Ismael Almeida

Fake News e a censura real

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No Brasil pós-regime militar, o sistema vigente estabeleceu o monopólio da informação para vender uma imagem de normalidade democrática à sociedade. Tal cenário, que se perpetuou nos anos seguintes, garantiu a passagem tranquila de governos envolvidos em graves escândalos de corrupção, também facilitado por polpudas verbas de publicidade estatal.

O debate público estava atrofiado, maquiado por uma falsa dicotomia, representada por uma ilusória alternância de poder entre atores políticos de esquerda e centro esquerda que tinham apenas um compromisso em comum: garantir a sobrevivência do establishment. E isto significava a perpetuação de uma elite social, econômica e política exercendo forte controle sobre o conjunto da sociedade, à revelia do que a maioria queria ou pensava.

Mas foi graças ao avanço da tecnologia que, embalada por uma verdadeira revolução digital no mundo livre, irrompeu o acesso a inúmeras informações de todo tipo. Pessoas comuns começaram a fazer suas próprias análises, críticas e reflexões sobre praticamente tudo ao seu redor e, a partir daí, começaram a questionar. Essa dinâmica começou a incomodar profundamente aqueles que sempre dominaram a narrativa a ser contada ao grande público.

A compreensão deste contexto é o ponto de partida para explicar a histeria generalizada no Brasil e no mundo em torno das chamadas fake news. A definição mais simples do termo é a de que se trata de desinformação ou boatos distribuídos de forma intencional via meios de comunicação, oficiais ou não. Em bom português, nada mais é do que o que chamamos de fofoca, que sempre existiu, mas que hoje se alastra exponencialmente na internet.

Não se desconsidere que os danos causados à reputação e à imagem de pessoas ou instituições por uma fofoca é, muitas vezes, incalculável. A legislação brasileira, porém, prevê tipos penais que punem adequadamente os crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação, inclusive em meio virtual. Quando a ofensa parte de veículo de comunicação, a legislação garante direito de resposta ou retificação ao ofendido, de forma gratuita e proporcional ao agravo. No âmbito internacional, também há instrumentos para reparar ofensas entre nações.

Ocorre que, quem perdeu a prevalência da narrativa encontrou agora o espantalho perfeito, o biombo providencial para esconderem o desejo de continuarem monopolizando a opinião da sociedade com sua visão dos fatos. Seja na mídia, na política ou na academia, o combate às notícias falsas se tornou pretexto para criminalizar meras opiniões divergentes, refutações argumentativas ou críticas mais ácidas nas redes sociais.

Nesse ponto, surgiram as tais agências de checagem, geralmente ligadas a grandes veículos da mídia tradicional, se arvorando no direito de atestar o que é ou não verdade. Porém, a depender do viés ideológico de quem fala sobre determinado assunto, o que vemos é omissão. É curioso como a direita conservadora é muito mais “checada” do que a esquerda progressista, à qual invariavelmente essas agências e seus colaboradores são alinhados. Em suma, tudo que escapa à linha de pensamento dominante é intencionalmente rotulado como fake news, e, assim, sujeito ao escrutínio dos censores de opinião.

Como concretização desse desejo incontido no aparelho estatal, estamos assistindo ao grotesco desenrolar da CPMI das Fake News no Congresso Nacional. Logo nas primeiras reuniões, ficou claro que o colegiado seria usado para censurar, perseguir e cassar a opinião de quem se manifesta contra desmandos de agentes públicos nas redes sociais. Os trabalhos se resumem ao ridículo de listar perfis de pessoas comuns e classificá-las como membros de uma suposta “milícia virtual”, cujo suposto crime foi expor suas opiniões nas redes sociais e fazer memes satíricos de políticos. Um descalabro!

Na mesma linha se encontra o inquérito sigiloso e ilegal em curso no Supremo Tribunal Federal. Também sob o pretexto de combate às fake news, e usando uma interpretação esdrúxula do seu próprio regimento, a Corte Suprema tem intimidado com buscas e apreensões gente comum que, de alguma forma manifestaram seu descontentamento com a atuação de alguns ministros. O desassombro com que Suas Excelências tocam esse instrumento de censura é preocupante, sobretudo quando parte daqueles que deveriam ser os guardiões da Constituição.

Os valentes argumentam que a enxurrada de fake news gerou polarização política na sociedade. A polarização já existente é que gera notícias falsas, e não o contrário. Porém, não há sinal maior da pujança de uma democracia do que a polarização! O termo pressupõe dois polos, duas visões antagônicas de mundo que sempre vão se enfrentar, mas que devem coexistir. Todo ponto de vista deve ter seu contraponto exposto, considerado, e, se for o caso, refutado. Essa dualidade é que permite o aperfeiçoamento das democracias e equilibra o jogo do poder, evitando arroubos autoritários de qualquer vertente ideológica.

Goste-se ou não, o Brasil experimenta agora uma verdadeira alternância de poder, que, em grande parte, só foi possível graças à livre circulação de informação, sem filtros e sem qualquer viés ou enquadramento da mídia tradicional. Cada cidadão com um smartphone à mão tem o poder de opinar, se expressar e cobrar seus representantes em qualquer instância de poder. Quem não souber lidar com isso, não serve para a vida pública.

Viva a liberdade!

Ismael Almeida é cientista político e assessor legislativo

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