Flávio Corrêa

Dia D, hora H

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O general Dwight Eisenhower, comandante-em-chefe das forças aliadas, deve estar agradecendo ao seu colega de farda Eduardo Pazuello por ter se lembrado dele ao anunciar o começo da campanha de vacinação contra o Coronavirus no Brasil. Na 2a Guerra Mundial, onde Pazuello foi buscar inspiração, o dia D foi 6 de junho de 1944, quando se registrou a maior invasão que se tem notícia na história: mais de 160 mil soldados, transportados por uma incrível frota de 6.400 barcos, com cobertura da força aérea, cruzaram o Canal da Mancha e desembarcaram nas praias da Normandia, em plena França ocupada. Foi o início do fim dos nazistas na Europa.

O nosso general já decretou: o dia D será 20 de janeiro de 2021, hora H, 10 da manhã. Com tão pouca bala na agulha, a batalha deveria começar por Manaus, onde, para nosso horror, os doentes estão morrendo asfixiados por falta de oxigênio. Não custa lembrar que Manaus gastou 604 milhões de reais na construção de um estádio de futebol para receber 4 jogos da Copa de 2014. Com essa grana, o estado poderia contar com mais 3.350 leitos de UTI.

No arsenal tupiniquim teremos a Coronavac e a AstraZêneca. Se o supremo comando, a Anvisa, autorizar o seu emprego emergencial, é claro.

Na invasão da Europa, as tropas libertadoras recebiam a entusiástica adesão das comunidades na medida em que avançavam França adentro. Será que isso vai se repetir aqui no nosso avanço contra o inimigo invisível?

Tenho minhas dúvidas.

Na invasão da Normandia, a guerra da informação foi crucial para o seu êxito. Enganaram o marechal-de-campo Erwin Rommel, a Raposa do Deserto, com o exército de mentirinha do general George Patton montado com balões de borracha na frente do porto de Calais.

Por aqui, temo que tenhamos perdido, pelo menos até agora, a batalha da comunicação.

A forma com que o Instituto Butantan, por exemplo, divulgou a conta gotas os números da Coronavac foi pelo menos decepcionante. Anunciada no início como a melhor vacina do mundo, ela foi perdendo substância, semana após semana, vítima dos eventos midiáticos produzidos diariamente pelo governo paulista. Culminando com o espetáculo final, no qual as autoridades presentes, visivelmente constrangidas, anunciaram que a eficácia global da Coronavac era de apenas 50,34%, só um tantinho acima dos 50% exigidos para que seja autorizada. Não teria sido melhor divulgar todos os dados desde o início? Afinal, apesar do índice relativamente baixo de imunização, a Coronavac, segundo os dados apresentados, funcionaria como atenuante da doença, evitando seu agravamento. O que é uma ótima notícia.

A reversão da expectativa criada pelas autoridades sanitárias estaduais, fez com que a Coronavac passasse a ser alvo da desconfiança de uma boa quantidade de brasileiros, cujos receios inundaram as redes sociais.

O mesmo se aplica à vacina da Fiocruz, também vítima de uma comunicação mal conduzida.

A bagunça comunicacional continua, causada pela politização do tema. Parece que a saúde da população é menos importante do que quem vai sair primeiro na foto, Bolsonaro ou Dória. A antecipação do programa de vacinação para o dia 20 de janeiro é fruto dessa disputa. Bolsonaro pulou na frente. Mas a desinformação persiste. O avião que iria buscar as vacinas na Índia mudou o plano de voo duas ou três vezes. Não se sabe exatamente quando voltará com os dois milhões de frascos da Oxford/Astrazêneca que foi buscar em Mumbai, já que o governo indiano está criando dificuldades.

Mesmo antes da chegada das vacinas indianas e das aprovações da ANVISA, a festa estava sendo organizada. Dia 19, véspera do dia D, convescote no Palácio do Planalto, quando seria dado o pontapé inicial no programa, que já vem tarde. Fala-se que o evento será cancelado. Não há clima para festas diante do inferno amazônico. Mas ao que tudo indica o dia D está mantido. Será que na hora H o presidente Bolsonaro se deixará vacinar para dar o exemplo e sair na foto? Ou continuará com medo de virar jacaré?

Dizem cientistas que para atingir a imunidade de rebanho o Brasil terá que vacinar 99% da população. Convenhamos, isso é melhor do que  nada. Pelo menos há uma luz no fim do túnel. Para que cheguemos lá, será necessária a adesão em massa da população.

Quando, uma vez mais, a comunicação será crucial.

O Chacrinha dizia: “quem não se comunica se  trumbica”. Eu digo: quem não se comunica bem se trumbica.

Vamos ver se os responsáveis fazem melhor agora. Ainda dá tempo.

Assisti a Dra. Natalia Pasternak, PhD em microbiologia, dizendo na TV: “a vacina que temos não é uma Ferrari, é um Fiat UNO”.

Pé na tábua nesse Uno. Com coragem e fé em Deus.

 Faveco Corrêa é jornalista, publicitário e consultor.

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