Faveco Corrêa

Angu-de-caroço

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Fuzuê, pepino, abacaxi, trem sem jeito, desordem, confusão, complicação, alguma coisa que alguém estaria escondendo…

Nesta última semana, o panorama do Brasil me lembrou o truque que os escravos utilizavam, colocando alguns pedacinhos de carne para melhorar a parca alimentação que recebiam.

Começou com a denúncia feita pelo jornalista Claudio Humberto sobre a PEC do Fraldão, a trama solerte entre legislativo e judiciário, já em curso, para permitir a “treleição” de Rodrigo Maia e reeleição Davi Alcolumbre e elevar para 80 anos a idade limite de permanência dos Ministros no STF, eles que já se aproveitaram da indecente PEC da Bengala que lhes deu mais 5 anos de sobrevida.

Esta nova excrescência, que nós, maioria silenciosa achamos que não pode se consumar, está em pleno cozimento em Brasília, forno de muitas das grandes sacanagens nacionais. Cuidado: estamos no Brasil, único país do mundo onde a perspectiva é pior do que a realidade, pelo menos por enquanto…

Trata-se de uma ardilosa tentativa de golpe em nossa frágil democracia que, de tão frágil, permite que coisas escabrosas como essa sejam discutidas e que voos inadmissíveis como esse decolem da mente doentia de alguns próceres da República, e que colidem frontalmente com os princípios do tal Estado de Direito que tanto apregoam.

Coitados dos que ainda pensam que as instituições estão funcionando a contento, o que não é o meu caso. Se for perpetrado tal crime de lesa pátria, terão que botar a viola no saco e procurar outro abrigo para o seu desencanto e perplexidade.

É claro que a nossa primeira reação à tal PEC do Fraldão foi de total incredulidade. Nossa, isso não vai passar. Até que o presidente da Câmara, quando perguntado se aceitaria um terceiro mandato, disse, com a maior cara de pau, que “se for consenso entre os pares, eu aceito”.

Como os trejeitos imperiais não lhe saem da cabeça, ele, que adorava ser chamado de Vice-Rei, e confiante de que a história se repete, reproduziu, quase 200 anos depois, a frase de Dom Pedro I, proferida em 9 de janeiro de 1822, que deu origem à independência do Brasil: “se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”.

Há quem diga que, diante das circunstâncias, o presidente do Senado, os 11 ministros do STF e ele, Rodrigo Maia, estão preparando seus fardões para assumir de vez que são imexíveis e imortais.

Enquanto isso, no Supremo, que se mete em tudo e não está nem aí para a separação dos poderes, tendo se transformado em um verdadeiro tribunal de pequenas causas, os ministros continuam julgando, a torto e a direito, na maioria das vezes monocraticamente, com o indispensável auxílio de quase 200 funcionários per capita.  A Corte acaba de ter o desplante de apresentar um orçamento para 2021 com mais de 25 milhões de aumento das despesas, demonstrando total descaso com a situação dramática que o país vive. Agora, que correm o risco de poder ficar por lá até os 80 anos de idade, devem estar pensando em criar mais um auxílio: uma verba para cuidadores…

Barbas de molho, minha gente: estamos no Brasil, onde tudo pode acontecer. Inclusive óperas bufas dessa natureza…

Outra notícia que nos deixou extremamente preocupados é que estaria em curso uma debandada dos liberais do governo engrossando a fileira dos que já deram no pé. A saída de Salim Mattar (meu velho e  prezado amigo), é sintomática: abre uma brecha na agenda de privatizações, que fazia parte do programa de governo do candidato Jair Bolsonaro. Salim destampou a tampa do bueiro que recolhe boa parte da sujeira que campeia no Planalto Central: “a política não quer privatizar nada”. Não querem perder a boca das mais de 600 empresas que o nosso estado leviatã vem acumulando ao longo dos anos, a maioria delas inúteis e deficitárias, mas que servem a propósitos eleitoreiros e demagógicos, além, claro, de serem conhecido palco de negociatas. Salim, empresário exitoso, levou 18 meses para descobrir que por lá o buraco é bem mais embaixo, e que pensar no futuro do Brasil não faz parte da agenda. O futuro está muito distante e as eleições municipais de novembro bem mais próximas. A tônica é: se a farinha é pouca, meu pirão primeiro. O resto que se dane. 

O presidente que saiu do Banco do Brasil, Rubens Novaes, alertou que falar em liberalismo é como anunciar que está infectado pelo coronavirus. Todo o mundo se afasta. 

A bem da verdade, o discurso de campanha do candidato Jair Bolsonaro nos encheu de esperanças. Mas, pelo andar da carruagem, parece que nosso sonho de ter um governo genuinamente liberal depois de 25 anos de socialismo, está com os dias contados: está indo ligeirinho pro brejo.

Uma pena, pois mais uma chance de modernizar o país para benefício dos seus habitantes pode estar sendo perdida.

Tudo indica que vamos ter que nos contentar com angu-de- caroço.

Faveco Corrêa, jornalista e publicitário, é sócio da Brandmotion Consultoria Empresarial, Fusões e Aquisições.

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