José Maria Couto Moreira

Estado é potestade

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Ainda outro dia o Supremo Tribunal Federal julgou, por sua maioria, que cabia a ministro daquela egrégia corte (em juízo monocrático) decidir sobre validade ou eficácia de ato praticado por membro dos outros poderes. O plenário do STF assim se manifestou em virtude de promoção do ministro Marco Aurélio que visava alcançar proteção ao princípio da harmonia dos poderes, tudo a propósito da altercação que se seguiu após o interdito do ministro Alexandre de Morais que negou efeito válido à nomeação para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, realizada pelo chefe do Poder Executivo.

Agiu bem o ministro Marco Aurélio com seu propósito, já que o princípio basilar da harmonia entre os poderes, fórmula máxima da doutrina de Montesquieu, é o que mantém a integridade da República. O magistrado realçou, com sua iniciativa, a necessidade do conserto subsequente do regimento interno do tribunal, que prevê a hipótese de competência de relator apresentar convicção pessoal eficaz, o que desafia a independência do poder. Onde há desarmonia não há governo, e o desgoverno conspira contra o povo e os interesses da nação. A preservação da harmonia é de tal importância que se avizinha da estrutural garantia da segurança nacional.  É sob o signo da segurança nacional que se instalam e prosperam as atividades econômicas, estimuladas e protegidas pelo Estado. Vencida ela, está a União fragilizada, inativa, o que não é desejo do povo. Tudo deságua, enfim, na harmonia como elemento sempre presente, indispensável para o fortalecimento da lei, da ordem e do desenvolvimento. Um confronto de competências pode gerar até o ridículo, pois, diante da audácia (alguns dizem coragem) de um juiz federal, havendo ele atentado contra ato do presidente do Congresso Nacional, à época o senador Renan Calheiros, não vacilou o parlamentar em tachar o mandado judicial que autorizava busca e apreensão nas dependências do Senado Federal como proferido por juizéco de primeira instância, e cuja manifestação rendeu inquérito afinal arquivado pela Procuradoria Geral.

Ora, e não é para menos. Então seria possível admitir que um só cidadão, embora no exercício de sua toga, enfrentasse a nossa imensidade continental para dizer que, a princípio, a verdade podia não estar com o chefe do Poder Legislativo, que iria ser fiscalizado, desnudado, despido de sua majestade e de seu grau de transcendência política por uma só cabeça, que arrisca-se a não exercer a melhor escolha ? O que se aprende elementarmente nas escolas de direito é que a potestade pertence ao Estado (é dogma jurídico), ele a desempenha segundo seu arbítrio e oportunidade, em obediência às diretrizes constitucionais, obviamente, mas a ele assegurado intangivelmente o direito e a competência para concretizá-lo e daí alcançar o efeito e a validade do ato praticado. Nesta hora, sim, comparece o poder a quem se atribui o poder-dever de censura, de fiscalização e conserto para demarcar e reparar um eventual erro, mas tudo à luz da intervenção do Poder Judiciário, representado em nossa organização política pelo Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, o conjunto da alta corte, o plenário, instância emblemática do Poder Judiciário, se debruça sobre o exame da questão para, em caráter definitivo, equacionar juridicamente o reparo que couber ao ato. Não será de outra forma o deslinde da controvérsia. A potestade do Poder Executivo é incontroversa, e não pode ser enfrentada de outro modo, muito menos em manifestação pessoal, mas unicamente por exercício de uma pessoa jurídica, o que no mundo do direito em sua dimensão mundial se convencionou chamar de atuação do sistema de freios e contrapesos. O poder não é do indivíduo, mas da ficção jurídica de tribunal, no exercício legítimo e intransferível de sua personalidade  jurídica.

José Maria Couto Moreira é advogado.

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