Sérgio Batalha

Afinal, Justiça do Trabalho pode suspender partida de futebol?

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A resposta à pergunta do título não é simples e obrigatoriamente vai remeter à recente polêmica do jogo Palmeiras e Flamengo.

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que os jogadores são legalmente definidos como “atletas profissionais de futebol” e tem de possuir um contrato de trabalho assinado com a entidade desportiva, nos termos da legislação que rege o desporto nacional.

Logo, a Justiça do Trabalho tem competência para interferir na relação entre os atletas profissionais de futebol e os clubes que os empregam. Obviamente, um juiz do trabalho pode também impedir um atleta profissional de participar de uma partida, caso haja risco para a sua saúde, como poderia fazê-lo em relação a um empregado de qualquer outra empresa no tocante ao exercício de suas atividades contratuais.

No caso da partida entre Palmeiras e Flamengo o juiz do trabalho determinou “a suspensão do jogo”, que seria realizado em São Paulo. Neste ponto, a meu ver, o juiz extrapolou sua competência, pois ele até poderia determinar que o Flamengo não enviasse seus atletas profissionais para disputar a partida, mas não poderia determinar a “suspensão” de uma partida de futebol a ser realizada em outro estado, envolvendo atletas de outro clube também fora de sua competência.

O Tribunal Superior do Trabalho terminou por cassar a decisão do juiz do trabalho do Rio de Janeiro por entender que ele não poderia suspender uma partida de futebol fora de sua jurisdição, que é no caso a cidade do Rio de Janeiro.

Na verdade, não há conflito de competência, como chegou a alegar no STJ a CBF, entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Desportiva.

Antes de mais nada, porque a Justiça Desportiva não integra o Poder Judiciário, é uma justiça arbitral. Não tem poder coercitivo sobre as pessoas físicas e jurídicas. Depois, porque a Justiça do Trabalho analisa apenas a execução do contrato de trabalho e não aspectos esportivos da competição. Por exemplo, a Justiça do Trabalho não pode determinar a perda de pontos do Flamengo ou interferir na classificação do campeonato.

Assim, o juiz do trabalho não analisou se o Flamengo teria a obrigação de jogar com os desfalques impostos pela pandemia, tal análise foi efetuada pela Justiça Desportiva. O fundamento para a suspensão da partida foi o risco à saúde dos atletas profissionais de futebol e não a eventual injustiça da manutenção da partida sob o aspecto esportivo.

Por fim, a decisão me pareceu casuística, pois a Justiça do Trabalho deveria avaliar os riscos à saúde da participação de atletas profissionais nas partidas durante a pandemia de uma forma global. Há um protocolo em vigor, assinado por todos os clubes e pela CBF. As partidas estão sendo disputadas com frequentes desfalques originados pelo Covid, pois só jogam os atletas com teste negativo. Se existe risco, o protocolo deve ser modificado para todos e não caprichosamente quando o número de desfalques incomoda a um ou outra entidade desportiva.

Sérgio Batalha é advogado no Rio de Janeiro.

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