Aldemario Araujo Castro

Chiquinho e o livrão

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“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto” (Rui Barbosa. Trecho de discurso proferido em 1914).

Francisco Carlos dos Santos, o Chiquinho, nasceu em 1964 na cidade de Água Boa, interior de Minas Gerais. Foi o sexto filho, de nove, de uma família humilde. Seu pai foi marceneiro e sua mãe “costurava para fora”. Nunca passou necessidade, mas a vida não foi nada fácil na infância e na juventude.

Como bom mineiro, Chiquinho era um ótimo observador. Ouvia insistentemente a conversa de que era preciso estudar, estudar muito, para “vencer na vida”. Entretanto, constatava muita gente de bem com a vida (“por cima da carne-seca”) por percorrer certos atalhos muito distantes dos estudos.

Chiquinho usou e abusou de todos esses atalhos para se dar bem (o máximo de vantagem com o mínimo de esforço). Cultivou com gosto certos valores tortos. Nunca se preocupou com o cumprimento das leis, ética e com prejuízos que pudesse causar a terceiros (familiares, amigos, colegas de trabalho, patrimônio público, etc, etc, etc). Chiquinho sempre foi um catálogo ambulante de condutas nocivas. Colou em provas, tomou empréstimos e não pagou, embolsou trocos a maior, realizou pequenos furtos, instalou gatos de todo tipo …

No final da década de 80, Chiquinho conseguiu, por indicação de um parente, uma colocação numa empresa em Brasília. A LG Logística e Serviços Gerais pertencia ao Deputado Distrital Luís Gama Ferreira da Silva. Praticamente todo o faturamento do empreendimento decorria de contratos (e pagamentos sem cobertura contratual) com o GDF (Governo do Distrito Federal).

Chiquinho cresceu dentro da empresa. Entendeu rápido como tudo funcionava. A força política do deputado garantia os contratos e os pagamentos. Certas figurinhas carimbadas eram indicadas para ocupar postos particularmente sensíveis na estrutura de algumas importantes secretarias. Essa gente era intocável. O rodízio de secretários era grande e eles permaneciam firmes e fortes. Esses operadores recebiam pelos cargos comissionados ocupados e ainda estavam na folha paralela da empresa.

Nesse contexto, o dia de Chiquinho chegou. O deputado fez uma proposta imperdível. Chiquinho seria demitido da empresa, permanecendo na folha paralela, e seria nomeado num cargo comissionado na Secretaria de Gestão de Aquisições. Na sequência, seria designado executor de vários contratos do GDF com a empresa LG Logística e Serviços Gerais. As atribuições de Chiquinho foram postas de forma clara. Deveria atestar, e viabilizar o pagamento, de fornecimentos inexistentes e a menor.

Chiquinho surfou a onda durante mais de dez anos. De bem com vida, desfilava com carrão do ano e morava em casa com piscina. De festa em festa, bebia todas e mais algumas. O faturamento da LG aumentava e os “dividendos” de Chiquinho acompanhavam a alta.

Qual o desfecho da “odisseia” de Chiquinho? A “casa” caiu ou vai cair? Reza a lenda que, perante a justiça terrena, alguns Chiquinhos dançam e outros tantos não. Mas, como disse a meus alunos durante 17 (dezessete) anos de atividades acadêmicas, do Livrão (da vida) ninguém escapa. Esse Livrão registra todos os atos positivos e negativos do vivente. No momento certo, o Livrão será lido e levantado o pertinente balanço. Suspeito, só suspeito, que Chiquinho (e sua turma), nesse momento crucial, não escapará da justiça indefectível. Afinal, “a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória” (aqui ou alhures).

Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e procurador da Fazenda Ncional.

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