Beyla Esther Fellous

Após 20 anos de namoro, Mercosul e UE contraem núpcias

acessibilidade:

Há mais de vinte anos, MERCOSUL e União Europeia, segundo maior destino das exportações do bloco latino-americano, negociam um acordo de associação inter-regional, voltado não apenas ao livre comércio e formação de um mercado consumidor de 780 milhões de pessoas, mas também, à ampliação da cooperação e do diálogo político, um acordo multidimensional, do tipo misto, sob o ponto de vista comunitário.

Os números impressionam. O Brasil exportou mais de US$ 42 bilhões para a UE em 2018. MERCOSUL exportou US$ 90 bilhões. A soma do PIB dos dois blocos alcança a impressionante cifra de US$ 20 trilhões de dólares, ou seja, cerca de 25% da economia global. A União Europeia é também o principal investidor estrangeiro no MERCOSUL (US$ 433 bilhões em 2017).

Historicamente, guardadas as devidas proporções, o processo de integração do MERCOSUL, embora bem mais modesto, inspirou-se, desde o início, no modelo europeu, por não se limitar ao plano comercial, mas incluir questões políticas e democráticas subjacentes. A Europa sempre considerou o MERCOSUL como um parceiro estratégico na região.

Paradoxalmente, enquanto as negociações com o MERCOSUL ficaram bloqueadas por anos, a Europa concluiu acordos preferenciais de última geração, de natureza associativa, bilateralmente, com o Chile em 2002 e com o México em 1997, por inexistência das mesmas sensibilidades setoriais e pelo risco de deixá-los a mercê da forte influência norte-americana. Chile e México desfrutam de um tratado de livre comércio com os EUA e um acordo de associação com a União Europeia. Vale dizer que os Estados Unidos celebram acordos puramente comerciais, enquanto a União Europeia prevê além do livre comércio, a cooperação e o diálogo político.

A celebração do acordo com o MERCOSUL arrastou-se por duas décadas, por razões endógenas e exógenas que vão desde as crises institucionais e políticas do MERCOSUL até a resistência de setores agrícolas europeus.

A União europeia é o maior importador agrícola do mundo e o Brasil o segundo maior exportador desses produtos ao bloco europeu, daí a importância de obter melhores condições de acesso. Neste setor, a entrada de novos membros do leste europeu no bloco estimulou a reformulação de mudanças da política agrícola comum europeia (PAC), setor sensível e resistente ao acordo com o Mercosul.

Estamos diante de um momento histórico e de relevante potencial de crescimento econômico-comercial, se considerarmos que esse acordo permite alcançar mais de 90% em cestas de desgravação variantes entre zero, quatro, sete e dez anos. A abertura será, portanto, gradual e previsível, permitindo um planejamento do setor produtivo.

Nesse cenário, cabe ao Brasil fazer as reformas estruturais internas que garantam competitividade, para ampliar as exportações e aproveitar ao máximo esse acesso privilegiado a mercados, de modo a atingir um crescimento econômico sustentável.

Alguns produtos, como café torrado e o solúvel terão tarifas eliminadas ao longo do tempo, outros receberão cotas ampliadas, como no caso das carnes e outros terão tratamento misto de cotas e desgravação como no caso do suco de laranja.

No setor industrial, as tarifas serão totalmente eliminadas em até 15 anos, com destaque para produtos químicos, máquinas, equipamentos, automotivo, têxteis, calçados e metais.

Há previsão específica de benefícios às micro e pequenas empresas (PMEs), com mecanismos para impulsionar e facilitar a internacionalização, por meio de parcerias, joint ventures, assistência técnica e financeira, além de transferência de know how.

Além dos aspectos comerciais, o acordo prevê um estreitamento de cooperação em temas estratégicos, como ciência tecnologia, inovação, infraestrutura, educação, direito do consumidor, energia, cibersegurança, combate ao terrorismo, ao crime organizado e à corrupção. Há um reforço do compromisso brasileiro nas áreas do meio ambiente, desenvolvimento sustentável, incluindo o Acordo de Paris e a Agenda 2030.

A assinatura do acordo de associação UE-MERCOSUL não produz efeitos imediatos, pois deverá ser ratificado pelas partes. Na União Europeia, a Comissão envia o acordo ao Conselho e em seguida ao Parlamento europeu. Em matéria comercial, de competência exclusiva da Comissão, o acordo pode entrar em vigor provisoriamente, após aprovação do Parlamento europeu e ratificação dos países do MERCOSUL. Nos demais temas exige-se assinatura e aprovação dos 28 Estados-membros do bloco.

Deve-se ter em vista que como em todo acordo comercial, o resultado é a ampliação do comércio recíproco, com queda progressiva de barreiras e acesso do consumidor brasileiro a produtos importados, como vinho, queijos e chocolates a preços menos carregados de tributos, ou seja, mais acessíveis.

Ademais, o acordo deve gerar adoção de critérios europeus de segurança, como no caso dos agrotóxicos proibidos na Europa e utilizados por aqui. A produção de carne brasileira, maior exportadora do mundo deverá instalar o modelo de traçabilidade completa. O produtor brasileiro, que quiser beneficiar-se da abertura, deverá adaptar-se aos mais altos padrões de proteção à saúde humana, consequentemente, o cidadão brasileiro restará mais protegido no mercado interno que tende a harmonizar as regras aplicáveis ao consumo em standard europeu.

Para o Secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia Marcos Troyjo, um dos principais articuladores do acordo com a União Europeia, este acordo é parte de uma estratégia de abertura e inserção nas cadeias globais que pode acelerar outras negociações em curso. Se por um lado, a aproximação brasileira com os Estados Unidos impulsionou a celebração do acordo com a União Europeia, receosa de perder influência na região, a sua conclusão certamente irá estimular a celebração de outros acordos, inclusive com os Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul, Canadá, entre outros.

Depois de um longo namoro, de idas e vindas, finalmente, voilà, chegou o dia do casamento, com uma festa espetacular e cheia de fartura: regada a vinhos franceses, queijos portugueses, pasta italiana e o melhor chocolate belga de todos os tempos.

Beyla Esther Fellous é mestre em direito internacional pela USP, mestre em direito comunitário europeu pela Univ. Paris 1 – Sorbonne, doutora em direito público pela Sorbonne Nouvelle. Sócia da Francisco Rezek Advogados. Professora e Diretora de programas no CEU LAW SCHOOL em São Paulo.

Reportar Erro