Pedro Luiz Rodrigues

Flávio Rocha, equilíbrio e bom-senso na política externa

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Não passou despercebido da comunidade diplomática sediada em Brasília, o gestual de afabilidade dirigido nos últimos dias pelo governo Bolsonaro a alguns dos principais parceiros internacionais do Brasil que até há pouco vinham sendo tratados às caneladas– em particular Argentina e China -, o que sugere uma relativização do rígido receituário de valoração ideológica que até agora prevalecia.

Com sutileza que não lhe é peculiar, o presidente da República começa a puxar a descarga para se livrar do amontoado de disparates e incongruências que Olavo de Carvalho e Ernesto Araújo propuseram à guisa de política externa. Ao ideologizar a política externa, Bolsonaro  cometeu o mesmo erro crasso dos governos do PT, para prejuízo econômico e político do Brasil.

Com a exclusão de Trump do cenário de poder global, o valor do Brasil nesse mesmo cenário foi reduzido a quase nada. Chegamos ao estágio de pré-pária –  à triste situação de cocô do cavalo do bandido -, ou seja a nulidade de expressão diplomática que inexplicavelmente chegou a ser comemorada pelo chanceler.

Muita gente séria e próxima de Bolsonaro não vinha gostando do andar da carruagem. E o presidente, chegado à metade de seu mandato, passou a ter ouvidos mais sensíveis, mais preocupados com a reeleição. Essa gente fez-lhe ver que as coisas já teriam ido longe demais, e que os brasileiros não aceitariam ver o Brasil virar marginal.

O presidente não se anima, por ora, a exonerar seu chanceler, que é pessoalmente apreciado por ele, presidente, e por seus filhos.  Além do mais, uma demissão agora poderia ser interpretada como sinal de fraqueza, para a alegria da imprensa e dos adversários que clamam pela cabeça de Araújo.

Mas, com a discrição possível, uma mudança parece estar em curso: doravante, nos assuntos mais sensíveis de política externa, Bolsonaro parece disposto a não se deixar guiar pelos arroubos de quem quer que seja. Para ele terá ficado claro que tuitadas podem tornar eufórica parte  da patuleia tupiniquim, mas serão inócuas ou prejudiciais quando o que está em jogo são os interesses globais do País.

Entre as pessoas qualificadas – ao mesmo tempo competentes e equilibradas – que estão à disposição de Bolsonaro, destaca-se o almirante Flávio Augusto Viana da Rocha, secretário de assuntos estratégicos da Presidência da República.  Submarinista, verdadeiramente poliglota, afável, muitíssimo bem preparado, claro em suas posições e ao mesmo tempo um negociador habilidoso, Rocha tem repulsa a esquisitices no trato dos assuntos internacionais.

Fiquei sabendo, de fonte muito bem posicionada no Palácio San Martín (o equivalente argentino do nosso Itamaraty), que a recente passagem do almirante brasileiro por Buenos Aires foi considerada um sucesso extraordinário pelo governo argentino. Conversou o almirante com muita gente importante, na Chancelaria e fora dela (o chanceler Felipe Solá; o ministro da economia, Martín Guzmán; o da Defesa, Agustín Rossi; o de Assuntos Estratégicos, Gustavo Béliz) e culminou sua visita com um encontro, amistoso e de muito conteúdo, com o Presidente Alberto Fernández.

Em dezembro de 2019 empenhei-me pessoalmente em ajudar a trazer as relações Brasil-Argentina – as mais importantes entre dois países da América Latina – então esgarçadas pela troca de indelicadezas verbais entre os dois presidentes, para uma situação mais construtiva. Tendo servido no setor político de nossa Embaixada em Buenos Aires nos anos do governo de Carlos Menem, percebi que a designação de Daniel Scioli (ex-vice-presidente da Argentina e ex-governador da Província de Buenos Aires, com estreitíssimos laços com o Brasil) como embaixador em Brasília, sinalizava uma genuína, disposição argentina de priorizar o relacionamento com seu único parceiro verdadeiramente estratégico, o Brasil.

Defendi, primeiro (por artigos no Diário do Poder e contatos no Planaltoque na ausência de Bolsonaro o vice-presidente Hamilton Mourão deveria representar o Brasil nas cerimônias de posse do presidente Alberto Fernández, o que de fato acabou por ocorrer (prevalecendo sobre a ideia inicial de se mandar um ministro de Estado).  Ajudei, logo depois, a marcar o encontro entre Scioli (que sequer havia sido indicado oficialmente para a função) e o vice-presidente Hamilton Mourão, o que ocorreu, com muito sucesso. A etapa seguinte foi uma segunda rodada de visitas de Scioli, que veio a Brasília acompanhado do chanceler Felipe Solá e do secretário de assuntos estratégicos argentino Gustávo Béliz. A partir de então, em boa medida graças à competência de Scioli, pontes foram sendo construídas, embora as agressões gratuitas de Bolsonaro ao governo argentino nunca tenham sido interrompidas.

No jornal Ambito Financiero de hoje (26.1.2021), não faltam elogios do governo argentino, colhidos pelo jornalista Marcelo Falak, ao visitante brasileiro:

 “Alberto Fernández recibió a Viana Rocha, hombre clave de Bolsonaro. Sin embargo, el jefe de Estado brasilero ya está al tanto del trazo grueso de lo hecho en Buenos Aires por su enviado, nuevo hombre fuerte del gabinete y personaje clave en el redireccionamiento de una diplomacia hasta ahora más preocupada por hacer amigos entre los ultraderechistas del mundo que por obtener resultados concretos. Y, lo más importante, avala su idea de restablecer la relación especial con la Argentina, sacrificada por Brasil desde la asunción de Alberto Fernández en el altar de una ideología extremista.”

O Almirante Flávio Rocha – que conhece Bolsonaro há muito tempo, já que foi chefe da assessoria de relações da Marinha com o Congresso – tem conseguido também influenciar positivamente o presidente no que diz respeito ao relacionamento do Brasil com a China. Ele, o general Augusto Heleno e o vice-presidente Hamilton Mourão compõem um triângulo de equilíbrio dentro do Palácio do Planalto em relação a assuntos de política externa.

Pedro Luiz Rodrigues, embaixador aposentado e jornalista. Foi chefe do Setor Político da Embaixada do Brasil em Buenos Aires nos anos 1990.

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