Ney Lopes

Eleições gerais: a oportunidade perdida

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Já se disse que “há três coisas na vida que nunca voltam: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida”.

Finalmente, o Congresso Nacional aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/20, que adia as eleições municipais deste ano, devido à pandemia, causada pelo novo coronavírus.

Perdemos a oportunidade da coincidência de mandatos, através de uma eleição geral em 2022, amplamente justificada pelo “motivo de força maior”, caracterizado como fatos naturais consumados, tornando impossível evitar os efeitos.

Afinal, o país vive momento excepcional com a pandemia. Logo, se justificaria a aplicação do princípio civil, ao direito eleitoral.

Entretanto, prevaleceu uma decisão sôfrega, desconectada do mundo real, prevalecendo unicamente a teimosia, defesa de interesses políticos próprios, como a posição contraria do presidente da Câmara, em razão de não desejar a permanência do seu adversário Marcelo Crivella no RJ e o falso moralismo de considerar antidemocrática essa alternativa.

As eleições municipais de 2020 serão realizadas em plena calamidade pública, com um sistema eleitoral e partidário inconsistente e em frangalhos, a população temerosa de sair de casa e carente do mínimo necessário para sobreviver.

Dois efeitos fatalmente ocorrerão: a omissão do eleitor, descrente da política e dos políticos, e o aumento do “assistencialismo”, através do poder econômico ou de governos, como meio de mobilização de votos, o que viciará o processo eleitoral.

Onde, uma realidade socioeconômica e política como essa irá fortalecer a democracia?

A decisão do Congresso mobilizará bilhões de reais (mais de 10 “bi”) para azeitar as máquinas partidárias ilegítimas e viciadas (com raras exceções), além da gastança com a mobilização da estrutura burocrática e administrativa da justiça eleitoral, que é caríssima. Como justificar-se tal esbanjamento, com milhares de pessoas correndo risco de vida, por falta de assistência básica à saúde?

A democracia se constrói com atos e coragem, sem negar a realidade e as carências coletivas. Várias formas éticas e jurídicas poderiam ser inseridas na legislação, a partir da emenda constitucional, que confirmasse o adiamento da eleição de 2020.

Uma das consequências benéficas seria a grande oportunidade do Congresso Nacional assumir o compromisso de construir uma ampla reforma política, eleitoral e partidária, com vigência a partir de 2022.

Por exemplo: como se explica que no Congresso dos Estados Unidos sejam dois senadores por Estado e no Brasil três? Na Constituição de 1946 eram 289 parlamentares federais e hoje 513. Nos Estados Unidos, cada deputado representa 740 mil pessoas. No Brasil, a média é de 400 mil habitantes. Uma das mudanças seria a redução do número de congressistas e a eleição direta dos suplentes de senadores, com mandatos de quatro anos E a candidatura avulta? Por que não a implantá-la, quando se sabe que em cada 10 países 4 admitem o candidato avulso. Os “independentes ou sem partido”, não enfraquecem a democracia. Ao contrário, aperfeiçoam o sistema. Permite a presença de descontentes, ou excluídos nos partidos.

Alegou-se que a prorrogação beneficiaria a corrupção. A solução seria a emenda constitucional aprovar o “recall” no Brasil. Essa figura jurídica, usada em muitos países, permitiria a revogação de mandatos de “maus político”. Não haveria favorecimento, portanto, aos maus políticos.  O recall é uma “reavaliação” popular, que se antecipa inclusive, a própria justiça.

Além disso poderia ser definido que os atuais prefeitos não concorreriam à reeleição, em função da prorrogação.

A “eleição geral” favoreceria a governabilidade, eliminando “barganhas” pós eleição, o que resultaria em políticas públicas mais eficazes nas áreas de saúde, saneamento, segurança pública e educação.

Os eleitos teriam compromissos efetivos com as teses de campanha, ao invés da “babel” atual, em que termina uma eleição e começa outra. Significaria verdadeira   “Lei Áurea” para a política brasileira.

Mas, o Congresso preferiu agachar-se, azeitar a “burocracia” e os “lobbies” de quem ganha dinheiro com eleição, além de preservar os feudos eleitorais, de quem se sente ameaçado pela prorrogação.

O resultado foi a manutenção do “mercado persa” das eleições, com o uso do dinheiro público do Fundo Eleitoral, sem nenhum critério de fiscalização, manipulado pelos “donos” de partidos, os mesmos que se opuseram a prorrogação.

A oportunidade foi perdida. Buscar a “coincidência” em situações de normalidade poderá ser realmente casuístico. Em 2020, com a pandemia, não seria.

Mas, está definitivamente decretado, que a classe política, na sua maioria, resolveu manter o cenário de preservação dos “morcegos”, que se alimentam do sangue da corrupção, jorrado no cenário de desmandos e arbítrio (veja-se o uso do Fundo Eleitoral), do atual quadro partidário e eleitoral do país.

Fazer o que, senão lamentar?

Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br.

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