A violência obstétrica precisa ter fim
Uma dor que vai além da do parto: a dor de ter os direitos e a dignidade violados. Um dos momentos que deveria ser o mais importante na vida de uma mulher, no Brasil, pelo menos para mais de 20% delas, aparece entre os mais traumáticos. De acordo com um levantamento feito pela pesquisa Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, comandado pela Fundação Perseu Abramo e o Sesc, uma em cada quatro mulheres já foi vítima de violência obstétrica antes, durante e depois do parto. Algumas leis estaduais espalhadas pelo país estipulam punições e multas para os casos comprovados de qualquer tipo de violência obstétrica, seja de forma verbal, física, psicológica e até sexual.
As leis visam preservar os direitos dessas mulheres e as ações ou omissões que causem lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e até morte a elas no pré-natal e no momento do parto, praticadas por profissionais de saúde, estabelecimentos públicos, privados, autônomos ou filantrópicos. Entre esses direitos, estão, por exemplo, assistência humanizada e personalizada; presença de acompanhante; preservação de sua intimidade; parto adequado, respeitadas as fases biológica e psicológica do nascimento, garantindo que a gestante participe do processo de decisão de qual modalidade de parto atende melhor às suas convicções, aos seus valores e às suas crenças; direito da gestante em optar pela cesariana, desde que tenha recebido todas as informações sobre o parto natural e cesariana, seus respectivos benefícios e riscos; direito a se negar a se submeter ao exame de dilatação cervical (toque), quando feito de forma indiscriminada e por vários profissionais de saúde e o direito de não permitir a realização de episiotomia (corte no períneo), sem justificativa clínica, ou com o intuito apenas de acelerar o nascimento.
O problema é que muitas mulheres nem percebem que determinadas atitudes configuram violência obstétrica, por isso a importância de se informar sobre os próprios direitos e conhecer a legislação que garanta o atendimento correto e adequado.
Defendo também que a melhor modalidade de parto deve ser uma escolha da parturiente, sempre com acompanhamento médico. Algumas legislações no Brasil já garantem esse direito.
A gestante, tanto da rede privada como do Sistema Único de Saúde (SUS), deve ter o direito de escolher que tipo de parto prefere fazer, garantindo a igualdade e a isonomia para todas as mulheres, sejam elas usuárias do SUS, dos planos de saúde ou do sistema particular.
O desejo da gestante já é atendido no âmbito da rede privada ou nos planos de saúde, mas a legislação entende a escolha como um direito universal, independentemente de questões econômicas e socais. Nenhuma mulher deve ser obrigada a optar por um parto natural se não se sentir confortável para isso. Ela deve ter opções de escolha, sempre com o acompanhamento do médico, que vai avaliar as condições e os riscos daquela parturiente para cada tipo de parto. A orientação sobre essa escolha deve começar já no pré-natal. Ela tem o direito de saber os prós e contras de cada tipo de parto e só então escolher, de acordo com suas crenças, convicções e condições, afinal cada parto é único.
De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 52% dos partos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são cesáreas, chegando a 88% na rede privada. Índices muito acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O excesso de cesarianas é revelador de dois aspectos da obstetrícia brasileira: a recomendação médica da cirurgia tornou-se rotineira, mesmo sem motivo clínico, embora a cesárea desnecessária configure também violência obstétrica; a opção de muitas mulheres por esse tipo de parto ocorre por falta de conhecimento sobre os riscos reais inerentes à cirurgia e por temerem a violência e sofrimento associados ao parto normal.
Há ainda outras práticas caracterizadas pelos especialistas como violência obstétrica, como a baixa analgesia, a ausência de uma equipe multidisciplinar para atender às gestantes e parturientes; ausência de um plano de parto e a baixa qualidade no pré-natal – o que acaba acarretando em óbitos maternos. Sendo que aproximadamente 95% das mortes são evitáveis, apenas com o cuidado com as pacientes antes e depois do parto.
Precisamos garantir à mulher, durante e após o parto, a presença de um acompanhante de sua escolha; permitir que a mãe ou o pai permaneçam junto ao recém-nascido 24 horas por dia e dar livre acesso a ambos, mesmo que o bebê esteja na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Defendo políticas públicas que possam proteger a mulher com o máximo de amplitude, reservar a elas nesse momento mais sagrado de suas vidas toda a dignidade e amparo: antes, durante e após o nascimento de uma nova vida.