Eurico Borba

A humanidade está se desmanchando

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O Humanismo – o princípio de que a sacralidade da vida e a dignidade das pessoas devem presidir a construção da história – não é mais lembrado. A anarquia geral, que está se instalando nas sociedades, tem como uma das causas a percepção dos povos de que estão sendo enganados pela classe dominante e começam a reagir. O sistema capitalista, que possibilitou o extraordinário progresso da humanidade, gerando ao mesmo tempo imensa injustiça social, é extremamente hábil e rápido em se ajustar às contestações mais fortes dos povos. Vai modificando suas formas de atuação, sem nunca perder o controle do poder político, consolidando o processo que é próprio da sua essência que faz com que “os ricos sejam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres (miseráveis) ”. A disciplina social dos cidadãos está se esgotando. O distanciamento entre as pessoas na distribuição da riqueza gerada, fato inaceitável, se aprofunda, tornando-se o estopim de confrontações que já começaram.

As universidades e os partidos políticos se omitem, não alertando os povos para os reais perigos que afligem a humanidade. A mídia ou permanece silenciosa ou não concede a necessária ênfase a esses problemas.

Os povos precisam saber que o progresso da tecnologia substitui postos de trabalho por maquinas – não haverá empregos para todos no futuro próximo; precisam saber que a espécie humana corre o risco de extinção com o aquecimento da atmosfera que provocará catástrofe global com inundações, mudanças de temperatura, regimes de ventos e chuvas, que já estão acontecendo; precisam saber que somente por meio de um sistema educacional de qualidade, para todos, é que, depois de alguns anos de continuados esforços, poderemos reorganizar as sociedades, na perspectiva da liberdade, da justiça, da solidariedade e da paz; precisam saber que o Estado, responsável pela promoção do bem comum, deverá ter maior participação nas sociedades com a finalidade de tornar efetiva a igualdade de oportunidades, punir a criminalidade, assegurando um conjunto de leis que garantam a liberdade, a justiça e o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos. São fatos concretos que não podem mais ser ignorados.

Com a pandemia do Covid 19, o mundo inteiro está sendo forçado a incorporar, às pressas, modificações nas formas de organizar e fazer funcionar as sociedades. É preciso ter consciência de que o mundo não será mais o mesmo: – vencida a pandemia não voltaremos as formas de viver que tínhamos em dezembro de 2019. Estamos começando a vivenciar radicais transformações nas sociedades, nas relações de trabalho, na família, nas relações internacionais, na política e na economia e não estamos preparados para enfrentar os problemas mencionados.

Sendo a democracia o sistema político ideal, a recuperação do ideal humanista deverá começar com a eleição de lideranças políticas competentes e honestas, capazes de alertar os povos para o perigo que correm e providenciar as leis que permitam a conquista dos objetivos sociais requeridos por uma nova e necessária ordem social.

As Igrejas Cristãs históricas, alicerces que são da Civilização Ocidental, hoje paradigma para a organização das sociedades em todo o planeta, estão confusas com a atitude das populações que, em boa parte, abandonaram quaisquer vinculações dos seus comportamentos com os ensinamentos religiosos. A mensagem religiosa é a melhor forma de induzir, pacificamente, mudanças na maneira de ser dos povos, visando o convívio solidário. As Encíclicas do Papa Francisco, Laudato Si e a Fratelli Tutti, poderiam vir a ser o ponto de partida de ampla reflexão e debate sobre a necessidade da solidariedade entre as pessoas.

As presentes propostas serão criticadas e parecerão ingênuas, descoladas da realidade. No entanto, o que não pode ser esquecido é de que todas as ações sociais são praticadas por seres humanos, que são propensos, naturalmente, à ganancia, à desonestidade, ao egoísmo, ao uso sem limites do poder. Somente ambientes familiares amorosos e estáveis, sistemas educacionais de qualidade e as sociedades organizadas em ambientes sociais e políticos com alta densidade ética, são capazes de inibir grande parte das atuais ações sociais e politicas pervertidas. Apenas leis e normas, por mais numerosas e detalhadas, não serão capazes de impedir completamente a corrupção, a perversidade, o autoritarismo e a violência.

Atualmente a sedução por sistemas governamentais autoritários começa a prosperar em todo o planeta, como método de solução para os problemas que nos oprimem, apoiados em tecnologias da informação, cada vez mais sofisticadas, fato que cerceará a privacidade dos cidadãos, capazes, inclusive, de condicionar (domesticar), o comportamento dos povos.

Não há como escapar deste desafio que se coloca: mudar o atual estilo de vida das sociedades, visando à democracia, à solidariedade e à inescapável austeridade de consumo, ou conviver com conflitos e com o progressivo desaparecimento da humanidade, (é provável que sobrevivam, apenas, os poucos mais ricos e os mais capacitados intelectualmente).

Vivemos os últimos instantes para reverter a tragédia humana que nos aguarda.

Eurico de Andrade Neves Borba, 80, ex-professor da PUC RIO e ex-Presidente do IBGE, mora em Ana Rech, Caxias do Sul, RS. eanbrs@uol.com.br.

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