Almir Pazzianotto Pinto

A crise do sindicalismo

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Em 1995 publiquei o livro “A Velha Questão Sindical…”, editado pela LTr. reunia artigos relativos a problemas comuns na esfera do trabalho. Escrevi que o artigo 8º da Constituição tinha adotado princípios que se repelem: a liberdade de organização e a unicidade de representação, gerando condições propícias à multiplicação de disputas intersindicais.

A coletânea trazia texto com o título Liberdade e Imposto Sindical. Escrevi ser inaceitável que o sindicalismo conservasse vínculos com regimes autoritários. Defendia a autonomia de organização, o direito à sindicalização, a liberdade de negociação coletiva. Era, porém, incompreendido por ultrapassados dirigentes patronais e profissionais. Beneficiários de ligações promíscuas com o Ministério do Trabalho sustentavam que a democratização da vida sindical lhes seria maléfica. Adotavam a postura do Ministro Arnaldo Sussekind que se opunha à autonomia de organização, sob o argumento da ausência de espírito associativo dos brasileiros.

A Lei nº 13.457, de 13.7.2017, confirmou o pensamento do Ministro Sussekind. A conversão da Contribuição Sindical obrigatória em facultativa fraturou a coluna vertebral do sindicalismo, causando-lhe quase total paralisia. Embora trabalhadores e empregadores gozem de liberdade para se sindicalizar, a maioria prefere não fazê-lo. Recusa-se a pagar módica mensalidade destinada a manter operante, eficiente e combatente, a entidade que os representa.

Cabe à sociedade perguntar como será possível aos trabalhadores garantir a defesa de direitos e reivindicações sob o regime neoliberal professado pelo Ministro Paulo Guedes, sem contarem com apoio sindical. Extinto o Ministério do Trabalho e tendo as atividades sindicais estranguladas por falta de dinheiro, os assalariados ficaram desassistidos, entregues à própria sorte, sem dispor de quem os organize e defenda.

Getúlio Vargas regulamentou a estrutura sindical com o objetivo de usá-la a serviço do Estado Novo. A paternidade do “peleguismo” lhe pertence. Após a redemocratização, em 1946, o movimento sindical foi atraído para a órbita do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em estreita ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sobre o assunto escreveu Eliezer Pacheco: “Sem formular uma autocrítica de seu esquerdismo, o Partido vai sendo forçado, na prática, a rever muitos aspectos de sua orientação. Um marco nesta revisão foi o ‘ativo sindical nacional’ realizado em 1952, que vai romper com a política isolacionista e sectária, determinando o retorno à atuação nos sindicatos oficiais, a defesa da unicidade sindical em aliança com os trabalhistas do PTB, campanhas de sindicalização e lutas a partir das reivindicações imediatas dos trabalhadores. Graças a essa retificação em sua linha sindical, o PCB consegue recuperar parte de sua influência junto à classe operária e, já em 1953, seria a força dirigente de uma das maiores greves realizadas em São Paulo, conhecida como a greve dos 300 mil” (O Partido Comunista Brasileiro 1922-1964, Ed. Alfa-Ômega, pág. 201).

O golpe que derrubou João Goulart, em 31/3/1964, foi causado por ter se aliado com o sindicalismo esquerdista. O regime militar vitorioso entregou o movimento sindical a dirigentes subordinados ao Ministério do Trabalho. Luís Inácio Lula da Silva foi exceção. Eleito em 1975, deu vida nova ao Sindicato de São Bernardo com mobilizações que resultaram nas greves de 1978, 1979, 1980. Como presidente da República cedeu à tentação de cooptar o peleguismo e, como Jango, errou ao atrair os dirigentes sindicais para o interior do governo.

O presidente Jair Bolsonaro radicalizou ao converter o Ministério do Trabalho em secretaria do Ministério da Economia. A ausência de sindicatos operantes não significa, porém, o congelamento dos conflitos entre capital e trabalho. Permanecerão em estado latente, alimentados pelas contradições econômicas, pelo desemprego, pela injusta distribuição de rendas. Ensina a sociologia que o conflito pertence à natureza do capitalismo e à natureza das sociedades industriais. É impossível ignorá-lo. Será tolice tentar substituir o diálogo pelo emprego da força. Lembremo-nos dos caminhoneiros, cuja paralisação se prolongou por falta de negociações.

A insatisfação não desapareceu. Está de sobreaviso. A qualquer instante poderá ressurgir. Alertou o Ministro Paulo Guedes que “a pobreza está com fome”, e a fome é má conselheira.

Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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