Ney Lopes

Apelo ao Presidente e carta ao filho derrotado

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Permitam-se os internautas publicar a carta que fiz para o meu filho, vereador de Natal, Ney Lopes de Souza Júnior, candidato à reeleição.

Não é apenas a solidariedade de um pai. Mas, sobretudo, o retrato 3×4 da melancólica realidade política, eleitoral e partidária do país.

Começo formulado um apelo ao Presidente Jair Bolsonaro, que foi eleito “contra tudo e contra todos” e mostrou força de vontade e coragem ao enfrentar o caótico sistema político brasileiro. Mas, a sua vitória não foi suficiente para consolidar as mudanças urgentes e inadiáveis do nosso processo eleitoral. Vejam-se que as dificuldades enfrentadas são decorrentes dos “vícios” perdurados.

Por tal razão, já quase passa a hora do Presidente Bolsonaro abrir o debate nacional sobre uma reforma política, eleitoral e partidária no Brasil.

Se assim não agir, certamente perdurará a “ilegitimidade” dos eleitos, sobretudo para o Legislativo.

O apelo que faço é que não adie, Presidente.

Dê o primeiro passo para uma cirúrgica reforma política no Brasil, que abra oportunidades para a renovação verdadeira dos nossos quadros políticos e partidários.

Da forma como está nenhuma mudança, nem mesmo na economia. dará resultado. Com certeza serão viciadas pelos “cartéis” dos interesses de grupos.

Alguns dirão que o Congresso atual não tem representatividade para debater esse tema. É o caso de afirmar, que a Covid sendo mortal, não adiantaria buscar a cura.

É necessário começar. Sair do imobilismo.

Havendo resistências, boicotes, bloqueios dos “donos dos partidos” caberá ao governo dar “nomes aos bois” e mostrar à opinião pública quem é contra.

Se no final, a população aprovar aqueles que impedem as mudanças, tudo bem.

O governo terá pelo menos tentado.

Passeis 24 anos na Câmara dos Deputados. Os anais mostram as tentativas de mudanças que iniciei, sobretudo na legislação eleitoral. Faltava apoio até do meu partido (PFL).
Quando o meu filho, Ney Lopes Jr, mostrou desejo de ingressar na vida pública recomendei que se preparasse antes.

Em 2001, durante a catástrofe das “torres gêmeas”, ele estava em Washington DC. Fazia Mestrado na “American University” em Direito Econômico Latino Americano. O seu desejo era somar conhecimentos para o exercício responsável da política.

Ao final do curso foi convidado para trabalhar no BID, onde estagiou.
Preferiu voltar à Natal e servir a cidade como Vereador

Ele sempre usou o mandato para legislar e fiscalizar os atos do executivo, como manda a Constituição e fez uma “campanha” prestando contas.

Diante do resultado da eleição do último domingo, escrevi a Ney Jr a carta a seguir transcrita:
Caro Ney Júnior,

Você tentou servir a Natal como vereador. Não conseguiu reeleger-se.

Deus existe e sabe o que faz. Cultive a humildade cristã.

Aprenda com a derrota. Sei que é um idealista. Usou o mandato para propor e aprovar 56 leis, todas em vigor, protegendo e servindo à população.

Preparou-se para discutir a revisão do Plano Diretor de Natal, que será aprovado em 2021 e tornará Natal mais saudável, ou mais caótica. A maioria dos seus concorrentes levava na galhofa o seu estilo de fazer política e dizia que serviços prestados não elegem ninguém. Eles realmente tinham razão.

Enfrentou pneumonias e depois Covid. Internou-se duas vezes nas UTIs do São Lucas e Hospital do Coração. Sofreu sequelas, curou-se e prosseguiu na luta. Os adversários maldosos (e até correligionários) espalhavam que não teria condições de saúde para exercer o mandato. Mesmo assim, você não se intimidou.

O resultado mostrou, que praticamente acabou o voto de opinião, dado em função do trabalho realizado, ou propostas sérias. Com muitos percalços consegui aglutinar no passado esse voto e por isso cheguei seis vezes ao Congresso Nacional. Gratifica-me ainda hoje encontrar depoimentos de pessoas, dizendo que se formaram graças ao crédito educativo (hoje FIES), que criei como deputado federal, em 1975.
Deixei-lhe a herança política do dever cumprido. Como não usei o mandato para amealhar “moedas” foi impossível “mobilizar” votos para você.

Em nosso relacionamento, eu e a sua mãe mostramos o valor da virtude, que inspira a força moral, indispensável ao sucesso.

Quando se iniciou na política, lembrei-lhe os conselhos do general Robert E. Lee ao seu filho: “Seja franco; a franqueza é filha da coragem e da honestidade. Diga o que pretende fazer em todas as ocasiões e se certifique de fazer o que é correto. Não permita que eu e sua mãe tenhamos um só fio de cabelo branco por qualquer falha de sua parte no cumprimento do dever”.

A única forma de honrar o voto popular é cultuar esses valores. Sei que você honrou nos seus mandatos. Ensinei-lhe ter fidelidade aos verdadeiros Amigos, que são aqueles das estradas, dos acenos, do anonimato, do reconhecimento pelo trabalho, da admiração gratuita. Alguns até nunca sequer apertaram a sua mão. Cultue esses, porque a grandeza humana não convive com mágoas, revolta e ingratidões.

Diante da decepção do resultado eleitoral, após tanto esforço que fez para acertar, siga o provérbio chinês: “acenda uma vela, em vez de amaldiçoar a escuridão”.

Fora da política, nunca decepcione quem acreditou em você. Jamais seja ingrato com quem lhe ajudou de boa-fé. A ingratidão é a perversão do caráter.

O meu conselho é que deixe a política.

Exerça as profissões que se habilitou: advogado e jornalista. Um dia, se houver reforma eleitoral no país, que garanta pelo menos o candidato avulso, poderá tentar concretizar os seus ideais. Mas, com os métodos e “práticas” atuais é praticamente impossível você ganhar, seguindo os valores que lhe recomendei. Infelizmente, a realidade eleitoral revela as lágrimas da nossa democracia.

Não se arrependa de ter tentado.

Theodore Roosevelt já afirmou: “É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfo, mesmo se expondo à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito, que nem gozam muito, nem sofrem muito, porque vivem numa penumbra cinzenta, que não conhece vitória nem derrota”.

A propósito, recordo a visita que fiz, em companhia da sua mãe, ao santuário de Madre Teresa de Calcutá, em Skopje, Macedônia do Norte. Lá estava escrito: “Ontem se foi. O amanhã ainda não chegou. Nós temos apenas hoje. Comecemos”.

Fora da política, formaremos ”mutirão” para “começar” com você: eu, sua mãe, sua avó, sua esposa, sogra, suas irmãs, sobrinhos, tios, primos, cunhados, familiares, amigos sinceros. Agradeça a eficiente e honesta equipe, que lhe assessorou.

Mesmo derrotado, continue amando e querendo bem a Natal, ao RN e ao Brasil.

Se de um lado existem as traições e felonias, de outro há a recompensa dos gestos de gratidão e solidariedade.

Repita Vinicius: “a gente não faz amigos, reconhece-os”

Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal, Professor de Direito Constitucional da UFRN – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br

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