Sylvain Levy e Cid Pimentel

Como tirar proveito de um mau negócio

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Como seria a vida sem o Estado. A vida sem o SUS?
Tirem o Estado e o que fica?
Acabe com o SUS e veja como fica.

Se houver uma nova Assembleia Constituinte ela deve colocar a instituição do Sistema Único de Saúde. logo após o artigo 5º, das garantias individuais e não lá atrás no artigo 195. A saúde deve estar realçada como direito de todos e dever do estado.

Os defensores do Estado mínimo, os liberais e neoliberais devem estar em palpos de aranha para aplicarem seus conceitos nessa quadra da história. Sem a presença decisiva do estado não há sobrevivência econômica para a maior parte da população. Sem a presença do SUS não há possibilidade de vivencia.

É preciso tirar proveito de um mau negócio. A pandemia do COVID-19 pode ser a oportunidade que o pais precisa para discutir o fortalecimento do SUS. Com 30 anos de funcionamento, a Lei 8080 que o regulamentou é de setembro de 1990, este sistema já balzaqueano não dá mostras de perder a vitalidade, mas necessita permanentemente de recompor suas forças.

Já foi dito, mas nunca é demais repetir, que o SUS do Brasil é o maior programa de inserção e proteção social do mundo. É o único sistema de saúde de atenção universal dentre os países com mais de 100 milhões de habitantes. A cobertura do SUS alcança quase 80% da população brasileira, pois os últimos dados da ANS – Agencia de Saúde Suplementar, que regula os planos e seguros de saúde, apontam que 47 milhões de pessoas, ou 22,26%, estão cobertos por esse sistema, cobertura essa em decréscimo proporcional a queda de renda da população.

Os números do SUS são realmente impressionantes. Em 2019 foram mais de 12 milhões de internações e quase 3 bilhões e 800 milhões de atendimentos ambulatoriais. Em indicadores são 73 hospitalizações para cada grupo de 1000 beneficiários do SUS e 23 atendimentos ambulatoriais por ano para cada um desses, incluídas consultas e ações de complementação diagnostica e terapêutica. Foram aplicadas 108 milhões de doses de vacina, alem da cobertura em Vigilância Sanitária e em Vigilância Epidemiológica para todos os 211 milhões de moradores do Brasil, os SUS e os não SUS.

Prestam assistência aos usuários do SUS 93.108 estabelecimentos de saúde, entre hospitais, postos e centros de saúde, das redes federai, estaduais, municipais e privados filantrópicos e beneficentes. Cerca de 2,5 milhões de profissionais se desdobram para cumprir suas tarefas nesses estabelecimentos, trabalho que somente ganhou visibilidade com a pandemia.

É esse SUS invisível, achincalhado quando desenvolve suas atividades quotidianas – tão importantes que acontecem todos os dias, que faz parte do dia–a-dia das pessoas, que passa a ser notado na situação atual. ‘E esse SUS que precisa ser reforçado, nos seus métodos de gestão, no seu orçamento, nos seus equipamentos, no seu modelo de atenção.

É preciso aproveitar esse momento para introduzir a estratégia da promoção de saúde e para discutir a mudança nas relações de trabalho de todos os recursos humanos do SUS. Mesmo que a implantação dessa mudança seja gradativa, por categorias profissionais e por município, por exemplo, urge criar como profissional do estado, a categoria de  trabalhador do SUS, para todos -médicos, sanitaristas, enfermeiros, odontologos, nutricionistas, técnicos, assistentes, agentes , todos mesmo, com horário integral e dedicação exclusiva, como forma de valorizar tanto o profissional, como sua atividade e principalmente o objeto de sua atuação, a pessoa.

A conhecida frase poética de Fernando Pessoa  “tudo vale a pena se a alma não é pequena” pode sintetizar um pouco daquele que tantas almas tinha que três ou quatro heterônimos não conseguiram conter. E é na alma que os médicos carregam suas esperanças e na ciência que carregam suas expectativas.

Mas nesses tempos estranhos de coronavirus onde carregam a morte que os acompanha a cada visita, a cada leito, a cada prescrição, a cada plantão? É no coração pesado, na mente assustada que deve se manter pronta, alerta aos menores sinais aos mais fugidios sintomas.

São esses profissionais do SUS que merecem os aplausos de hoje, mas que encerrada a pandemia não podem ser relegados ao esquecimento, para serem novamente enaltecidos numa próxima emergência.

Sylvain Levy é médico de Saúde Pública e Psicanalista.
Cid Pimentel (foto) é psicanalista e Consultor em Saúde é Membro da Comissão Organizadora da  8ª CNS.

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