Agências não podem ser reguladas por politicagem
As agências reguladoras são imprescindíveis para garantir a relação adequada entre o público e o privado em setores como, por exemplo, a ANTAQ e ANTT no transporte marítimo, fluvial e terrestre, a ANAC na aviação, a ANEEL no setor elétrico, a ANATEL nas telecomunicações, além da ANVISA, de crucial importância para a saúde pública, como as vacinas. Todavia, os objetivos das agências na regulação, via fiscalização e edição de normas de acordo com as diretrizes legais pertinentes, têm sido prejudicados por interferências políticas indevidas.
O apetite de parte da classe política, ávidas para alargar suas esferas de influência, vez ou outra resvala na indicação de apaniguados que não possuem nem a qualificação técnica requerida para o cargo e muito menos a isenção necessária para dele se incumbir com competência e ética. Já é praxe que os níveis de Diretores até Superintendentes das agências para serem escolhidos pelo Presidente da República sejam moeda de troca entre o Executivo e o Legislativo, dependendo, portanto, de apadrinhamento político de grosso calibre. Se essa é uma regra não escrita, ainda assim ela peca pela falta de ética, acarretando prejuízos às atividades fins e mesmo à segurança dos cidadãos consumidores de serviços de empresas que atuam mediante concessão pública. Ao longo dos anos variados casos exemplificam a fragilização desses importantes órgãos de regulação e fiscalização.
Anos atrás o líder do PMDB no Senado emplacou o genro formado em Direito poucos anos antes para o cargo de Diretor da ANAC. Um indivíduo sem qualquer especialização técnica na aviação civil que o qualificasse para o cargo conforme então denunciou a Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (APPA). Imagino quão constrangedora deva ter sido a sabatina no Senado. Em situações similares a tal sabatina acaba por ser uma mera formalidade para referendar decisão política já acertada nos bastidores.
Os ocupantes dos cargos de direção dessas agências — eminentemente técnicas, vale sempre frisar — deveriam ser especialistas de reconhecida competência na área que postulam. No entanto, a Operação Porto Seguro da Polícia Federal é um dos muitos escândalos envolvendo setores da Administração Pública em conluio com agências reguladoras, o que mostra que o critério técnico, com fundamentos éticos e devida responsabilização, ainda está distante do dia a dia da vida republicana.
Saindo da escala federal para a estadual, aqui nas franjas da Mantiqueira, tem uma empresa de ônibus que já virou lenda urbana, ou interurbana como debocham nas redes — dado o estado decrépito dos veículos, extravio de bagagens dos passageiros pela estrada, site desatualizado, enfim, campeã de reclamação há anos e, mesmo assim, não há meio do povo se livrar desse estrupício. Incompetência da empresa e falta de zelo de órgãos como a ANTT, cogita-se. Se esse é um caso corriqueiro até, de alcance limitado, mais grave é a denúncia de acachapante descumprimento da transparência devida em agência reguladora na linha de frente da saúde.
Recentemente a mídia denunciou que a ANVISA não tem divulgado análises de agrotóxicos em alimentos há 3 anos. Uma barbaridade que se soma ao escândalo da tentativa de compra de vacinas para a COVID19 sem a obediência dos protocolos devidos. Tal situação coloca em risco a saúde do cidadão ao permitir ilícitos lucros aos responsáveis por produtos e serviços que descumprem normas sanitárias e que trazem prejuízos imensos a um sistema público de saúde já sobrecarregado.
Um dos papeis mais importantes de uma agência reguladora é a intermediação de conflitos entre interesses variados das partes envolvidas. Obrigação esta sumamente prejudicada caso não haja por parte da agência isenção na fundamentação técnica capaz de garantir credibilidade para lastrear eventuais processos jurídicos.
Quando as agências reguladoras foram criadas no governo FHC elas se apresentaram como uma conquista do Estado Brasileiro em prol da boa governança. Expectativa essa ainda não totalmente contemplada por conta da atuação impatriótica de parte dos agentes políticos. Mas esperançosamente ainda permanece a expectativa de que haverá um tempo em que casos como os acima apresentados sejam apenas lembrados como antiexemplos de uma época de abuso contra o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.