Fernando Tibúrcio

A queda de braços que deveriam estar unidos

acessibilidade:

Com o grande interesse da mídia nas posições divergentes do Presidente Jair Bolsonaro e do ministro Henrique Mandetta, – e o meu interesse em particular pela matemática e pelo que nos reserva o futuro – achei por bem me debruçar nos números divulgados pelo Center for Systems Science and Engineering da Johns Hopkins University.

Numa comparação rápida dos dados compilados pela prestigiosa instituição americana de todos os países do mundo é possível especular que o pico do número de casos diários em um determinado país se dá geralmente próximo do 25o dia – podendo variar de 22 a 30, 31 dias, em alguns casos – após este país atingir pela primeira vez cem novos casos diários (usei esse parâmetro como referência aleatoriamente, para ter um ponto de amarração). Verificado o pico, em alguns países se observa uma certa instabilidade na linha do gráfico (um sobe e desce com tendência de baixa) entre o 22o e o 32o dia, podendo a grosso modo essa instabilidade se prolongar, em uns poucos países observados, por mais uns quatro ou cinco dias. Finalizado esse período, a linha de uma forma geral marca o rumo e inicia uma trajetória descendente mais nítida.

Onde há um percentual baixo de pessoas recuperadas em relação ao de infectadas, obviamente a inclinação descendente da linha de novos casos diários é mais suave. Nesse sentido, dentre os países que viveram o caos e que agora estão no período em que a curva está descendo o morro, temos como exemplos promissores – considerando a data de 13 de abril – o Irã (com 61% de recuperados) e a Espanha (com 38% de recuperados). Na Itália (com 21% de recuperados) e nos Estados Unidos (com 7,5% de recuperados) a coisa ainda vai bem longe, talvez três ou quatro meses para as coisas irem voltando ao normal. A propósito, um estudo recente do MIT mostrou que durante a pandemia de 1918 – a época era outra, eu sei –, as cidades que tiveram isolamento severo se recuperaram economicamente com mais força. Quem sabe a história não se repita aqui no Brasil…

No Brasil, tomando por base esse “padrão” obtido da comparação dos dados divulgados pela JHU, penso que não seria desarrazoado especular que possivelmente já tenhamos vivido o pico de casos novos no dia 8 de abril (mas não devemos descartar que esse pico pode estar ainda para acontecer, no mais tardar até o dia 17). É isso que os números da consagrada instituição americana nos apontam. Talvez estejamos agora nessa semana da “instabilidade” da curva pós-pico. O problema é que aqui o Ministério da Saúde não está divulgando o número de recuperados (0,7% do total ou 173 casos, de acordo com os últimos dados totalizados) e é difícil mensurar o prazo em que a conta de casos ativos vai zerar (como é possível fazer com relativa precisão, por exemplo, no caso do Irã, da Espanha e mesmo no da Itália, onde os números parecem à primeira vista ainda pouco conclusivos).

Outra coisa que creio ser possível enxergar nos números da JHU: os países que providencialmente fecharam as portas para o vírus, com a proibição precoce de voos associada ao isolamento social, acabaram por postergar – e não solucionar – o problema do alastramento (claro que os números secos desconsideram a existência de particularidades extremamente relevantes, como por exemplo, a de dar tempo para que o sistema de saúde de um determinado país se prepare). Singapura é um bom exemplo disso, onde toda a parte hard do ciclo do novo coronavírus está efetivamente começando agora.

Parece que o governador Romeu Zema tem razão quando diz algo que pareceu a princípio meio sem sentido, que o vírus precisa “viajar um pouco” (desde que não vá parar em regiões do Brasil onde a estrutura de saúde é muito precária, acrescento).

Um último dado igualmente óbvio que se vê dos gráficos divulgados pela JHU é que os países que começaram mais cedo o isolamento social estão se saindo melhor no combate à pandemia. Mas, quanto ao intervalo de dias em que o pico será atingido, após a primeira vez que um determinado país apresentou 100 casos num único dia, a questão do isolamento social parece pouco importar. Vai acontecer de todo jeito. Mas isso não dá uma carta branca para o Presidente Bolsonaro dizer qualquer coisa, mas lhe dá sim autoridade para afirmar que a pandemia começa de fato a regredir no Brasil (embora o número de mortes possa aumentar nos próximos dias como reflexo da defasagem de duas semanas para que o óbito seja cadastrado no sistema do MS) e que estratégias para preservar a economia podem e devem seguir sendo colocadas em prática, agora que a epidemia está arrefecendo devagar. Com o cuidado de não flexibilizar o isolamento social a níveis perigosos.

O fato é que, com quarentena ou sem quarentena, a coisa fica feia de qualquer jeito logo depois do 22o dia, mas o rastro de destruição será muito maior (em número de contaminados e de mortes) naqueles países onde não se adotou a tempo e a hora o isolamento social ou outras medidas clássicas de contenção.

Em resumo, temos duas visões em jogo: a do Presidente Bolsonaro, com a qual concordo, de que o vírus está indo embora (discordo filosoficamente da sua visão de mudar a matriz do enfrentamento para o isolamento vertical); e a do ministro Mandetta, de que o pico vai ocorrer em maio ou junho. Se prevalecer a do Presidente Bolsonaro, o nosso Sistema de Saúde, com a capilaridade do SUS, talvez aguente o tranco, com a ressalva de que em muitos lugares do Brasil profundo a estrutura de saúde deixa muito a desejar. Se a última visão prevalecer, a do ministro da Saúde, teremos de nos apressar e tratar literalmente de ir cavando as nossas próprias sepulturas, já que, por esse raciocínio, o Brasil vai passar amanhã pelo que os Estados Unidos estão passando hoje e o nosso Sistema de Saúde – junto com os serviços funerários – vai entrar em colapso.

Uma última observação: as especulações anteriores servem de alguma coisa se considerarmos que os países têm publicado dados confiáveis. O número baixo de mortes na China (para o tamanho da sua população) destoa completamente do que se está vendo ocorrer em outros países. Deixo aqui um convite à reflexão: partindo do pressuposto de que as informações não foram totalizadas a contento, se a China tivesse informado corretamente o número real de mortes, a Organização Mundial da Saúde teria tardado tanto em declarar o surto do novo coronavírus como uma pandemia? E outros países que sofreram consequências avassaladoras logo em seguida às país asiático, teriam se preparado de forma diferente?

Não poderia terminar esse artigo sem parabenizar as lideranças de países como Alemanha, Taiwan, Nova Zelândia, Noruega, Finlândia, Dinamarca e Islândia pelo sucesso no enfrentamento do novo coronavírus. Um detalhe, todos esses países são dirigidos por mulheres.

Fernando Tibúrcio, advogado de direitos humanos em Brasília, foi Secretário da Casa Civil em Goiás.

Reportar Erro