Gilsandra Clark

A Importância de Ser Ernesto

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Pedro Bruno, Pátria (1918), Museu da República, Rio de Janeiro.

“Dizer do que é que ele não é e do que não é que ele é, é o falso; dizer do que é que ele é e do que não é que ele não é, é o verdadeiro”, assim Aristóteles define verdade. Nas palavras de Santo Agostinho, veritas est adaequatio rei et intellectus. Eis a verdade objetiva, que se pode considerar muitas vezes bem próxima à verdade do senso comum.

O senso comum, no entanto, parece ser mais resistente às intempéries do que o próprio conceito de verdade, frequentemente colocado em dúvida, e o debate sobre o conceito de verdade, ou melhor, sobre “a verdade da verdade” está definitivamente na moda neste momento de realidades virtuais e de folclóricas fake news.

Vive-se um período de surgimento de novas atualidades, potencialmente construídas de modo igualitário pelos muitos agentes responsáveis por criar informação nos dias de hoje, ou seja, qualquer pessoa com acesso à internet. O mundo aristocrático, historicamente formador do discurso oficial, encontra-se em seus estertores, e não resta alternativa senão aprender a conviver com uma verdade que não mais será necessariamente formatada pelas chamadas elites intelectuais ou culturais.

Há, agora, uma nova academia, uma nova imprensa e uma nova historiografia compostas e produzidas por um sem-número de indivíduos. Esse novo momento, como sempre ocorre em fases de grande transição, causa perplexidade, mas pode também resultar numa síntese capaz de trazer novas oportunidades e soluções, como se pode notar na atual conjuntura política brasileira.

De fato, esse movimento de “política sem partido” tem significado a vitória do senso comum. Trata-se do momento em que os antigos axiomas, discursos e ideologias se viram obrigados a ceder espaço à verdade experimentada no dia-a-dia, a qual a maioria dos eleitores brasileiros recusou contestar.

E o que diz o senso comum no Brasil de hoje? Diz que a estrutura política, há muito incapaz de atender às legítimas aspirações da sociedade, atingiu grau inédito de inépcia e corrupção, pelo que se tornava fundamental operar uma renovação na classe política e na organização interna do governo. Diz que não se pode mais sair às ruas (ou ficar em casa…) sem correr risco cada vez maior de sofrer uma violência, em razão da praticamente inexistente política de segurança pública. Diz que crianças e jovens recebem um ensino de nível insuficiente, para não dizer cada vez pior. Diz que devem ser prezados conceitos morais como honestidade, sem o que não pode haver vida civilizada. Diz que o Brasil é, de fato, tudo o que vivem e conhecem, a “terra adorada” que não gostariam de deixar em busca de um futuro menos incerto no exílio, o país que, lhes parece, e consideradas todas as suas potencialidades, “tem tudo para dar certo”. Diz que não há mal algum, ao contrário, pode ser muito bacana cantar o hino nacional nas escolas.

E foi o senso comum que elegeu Bolsonaro, que apoia Sérgio Moro, que quer escolas de qualidade, que quer poder sair de casa sem a expectativa de ser assaltado ou assassinado, que sabe que o Brasil é seu lar, e que não há maior tristeza do que a persistente miséria em país que teria todas as condições de ser próspero.

Em consequência, é o mesmo espírito que pede por um Itamaraty que se possa lançar a novas alturas e contribuir decisivamente para definir e defender o interesse nacional no cenário das relações internacionais e trazer riqueza e desenvolvimento para os brasileiros. O senso comum e a verdade objetiva dizem que se faz necessário um Ministro corajoso, competente e determinado à frente da Casa de Rio Branco, alguém que tenha a ousadia de esperar um grande Brasil, um diplomata que sinta muito orgulho de ser patriota.

Metafísica, livro Gama, cap. 7

Gilsandra Clark é diplomata.

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