Dagoberto Alves de Almeida

A era da estupidez

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O economista John Kenneth Galbraith cunhou o termo “A Era da Incerteza” para caracterizar o século XX como um período em que a confiança no poder da razão, no progresso tecnológico, na produção em massa e nas aspirações de governos dissociados da democracia – como o fascismo e o comunismo – não trouxe a convicção de real progresso civilizatório. Em contrapartida, os retrocessos a que o mundo tem sido progressivamente submetido ao longo das últimas décadas, notadamente nos últimos anos, nos permitem concluir que, lamentavelmente, vivemos na Era da Estupidez.

Antes de mais nada é preciso definir o que é Estupidez. Uma singela e objetiva definição é fornecida no primeiro verbete do Dicionário Michaelis como: “qualidade ou característica do que é estúpido; falta de inteligência ou de discernimento”. No contexto das contribuições apresentadas no provocativo livro “As Leis Fundamentais da Estupidez Humana” de Carlo Cipolla, estupidez é o agente responsável por resultados que trazem malefícios para quem dela se utiliza ou – principalmente – para os demais que acabam por sofrer sua ação. Seu oposto é a inteligência, mas não segundo a definição convencional como a capacidade de aprender e resolver problemas seja de cunho meramente cognitivo ou mesmo no contexto da Teoria das Múltiplas Inteligências de Howard Gardner. Inteligência é, tão somente o agente responsável por resultados que trazem benefícios tanto para aquele que dela se utiliza, quanto – principalmente – para o mundo que o rodeia. Malefícios ou benefícios graduando riqueza, bem-estar e civilidade.

Aparte o risco da segmentação da sociedade entre estúpidos e inteligentes e da óbvia inconsistência comportamental da maioria das pessoas há, no entanto, características predominantes nas quais Cipolla se debruça ao alertar que os estúpidos fazem parte de um grupo de pessoas que é “mais perigoso que a máfia” e que “impede o crescimento do bem-estar e da felicidade” em um mundo em que são a “bucha de canhão da barbárie.”

Segundo Cipolla o grupo dos Estúpidos é composto por três categorias: os Vulneráveis Estúpidos que trazem malefícios aos outros, mas não a si próprios; os do tipo Estúpido Puro que trazem malefícios para si e aos outros e; os Bandidos-Estúpidos que aumentam o poder destrutivo dos estúpidos. O grupo dos Estúpidos é presa fácil das fakenews, negacionismos e crenças destrutivas e são, consequentemente, tremenda massa de manobra, facilmente manipulados e cooptados.

Em contraposição, o grupo dos Inteligentes é composto pelos Vulneráveis Inteligentes, os abnegados, que fazem o bem para os outros, mas não necessariamente para si próprios; os Bandidos-Inteligentes que contraponho como sendo altamente perigoso pelo potencial de dano à sociedade que a inteligência lhes faculta e; por fim, felizmente – senão a raça humana já estaria há muito extinta – o grupo dos Inteligentes, na acepção mais pura do termo, aqueles que avançam a civilização na medida em que trazem benefício aos outros e a si próprios.

Cipolla chama a atenção para o fato de que em sociedades em processo de decadência “percebe-se entre aqueles no poder uma proliferação alarmante dos bandidos com toques destrutivos de estupidez”, assim como de indivíduos vulneráveis, sejam estúpidos ou não, e aí “o país vai pro buraco.” Acrescento nessa sinistra equação os Bandidos-Inteligentes, possuidores de pouca ou nenhuma empatia para com a miséria alheia e focados basicamente em seus próprios interesses.

Aparte justificáveis críticas metodológicas, o mérito desta provocativa obra é chamar a atenção para o fato de que, embora a estupidez esteja presente tanto nas sociedades em declínio quanto naquelas em desenvolvimento, a diferença é que nas atrasadas ou em franco processo de decadência a proporção dos membros estúpidos da sociedade aumentou sua virulência e campo de atuação. Isto porque não encontraram qualquer limitação dos demais membros da sociedade na criação ou na aplicação de legislação pertinente que os freassem. Outra razão refere-se à tecnologia de comunicação permitida pelas redes sociais que – aparte suas inegáveis benesses – potencializaram em rapidez e intensidade o acesso dos estúpidos a uma imensa massa de pessoas.

Certamente farto, exasperado pelo festival de imbecilidades que via ao seu redor, o filosofo ensaísta italiano Umberto Eco não se conteve e chamou a atenção para o “idiota da aldeia”. Aquele que antes mantinha seus preconceitos e ignorâncias restritos ao seu limitado círculo, mas que agora, turbinado pelas redes sociais, se considera um expert em qualquer assunto e não se vexa em dar suas abalizadas opiniões, não se importando se isso trará sofrimentos ou mesmo morte – como no caso das vacinas – aos demais membros da sociedade. Como bem salientou Orson Welles, o genial diretor e roteirista do impressionante Cidadão Kane: “É preciso ter dúvidas. Só os estúpidos têm uma confiança absoluta em si mesmos.”

Vale, também, responder a questão relativa à fragilidade do liberalismo proporcionada pela democracia. Questão levantada pelo filósofo Jose Ortega y Gasset em “A Rebelião das Massas”, por ocasião da guerra civil espanhola: “Sua aplicação é demasiado difícil e complicada para que pudesse criar raízes nesta terra. Conviver com o inimigo! Governar com a oposição! Uma tal humanidade já não se torna incompreensível?” De fato, a imprescindível leitura de “Como as Democracias Morrem” de Levitsky e Ziblatt demonstra que a ascensão de ditadores que levaram seus países à violência e à ruína são decorrentes das fragilidades próprias da democracia frente àqueles que pretendem solapá-la ao abusarem do direito de opinar e discordar, grosseira e torpemente. Solapam assim instituições como o judiciário, o parlamento e a imprensa, abusando dos instrumentos ironicamente facultados pela própria democracia. Há, infelizmente, numerosos exemplos tais como a Alemanha fascista com Hitler ou na Venezuela com o chavismo sobre como as instituições foram minadas por aqueles que deveriam defendê-la e preservá-la. Manifestação mais recente desse terrível fenômeno é o progressivo esfacelamento de blocos econômicos num processo de fragmentação em que num mundo distópico nos levaria ao limite do estágio tribal, com sucessivas beligerâncias e guerras onde a diplomacia não tem vez.

Esse texto se encerra no contexto do otimismo esclarecido defendido por Stephen Pinker em “O Novo Iluminismo.” Na expectativa de que seremos capazes de replicar o iluminismo do século 18 quanto à centralidade da ciência e da racionalidade. Assim, no contexto do verbo esperançar, que o gênio humano aliado a resiliência na superação dos terríveis problemas que ora enfrentamos nos permita fortalecer as instituições democráticas e fomentar a educação e a ciência para a necessária redução do nível existente de estupidez.

Dagoberto Alves de Almeida, engenheiro, é formado pela UNIFEI. Mestre pela UFRJ. Doutor pela University of Cranfield, Inglaterra. Professor de Engenharia de Produção. Reitor da UNIFEI entre 2013 e 2016 e de 2017 a 2020.

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