Jorge Motta

Brasília capital da esperança

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Essa pandemia da COVID19 impõe condições de sobrevivência há toda a humanidade. A mais rigorosa, para mim, é a do isolamento social, com as suas consequências econômicas amplamente conhecidas em todo o Mundo, que independente de regimes e governos, ricos ou pobres todos estão sendo atingidos com milhões de mortos.

Estou cumprindo rigorosamente o isolamento social há 186 dias quando escrevo esse texto, até porque, me enquadro, nos grupos de risco em razão da minha idade.

Buscando não cair em depressão, tenho me refugiado nos livros, sem preocupação de escolha de autores ou temas específicos.

Artigo de autoria do ex- Presidente José Sarney, que está publicado aqui, no Diário do Poder, com o título O Livro e os ricos, aborda muito bem, como sempre, a importância dos livros. Sou seu leitor de carteirinha há muitos anos.

Acabei de ler o Livro “100 DISCURSOS HISTÓRICOS”, Editora Leitura, de Carlos Figueiredo. Poeta, contista, tradutor, especialista em estratégias de comunicação, ex-secretário da Participação e Descentralização do Estado de São Paulo, na administração Franco Montoro. É autor também dos livros de poesia ESTRANHA DESORDEM e GOLLARDOS, dentre outras obras de diversos gêneros.

Entendo que pela qualidade literária da obra, presto aos meus leitores boa informação, particularmente pelo conteúdo histórico dos discursos, transcrevo aqui a INTRODUÇÃO que o autor faz no livro:  “ Este livro não é filho da erudição, mas da necessidade. Em meu tipo de trabalho, que inclui a redação de discursos e artigos, como ghost writer, há muito tempo sinto necessidade de referências históricas em português que possam ser consultadas no calor dos acontecimentos. Para quem escreve textos políticos, é fácil imaginar a valia de um discurso como o de Péricles, defendendo há 2.500 anos, a democracia. Tornei-me assim, um colecionador de discursos. Daí para a ideia do livro foi um passo.

A primeira questão a enfrentar foi a definição do que era , de fato, um “discurso”. Felizmente o Dicionário Caldas Aulette veio em meu socorro ao definir discurso como “exposição de ideias, de viva voz ou por escrito; arrazoado”. Digo felizmente porque, não fosse assim, eu teria de eliminar, por excesso de rigor, as peças aqui incluídas de Camões, Colombo, H.G Wells, Freud ou Shakespeare. E isso eu não me perdoaria.

Levantei centenas de discursos, em mais de uma centena de livros e outras tantas na Internet. Escolhi aquilo que gostei. É claro que me vali da opinião de políticos, jornalistas, poetas e acadêmicos. Mas isso não os torna cúmplices tanto de acertos quanto de erros.

Não posso dizer que tenha sido consumido por este trabalho, que levou cerca de um ano, em sua etapa final. Poucas vezes senti tanto prazer, poucas vezes aprendi tanto. “ E as paixões, os impulsos e os tormentos e tudo o que define o ser terrestre”, como fala Drummond, na Máquina do Mundo, está aqui expresso, em discursos pronunciados ao longo da História, por seus protagonistas,

Finalmente quero confessar que há na escolha uma tendência. Inclui mais oradores brasileiros do que poderia parecer sensato a alguns. Como incluir um discurso de Rui Barbosa, por exemplo, ao lado de um discurso de Péricles? Porque são nossos discursos. E, se não lermos aqui, não os leremos em obras publicadas em outros países, que, aliás, privilegiam sobremaneira os oradores locais, sem dar a necessária atenção a discursos feitos alhures.

Essas são as explicações que creio ser meu dever prestar ao leitor.

Vamos agora zapear a História.

Assim termina ele a sua introdução.

Aos meus leitores nessa tribuna democrática, que é o Diário do Poder, escolhi entre os discursos publicados no Livro 100 DISCURSOS HISTÓRICOS, de Carlos Figueiredo, o proferido pelo Presidente Juscelino Kbitschek, em 21 de abril de 1960 , na inauguração de Brasília, que acaba de completar 60 anos, sem a devida comemoração, em razão dessa pandemia.

Juscelino foi um grande defensor da DEMOCRACIA e fez a integração do Brasil ao cria a nova capital do País, que ANDRÉ MALRAUX-, viu em Brasília a Capital da Esperança.

Eis a integra do discurso do Presidente JK: “ Não me é possível traduzir em palavras o que sinto e o que penso nesta hora, a mais importante de minha vida de homem público. A magnitude desta solenidade há de contrastar por certo com o tom simples de que se reveste a minha oração.

Dirigindo-me a todos os meus concidadãos, de todas as condições sociais, de todos os graus de cultura, que, dos mais longínquos rincões da Pátria, voltais os olhos para a mais nova das cidades que o governo vos entrega, quero deixar que apenas fale o coração do vosso Presidente.

Não vos preciso recordar, nem quero fazê-lo agora, o mundo de obstáculos que se afiguravam insuportáveis para que o meu governo concretizasse a vontade do povo, expressa através de sucessivas constituições, de transferir a Capital para este planalto interior , centro geográfico do País, deserto ainda há poucas dezenas de meses.

Não nos voltemos para o passado, que se ofusca ante esta profusa radiação de luz que outra aurora derrama sobre a nossa Pátria. Quando aqui chegamos, havia na grande extensão deserta apenas o silêncio e o mistério da natureza inviolada. No sertão bruto iam-se multiplicando os momentos felizes em que percebíamos tomar formas e erguer-se por fim a jovem Cidade. Vós todos, aqui presentes, a estais vendo, agora, estais pisando as suas ruas, contemplando os seus belos edifícios, respirando o seu ar, sentindo o sangue da vida em suas artérias.

Somente me abalancei a construí-la quando de mim se apoderou a convicção de sua exeqüibilidade por um povo amadurecido para ocupar e valorizar plenamente no território que a Providência Divina lhe reservara. Nosso parque industrial e nossos quadros técnicos apresentavam condições para traduzir no betume, no cimento e no aço as concepções arrojadas da arquitetura e do planejamento urbanístico, modernos.

Surgira uma geração excepcional, capaz de conceber e executar aquela “arquitetura em escala maior, a que cria cidades, e,não, edifícios”,como observou um visitante ilustre. Por maior que fosse, no entanto, a tentação de oferecer oportunidade única a esse grupo magnífico, em que se destacam Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, não teria ela bastado para decidir-me a levar adiante, com determinação inflexível, obra de tamanha envergadura.

Pesou, sobretudo, em meu ânimo, a certeza de que era chegado o momento de estabelecer o equilíbrio do País, promover o seu progresso harmônico, prevenir o perigo de uma excessiva desigualdade no desenvolvimento das diversas regiões brasileiras, forçando o ritmo de nossa de nossa interiorização.

No programa de metas do meu governo, a construção da nova Capital representou  o estabelecimento de um núcleo, em torno do qual se vão processar inúmeras realizações outras, que ninguém negará fecundas em consequências benéficas para a unidade e a prosperidade do País.

Viramos no dia de hoje uma página da História do Brasil. Prestigiado, desde o primeiro instante, pelas duas Câmaras do Congresso Nacional e amparado pela opinião publica, através de incontável número de manifestações de apoio, sinceras e autenticamente patrióticas, dos brasileiros de todas as camadas sociais que me acolhiam nos pontos mais diversos do território nacional, damos por cumprido o nosso dever mais ousado; o mais dramático dever.

Só nos que não conheciam diretamente os problemas do nosso Hinterland percebemos, a princípio, dúvida, indecisão. Mas no País inteiro sentimos raiar a grande esperança, a companheira constante em toda esta viagem que hoje concluímos; ela amparou-nos a todos, a mim e a essa esplêndida legião que vai desde Israel Pinheiro, cujo nome estará perenemente ligado a este cometimento, até ao mais obscuro, ao mais ignorado desses trabalhadores infatigáveis que tornaram possível o milagre de Brasília.

Em todos os instantes nas decepções e nos entusiasmos, levantando o nosso ânimo e multiplicando as nossas forças, mais de que qualquer outro amparo ou guia, foi a Esperança valimento nosso. Um homem, cujos olhos morreram e ressuscitaram muitas vezes na contemplação da grandeza – aludo, novamente, a André Malraux -, viu em Brasília a Capital da Esperança.

Seu dom de perceber o sentido das coisas e de encontrar a expressão justa fê-lo sintetizar o que nos trouxe até aqui, o que nos deu coragem para a dura travessia, que foi a substância, a matéria- prima espiritual desta jornada. Olhai agora para a Capital da Esperança do Brasil. Ela foi fundada, esta cidade, porque sabíamos estar forjada em nós a resolução de não mais conter o Brasil civilizado numa fímbria ao longo do oceano, de não mais vivermos esquecidos da existência de todo um mundo deserto, a reclamar posse e conquista.

Esta cidade, recém-nascida, já se enraizou na alma dos brasileiros; já elevou o prestígio nacional em todos os continentes; já vem sendo apontada  como demonstração pujante da nossa vontade de progresso, como índice do alto grau de nossa civilização; já a envolve a certeza de uma época de maior dinamismo, de maior dedicação ao trabalho e à Pátria, despertada, enfim,para o seu irresistível destino de criação e de força construtiva.

Deste Planalto Central, Brasília estende aos quatro ventos as estradas da definitiva integração nacional: Belém, Fortaleza, Porto Alegre, dentro em breve o Acre. E por onde passam as rodovias vão nascendo os povoados, vão ressuscitando as cidades mortas, vai circulando, vigorosa, a seiva do crescimento nacional.

Brasileiros! Daqui, do centro da Pátria, levo o meu pensamento a vossos lares e vos dirijo a minha saudação. Explicai a vossos filhos o que está sendo feito agora. É sobretudo para eles que se ergue esta cidade síntese, prenúncio de uma revolução fecunda em prosperidade. Eles é que nos hão de julgar amanhã.

Neste dia – 21 de abril – consagrado ao alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, ao centésimo trigésimo oitavo ano da Indepen dência e septuagésimo primeiro da República, declaro, sob a proteção de Deus, inaugurada a Cidade de Brasília, Capital dos Estados Unidos do Brasil.

Jorge Motta é jornalista

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