Maíra Fernandes

Falaciosas promessas

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Uma população carcerária de 700 mil e um cenário de caos tornam sedutoras as propostas de privatização: falaciosas promessas de solução a curto prazo para questões que mereceriam sérias políticas criminais e penitenciárias.

Desavisados depositam esperanças em iniciativas como a do Complexo Prisional Público-Privado, pelo qual o Governo de Minas Gerais firmou contrato de 27 anos com um consórcio que cobra, por preso, mensalmente, mais do que gastava o Estado. O alto custo social e financeiro do encarceramento continuará suportado pela Viúva, que repassará as verbas ao setor privado.

Quanto mais severas as leis, maior o número de presos – condenados ou provisórios, culpados ou inocentes – e o tempo deles atrás das grades, mais lucrativo será o negócio. Não tardarão lobbies junto aos órgãos de segurança, no Congresso ou nos tribunais, pleiteando mais flagrantes, aumento de penas e condenações. Na lógica do lucro, cela vazia é prejuízo, tal como qualquer hotel: quarto vazio, prejuízo irrecuperável. Como dizia Alessandro Baratta, “cria-se a vaga, cria-se o preso”. Um incentivo à prisão!

Como em qualquer empresa, penitenciárias cedidas ao setor privado mundo afora também cortam pessoal, salários, diminuem a quantidade/qualidade dos serviços. Quem garante que o administrador privado, diante de irregularidades, denunciará seus subordinados? A possibilidade da corrupção se alastrar é concreta.

Se o Estado segrega e condena, é dele a responsabilidade pela gestão, pelos direitos e deveres do preso. A situação atual impõe a valorização de servidores das áreas de saúde, educação, psicologia e assistência social nas prisões; parcerias entre as secretarias de Estado; mais escolas e postos de trabalho no sistema (estes sim, com apoio privado) e fortalecimento das defensorias públicas.

Entregar a quarta maior população carcerária do mundo à iniciativa privada é expiar as culpas dos problemas causados pelos poderes da República. Prende-se demais, e provisoriamente (40% dos presos não possuem condenação definitiva); mutirões indicam excesso de pena ou demora nos benefícios; avolumam-se leis com alto poder punitivo; as varas de Execução Penal são desprestigiadas pelos tribunais; faltam medidas de apoio aos egressos. Nada que a privatização possa resolver. Um tiro dado na água.

Maíra Fernandes é advogada criminal, Mestre em Direito e pós graduada em Direitos Humanos pela UFRJ. Coordenadora do IBCCRIM no RJ. Vice presidente da ABRACRIM-RJ. Conselheira da OAB-RJ. Foi Presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro e Coordenadora do Fórum Nacional de Conselhos Penitenciários.

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