membros do Ministério Público que oficiem perante os Tribunais.
Perante os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados mais de 40.000 (quarenta mil) pessoas gozam do foro por prerrogativa de função. Nesses tribunais são processados prefeitos, deputados estaduais, secretários estaduais, juízes e promotores, entre outros.
Quando fui Presidente da Ajufe, realizou-se uma consulta aos juízes federais para saber se concordavam com o fim do foro privilegiado. Por ampla maioria, decidiu-se apoiar o fim da prerrogativa, inclusive para os juízes. É uma posição republicana que merece os necessários elogios, porque vai ao encontro do desejo da maioria da população.
A opinião de se acabar com o foro privilegiado está de acordo com a maneira de atuar do Judiciário da maioria dos países ocidentais, a começar pelos Estados Unidos da América, onde ninguém tem esse privilégio quando se fala sobre crimes comuns.
Para não se falar apenas nos EUA e nos países de maior poder econômico, pode-se citar os exemplos da Argentina e da Colômbia, nossos vizinhos, que possuem um foro por prerrogativa de função muito restrito. Esse o caminho das nações democráticas no mundo: a restrição ou extinção do privilégio de foro.