Ney Lopes

Eleição de 2020: democracia ou farsa?

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Começam as eleições de 2020.

Um dos maiores equívocos já cometidos pelos poderes Executivo (silenciou), Judiciário (pressionou pela realização do pleito) e o Legislativo, que se omitiu mais uma vez, prevalecendo os interesses de cada parlamentar, em relação às suas bases eleitorais (sobretudo no Rio de Janeiro).

Vários argumentos justificariam, que esta eleição fosse adiada para 2022, com a prorrogação dos mandatos atuais.

Em primeiro lugar, o Congresso, preventivamente, aprovaria a figura do “recall constitucional”, que significa o poder de cassar e revogar o mandato de qualquer representante político de conduta improba, incompetente ou inoperante.

Existe esse recurso legal em várias democracias do mundo.

Adaptado à realidade do Brasil, o “recall” resolveria o risco de atuais prefeitos e vereadores de má conduta continuarem nos seus mandatos.

Em seguida, a maior justificativa seria a incontestável ocorrência do motivo de “força maior”, em decorrência da pandemia. Uma figura jurídica milenar.

Já presente no Direito Romano, se caracteriza como recusa no cumprimento de obrigação frente a acontecimento imprevisto, como guerras, epidemias, fenômenos meteorológicos (grandes tempestades, furacões, etc.).

Como negar-se que a pandemia se ajusta a essa exigência legal, que suspende obrigações privadas e públicas?

Ademais, a pandemia levou o país ao “estado de calamidade pública”, impondo restrições, limitando acessos a locais de aglomerações, fechamento de escolas e universidades, estádios, serviços de utilidade pública (transportes coletivos).

Nestas circunstâncias, o Congresso Nacional, a quem caberia decidir, através de emenda constitucional, autorizou o processo eleitoral, que exige presença de grande quantidade de pessoas, em contato direto, muitas vezes em um ambiente único.

Ainda que exista a proibição do comício, uma eleição democrática impõe a imperiosa necessidade dos candidatos interagirem com pessoas, divulgarem propostas, debaterem ideias. Sem isso, a saúde eleitoral estará comprometida, por um vírus semelhantes ao corona.

A decisão do Congresso Nacional e o aplauso da justiça eleitoral à realização das eleições em 2020 causam insegurança à democracia brasileira, além de colaborar para o alastramento da epidemia, comprometendo a vida e o bem-estar dos brasileiros.

Outro fato relevante: a pandemia exige gastos extraordinários, em proporções inimagináveis, comprometendo o orçamento público. O adiamento da eleição economizaria os recursos do “milionário” fundo eleitoral, cuja liberação de milhões de reais só beneficia às cúpulas partidárias, cujos escândalos de aplicação do dinheiro estão nas manchetes da mídia, quase diariamente.

Os militantes partidários (candidatos) ficam à margem dessas ajudas liberadas pela União. Só prevalecem as “patotas” dos dirigentes partidários.

Isto já está acontecendo no país e a justiça eleitoral diz que a lei não permite interferência, pelo princípio da autonomia partidária.

Para onde está indo o dinheiro do Fundo Eleitoral? O adiamento da eleição faria com que esses milhões de reais fossem doados à saúde pública, no combate a pandemia.

Será pelo acesso fácil ao Fundo Eleitoral, que esses dirigentes, com assento no Congresso, mantiveram a eleição, mesmo diante da catástrofe epidêmica?

Enquanto isso, o Covid19 já está na segunda onda.

Como levar o eleitor às urnas?

Todos temem o contágio. Haverá com certeza percentual elevadíssimo de abstenções no dia 15 de novembro. Afinal, os mais idosos já são dispensados. E os demais apenas justificam por um motivo qualquer e nem multa pagam.

Por outro lado, a pandemia justificaria que, adiada a eleição, o Congresso se obrigasse a aprovar uma reforma política cirúrgica para as eleições de 2022, com a “coincidência de mandatos”, que tornaria a eleição mais legítima e mais barata.

Aprovar essa reforma política já justificaria, por si só, o adiamento da eleição.

Sem a reforma política, eleitoral e partidária nenhuma outra mudança terá eficácia e dará resultado no país.

Infelizmente, “preciosismos” de “aparentes democratas” obrigaram a realização da eleição, que será a mais inautêntica e ilegítima da história política brasileira, pela ausência do eleitor e a impossibilidade dos candidatos se apresentarem à população. Além do esbanjamento de dinheiro, que poderia salvar vidas.

Isto é democracia?

Ou farsa?

Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br

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