Armando Ribeiro Araújo

Aprendendo com outros países

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Muito frequentemente os brasileiros se tomam de emoções ufanistas e depois caem em verdadeira depressão coletiva com emoções negativas. Como tive oportunidade de viajar bastante e conhecer muitos países, escrevi umas notas com o que aprendi com esses povos.

Decidi agora fazer um outro exercício. Vou descrever os avanços do Brasil desde sua independência e logo a seguir fazer o mesmo com cinco países: Nova Zelândia, Irlanda, Finlândia, Singapura, Argentina e Coreia do Sul. Todos esses países foram colônia e na época de suas independências tinham níveis muito baixos em todos os índices de desenvolvimento e qualidade de vida.

Iniciemos pelo BRASIL. Nossa independência foi no ano 1822, portanto há 199 anos. Passamos por um período de monarquia e nos transformamos em uma república em 1889. Muitos identificam que nossos problemas de devem ao fato de termos sido colonizados. Outros defendem o período de colônia pois devido ao governo local criado pelos portugueses o Brasil continuou unido formando um único país, enquanto a parte da colonização espanhola resultou em uma serie de países. Eu pessoalmente não atribuo nada a colonização. Todo colonizador sempre busca única e exclusivamente tirar da colônia o máximo que possa de seus recursos naturais e impor impostos e captura do comercio internacional.

Porém, temos um grande problema no Brasil. Depois de 199 anos de se tornar um país independente, o Brasil ainda enfrenta muitas dificuldades. Nossa renda per capta é de apenas 9.439 US$/capta, ficando no sexagésimo primeiro lugar no ranking das nações. O nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de apenas 0,765, e estamos na posição 84 no ranking das nações. O IDH  é uma medida comparativa de riquezaalfabetizaçãoeducaçãoexpectativa de vidanatalidade e outros fatores para os diversos países do mundo. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população. Em termos de Educação, os países se comparam pelos resultados do PISA (Program for International Student Assessment) e nosso índice é de 413 pontos ficando atrás de 56 outros países ( o maior índice foi 590 da China). A desigualdade é outra característica de nossa sociedade. O índice GINI é o indicador que melhor mede de forma comparativa a desigualdade existente dentro de um país; quanto mais alto o índice (o mais perto de UM), maior o nível de desigualdade no país. Nosso índice está em 0,539. Finalmente, outra praga que prejudica o progresso é a corrupção. O indicador é o índice da Transparência Internacional e nosso índice é 40 (numa escala de 0 a 100, quanto menor o índice maior o nível de corrupção) estando na posição 79 no ranking. Um novo índice de prosperidade (LEGATUM) computado de forma globalizada entre 167 nações medindo elementos de política nas áreas institucional, econômica e social através de 300 indicadores para cada país. No último índice LEGATUM o Brasil foi classificado na septuagésima posição

Portanto ainda temos muito que melhorar. Mas vejamos como esses outros países evoluíram.

NOVA ZELANDIA: A Nova Zelândia foi colônia da Inglaterra de 1832 a 1947 quando a independência foi declarada, embora ela continue a fazer parte do Commonwealth do Reino Unido. Durante o período colonial e mesmo depois da independência era um país atrasado, burocrático, o governo se metia em tudo. Fazer negócio era um pesadelo. Protecionista, com regulação de preços, código tributário complicado.  A partir da década de 1980, o país liberou a economia, reduziu drasticamente o número de empregados públicos. O governo manteve sob sua tutela apenas saúde, educação e segurança. O país deslanchou. Hoje possui  nível de desenvolvimento igual aos países nórdicos. E é o melhor país para fazer negócios no mundo. E tem índice de desenvolvimento elevado.

Os índices comparativos atuais são: Renda per capta, 42.711 US$, ranking na posição 22 entre outros países; IDH de 0,931 ranking na posição 14; GINI de 0,325 ; Corrupção nível 90,  colocado na posição 1, ou seja, o país com menor nível de corrupção; Índice PISA de educação 506, ranking na posição 10; e no índice LEGATUM de prosperidade a Nova Zelândia foi classificada na sétima posição.

IRLANDA: A Irlanda tornou-se independente em 1922 depois de uma guerra de independência, sendo que a parte norte do país foi mantida ligada a Inglaterra. Nessa época a Irlanda tinha níveis de país de terceiro mundo com  90% da economia baseada em produtos agrícolas. Logo após a independência o país tinha apenas um parceiro comercial, a antiga matriz, Inglaterra.

A economia ficou estagnada e afundou com a crise de 1929. O governo de então, adotou princípios econômicos em uso, na época, pelos países comunistas. Criaram-se empresas estatais, implantou-se o protecionismo, altíssimos impostos e proibição da entrada de capital estrangeiro com objetivo de industrializar o país. Resultou numa grande recessão e fuga das pessoas que emigraram para outros países, principalmente os EUA. A população caiu de 8 para 4 milhões. A indústria não cresceu pois não tinha recursos naturais e o país estava isolado.

Em 1957 o governo muda de política, inicia a desestatização, abre a economia para investimentos estrangeiros e implanta educação gratuita e inicia sua entrada na União Europeia. Mas devido à crise do petróleo, gastos exagerados do governo, corrupção elevada e carga tributária de 60% sobre salários levaram o país a pior crise da história com desemprego de 19% e a maior dívida per capta do mundo.

Veio um novo governo que cria um programa de corte de gastos, eliminação de burocracia, corte de impostos (redução nas empresas de 40% em 1996 para 12.5 % em 2003) expansão e recuperação do ensino superior. Fomentou a criação de conhecimento técnico criando o Tigre Celta de Tecnologia. Com essas medidas de abertura econômica, investimento em educação e tecnologia resultou um crescimento do PIB de 9% a 10% ao ano entre 1995 a 2000 e desemprego de apenas 4%. Com investimento em educação, criação de alta capacidade tecnológica, estabilidade econômica, pouca burocracia e baixos impostos, os investidores vieram. A Irlanda virou a porta de entrada da Europa para empresas estrangeiras que representaram 51% das exportações do país em 2003.

Os índices comparativos atuais são: Renda per capta, 81.477 US$, ranking na posição 4 entre outros países; IDH de 0,955 ranking na posição 2; GINI de 0,320 ; Corrupção nível 73,  colocado na posição 19; Índice PISA de educação 518, ranking na posição 6; e no índice LEGATUM de prosperidade a Irlanda foi classificada na decima segunda posição.

FINLANDIA:  O país foi uma parte da Suécia e em 1809 passou a fazer parte do Império Russo. A Declaração de independência da Finlândia foi feita em 1917 e foi seguida por uma guerra civil e guerras contra a União Soviética e a Alemanha nazista.

O país teve um atraso relativo no seu processo de industrialização, permanecendo como um país essencialmente agrário até os anos 1950. Posteriormente, o desenvolvimento econômico foi rápido e o país atingiu um dos melhores níveis de renda e qualidade de vida do mundo já na década de 1970. Entre 1970 e 1990, a Finlândia construiu um Estado de bem-estar social.

Depois de uma depressão econômica no início de 1990, os sucessivos governos do país reformaram o sistema econômico finlandês, mantendo entretanto um papel do Estado preponderante, servindo tanto como financiador de empresas privadas como sendo ele próprio um stakeholder, através de empresas públicas muito eficazes. O sistema de bem-estar social que é uma tradição de estado impediu que as experiências de privatizações e desregulamentação econômica europeias fossem plenamente incorporadas na Finlândia

A Finlândia sendo um pais de muito pouca riqueza natural, e que foi colônia de outras nações e teve sua liberdade há apenas 103 anos conseguiu ter hoje uma economia desenvolvida com um PIB per capita de 52.320 US$, igual ao de outras economias europeias. Esse crescimento em um século na verdade iniciou por uma revolução no sistema de ensino, que levou o país a ter hoje o melhor sistema de ensino do mundo. Isso resultou em um crescimento do PIB de US$ 5,2 bilhões em 1960 para US$ 280 bilhões em 2018.

Os índices comparativos atuais são: Renda per capta, US$ 52.320, ranking na posição 14 entre outros países; IDH de 0,938 ranking na posição 11; GINI de 0,274; Corrupção nível 89, segundo colocado entre os países de menor corrupção; Índice PISA de educação 520, ranking 5; e no índice LEGATUM de prosperidade a Finlândia foi classificada na quinta posição.

Assim a Finlândia é um exemplo que demonstra que riqueza natural ajuda mas não é necessária isoladamente para fomentar o progresso. No entanto, educação e sistema adequado de governo podem ser as bases para desenvolvimento

ARGENTINA: A Argentina é um país de grande potencial econômico e turístico.  Na década de 1940 era a quarta economia do mundo com renda per capta superior à da França, Alemanha e Japão e cinco vezes a do Brasil.

Até 1930 a economia argentina se baseava em produtos agrícolas e o boom dessas comodities elevou a renda dos Argentinos. Argentina era a economia mais avançada da América Latina.  Esse crescimento incentivou investimentos esternos e grande imigração de europeus. A crise de 1929 afetou muito o país. O preço das comodities baixou e o país não tinha industrias e dependia basicamente da exportação de carne e produtos agrícolas.

Em 1943 foi eleito Domingos Peron que adota políticas protecionistas, nacionaliza várias empresas e instala políticas populistas que resultaram em altos gastos do governo sem contrapartida de arrecadação. Mesmo depois da saída de Peron as políticas populistas e de fechamento da economia continuaram. Com isso a economia do país sofreu enorme deterioração.

Os índices comparativos atuais são: Renda per capta, 8.805 US$, ranking na posição 64 entre outros países; IDH de 0,836 ranking na posição 40; GINI de 0,412 ; Corrupção nível 36,  colocado na posição 95 entre os países de menor corrupção; Índice PISA de educação 402, ranking na posição 63; e no índice LEGATUM de prosperidade a Argentina foi classificada na sexagésima terceira posição.

Portanto a história da Argentina mostra que em um país com bastante riquezas naturais, povo com bom nível de educação, clima temperado, inclusive já tendo alcançado muito bom nível de desenvolvimento, a implantação de políticas inadequadas, populistas com objetivos pessoais e/ou de curto prazo, podem levar o país a pioras consideráveis no nível de vida de sua população.

COREIA.  A Coreia é uma das civilizações mais antigas do mundo. Mas através do tempo, tem tido numerosas invasões tanto chinesas quanto japonesas. No século XX a Coreia passou a ser parte do domínio japonês (1910-1945). No final da Segunda Guerra Mundial, as forças japonesas se renderam às forças da União Soviética, que ocuparam o norte da Coreia, e dos Estados Unidos, que ocuparam a parte sul. Assim em 1948 surgem duas novas entidades que permanecem até hoje: a Coreia do Norte e a Coreia do Sul.

Logo a seguir essas duas Coreias entraram em guerra que durou de 1950 a 1953.  Portanto podemos dizer que a Coreia que hoje conhecemos iniciou sua trajetória independente somente na metade da década de 1950. Logo depois no início da década de 1960 o governo foi tomado por um golpe militar e implantada uma ditadura que durou até 1979 seguida de outro período tumultuado de golpes. Apenas em 1987 a Coreia teve sua primeira eleição livre.

A Coreia do Sul foi um dos países mais pobres do mundo (década de 1950 e 60). O PIB per capita, que era apenas de US$ 100 em 1963, chega hoje a US$ 33.495. As reformas econômicas começaram na década de 1960 com ênfase na exportação e desenvolvimento de indústrias leves. O governo também promoveu uma reforma financeira, ajustando as instituições, e introduziu planos econômicos flexíveis. Nos anos da década de 1970 a Coreia do Sul começou a destinar recursos para a indústria pesada e indústria química, bem como as indústrias eletrônica e de automóveis. A indústria continuou seu rápido desenvolvimento na década de 1980 e começo da década seguinte.

Como resultado do forte investimento em educação, ciência e pesquisas, entre fins dos anos 1990 e começo do século XXI, a prioridade passou para tecnologia e a Coreia ultrapassou o Japão e de Taiwan, passando a dominar internacionalmente o setor de semicondutores e tecnologia da informação. Os gigantes da indústria coreana, Samsung e LG, rapidamente ultrapassaram a Sony como líderes no campo da tecnologia da informação. Os telefones celulares e televisões de tela plana da Coreia do Sul estão hoje entre os mais vendidos do mundo.

Os índices comparativos atuais são: Renda per capta de 33.495 US$, ranking na posição 26 entre outros países; IDH de 0,916 ranking na posição 23; GINI de 0,316 ; Corrupção nível 53,  colocado na posição 52 entre os países de menor corrupção; Índice PISA de educação 514, ranking na posição 7; e no índice LEGATUM de prosperidade a Coreia foi classificada na vigésima oitava posição.

SINGAPURA. Singapura foi colônia Inglesa de 1819 a 1965. Na época da independência era um dos países mais pobres do mundo. Com população de 2 milhões habitantes sem agricultura e sem recursos naturais, a ex-colônia britânica foi ocupada pelo Japão na segunda guerra. Após sua liberação, em 40 anos houve uma verdadeira revolução e hoje tem a sexta renda per capta do mundo.

Em 1960 a renda per capta era de 428 US$ hoje 65.233. Apesar da localização privilegiada para comercio internacional, nada ocorreu até metade da década de 1960 quando o governo adotou política de incentivo a atração de capitais externos para industrialização baseada em baixos salários.

Implantaram uma ditadura que dava segurança política aos investidores e mantinha salários baixos. Várias multinacionais implantaram fabricas e o país passou a ser grande exportador. Porem o governo aproveitou essa industrialização e criou um FUNDO com taxa paga pelas empresas de 10% dos salários. Esse fundo administrado pelo governo se destinou a aposentadorias, educação, saúde e infraestrutura.

Mais tarde o governo criou estatais  para áreas estratégicas como: Banco Nacional, Companhia de Aviação, Companhia de Navegação, e na área de Infraestrutura. Limitou gasto público e privatizou as empresas não estratégicas.

Houve muito progresso e na metade de 1970 os salários estavam superiores aos de outros países asiáticos. O governo então mudou a estratégia com incentivos para criação de centros de treinamento e implantação de indústria de alta tecnologia e investiu massivamente em escolas e faculdades. Criou também um fundo com 4% dos salários para capacitação dos trabalhadores que já tinham saído da universidade (para automação, robótica e biotecnologia).

Essas ações, e a criação de um fundo de capitais para financiar startups de alta tecnologia, resultou em multiplicar por DEZ as exportações de TI. Na década de 90 assinaram acordos com a Malásia e a Indonésia para fabricar partes de menor importância nesses países de menor salário. Criaram também o setor TURISMO que tem atraído 17 milhões visitantes por ano (3 vezes a população). Hoje seu porto é o segundo de maior movimento no mundo.

Os índices comparativos atuais são: Renda per capta de 62.690 US$, ranking na posição 9 entre outros países; IDH de 0,938 ranking na posição 11; GINI de 0,380 ; Corrupção nível 84,  colocado na posição 7 entre os países de menor corrupção; Índice PISA de educação 550, ranking na posição 2; e no índice LEGATUM de prosperidade a Singapura foi classificada na decima quinta posição.

RESUMO:

Os seis países aqui discutidos foram colônias e se libertaram a menos de cem anos, exceto Brasil e Argentina. Todos estavam em situação econômica péssima na época da independência, sendo que a situação do Brasil ainda era um pouco melhor. Exceto Brasil e Argentina, todos prosperaram e hoje possuem excelentes níveis de renda, qualidade de vida, educação. Todos iniciaram com economia agraria mas investiram em educação, ciência e tecnologia e hoje praticam economia avançada, com políticas adequadas sem populismo, exceto Brasil e Argentina que mantiveram sua base econômica na agricultura e persistem em políticas populistas e economias fechadas.

O sucesso desses países demonstra que o Brasil pode sim melhorar e muito desde que adote as políticas adequadas, incentive a educação e pesquisa e termine com o populismo.

O quadro abaixo resume a comparação dos diversos índices para esses países:

Armando Ribeiro de Araújo é carioca, Engenheiro Eletricista formado pela UFRJ com Mestrado pelo Illinois Institute of Technology e Doutorado pela Universidade Federal de Itajubá.  Tem 55 anos de experiência profissional com atuação no Brasil e em vários países.  Atualmente é Consultor Individual com contrato com o Banco Mundial e outras entidades.

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