Roberto C. Marinho

Dívida e administração pública

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Há problemas no Brasil que atravessam os séculos. O patrimonialismo na administração pública é uma chaga que teima em resistir à modernidade. Alguns governantes pensam e agem, ainda nos dias de hoje, como se donos fossem da coisa pública, administrando os negócios do Estado a partir de critérios que apenas atendem e servem aos seus interesses particulares.

Esses dirigentes caminham à margem da lei, quando não acima dela. Governam com os parentes, amigos e correligionários, confundindo o público com o privado, como se ainda vivêssemos nos tempos dos estados absolutistas.

Se você é empreendedor e contrata com o governo – seja ele municipal, estadual ou federal – logo perceberá o desafio.

As dificuldades começam nos procedimentos licitatórios e se agravam na hora de receber pelos serviços prestados. As empresas participam de processos de seleção extremamente burocráticos –  por vezes pouco corretos – investem em equipamentos, contratam pessoal, recolhem tributos, prestam corretamente o serviço contratado e na hora de serem remuneradas enfrentam, muitas vezes, o atraso no pagamento ou mesmo, pura e simplesmente, o calote.

Como cidadão, se você não paga seus impostos ou deixa de honrar seus compromissos financeiros, o protesto, a execução, o Serasa e a penhora de seus bens lhe aguardam inexoravelmente. Os governos, ao contrário, deixam de pagar seus fornecedores sem que quaisquer sanções recaiam sobre os administradores públicos.

Faltam recursos, justificam. Problemas orçamentários, sustentam. Queda na arrecadação, alegam. Mas nada disso impede que os amigos, as empresas colaboradoras das campanhas eleitorais e os apadrinhados políticos recebam em dia, enquanto os outros prestadores de serviço são obrigados a suportar o prejuízo e o constrangimento das peregrinações intermináveis aos gabinetes oficiais.

Muitas prefeituras municipais e governos estaduais não pagam suas obrigações nem quando condenadas pela Justiça, o que gera uma indústria de precatórios não cumpridos, elegendo-se o “calote” como regra gerencial e como técnica administrativa.

O calote e o apadrinhamento são os principais responsáveis pelos elevados custos das contratações públicas e são portas escancaradas à corrupção e ao peculato.

Precisamos de leis contra essa situação, exclamam alguns. Na verdade, precisamos mais do que isso, pois não faltam normas e regulamentos, embora sua eficácia seja quase nula.

A Lei das licitações públicas, por exemplo, determina que o pagamento aos fornecedores obedeça à ordem cronológica dos empenhos liquidados, para se evitar que, em tese, os pagamentos feitos pelo gestor fiquem ao sabor das decisões subjetivas, políticas ou pessoais, o que pode dar margem à improbidade administrativa e à corrupção.

Porém – e há sempre poréns e todavias – os governantes descumprem cotidianamente a lei sem que sofram a punição devida. E violar essa regra é crime, conforme dispõe o art. 92 da Lei 8.666/93. Pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade dá detenção de dois a quatro anos, mais multa. Ou melhor, deveria dar.

São raros – se é que os há – os casos de punição por desrespeito à ordem cronológica dos pagamentos ou pelo calote definitivo no credor, fato que representa, sem dúvida, um verdadeiro enriquecimento ilícito por parte dos governos.

O Ministério Público e o Judiciário devem atuar com mais rigor no sentido de fazer cumprir a lei, responsabilizando penal e civilmente os governantes que fazem seu o que a todos pertence.

É preciso que os Tribunais de Contas passem a rejeitar as prestações de contas dos que atrasam e descumprem a ordem cronológica dos pagamentos, ou simplesmente não pagam suas obrigações, não mais aceitando as justificativas frágeis e insustentáveis dos administradores que, na verdade, apenas escondem o favorecimento e a corrupção.

O exemplo deve vir de cima.

Muitos anos atrás, dizia-se que ou o Brasil acabava com a saúva ou a saúva acabava com o Brasil. Com a saúva conseguimos acabar, precisamos agora, urgentemente, dizimar as sementes da corrupção.

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