Mulheres buscam o espaço delas na cadeia produtiva do café
Brasileiras se unem para crescer no mercado e iniciativas buscam o empoderamento de mulheres cafeicultoras
Ele é figura conhecida na mesa dos brasileiros. Servido de manhãzinha, depois da refeição ou no lanche da tarde, o café está sempre presente — coado ou expresso, de acordo com o gosto de cada um. Só entre os brasileiros, no ano passado, foram consumidas 1,07 milhão de toneladas do grão, aumento de 3,3% em comparação a 2016 que colocou o país no segundo lugar de maiores consumidores de café do mundo. Até 2021, a estimativa é de que o consumo da bebida queridinha dos brasileiros cresça para 1,24 milhão de toneladas, como aponta a pesquisa Tendências do Mercado de Cafés em 2017, patrocinada pela Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC).
A paixão pelo café é tanta que o grão tem até um dia para ser comemorado. Em 1º de outubro, se comemora o Dia Internacional do Café. A data foi instituída pela Organização Internacional do Café (OIC) há quatro anos com o objetivo de desenvolver o mercado do produto ao redor do mundo. Desde então, todo ano, são organizados eventos em diversos países que reúne desde os produtores até os amantes do café.
As comemorações são organizadas ao redor de um tema, instituído também pela OIC. O deste ano debate a participação da mulher na cadeia produtiva do café em todas as regiões do globo. De acordo com um relatório “Igualdade de gênero no setor cafeeiro” divulgado em setembro pela organização, “entre 20% e 30% das fazendas de café são operadas por mulheres e mais de 70% da força de trabalho na produção do café é realizada por mulheres, dependendo da região.” A participação feminina nesse mercado é de extrema importância, aponta o Centro de Comércio Internacional (ITC, na sigla em inglês). Em 2008, o percentual de trabalho exercido pelas mulheres dentro dos processos produtivos nas fazendas de café representava 70%.
No entanto, a pesquisa faz um alerta para a igualdade de gênero nesse mercado: as mulheres teriam menos acesso à terras, crédito e informação do que os homens. “Mulheres enfrentam restrições ligadas a questões de gênero no acesso a recursos, o que dificulta a produtividade agrícola e afeta negativamente o bem-estar das família”, apontou a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
O resultado dessa desigualdade está em colheitas e retornos financeiros menores para elas. De acordo com o relatório, em Uganda e na Etiópia, por exemplo, a venda de café é de 39% a 44% menor entre as mulheres dessas regiões. Problemas são apontados ainda no tamanho das terras de propriedade feminina e no nível de estudo na área.
A busca pela solução dessas diferenças entre homens e mulheres nos campos pode impulsionar a produção agrícola em até 4%, de acordo com a FAO.
Nos campos brasileiros
De acordo com a publicação “Mulheres dos cafés no Brasil”, divulgada pela Embrapa no ano passado, a mulher brasileira que atua na produção de café no Brasil atua majoritariamente como produtora ou proprietária; em seguida, elas estão presentes no ensino, pesquisa e extensão do mercado e comércio de café.
O benefício destinado a elas cresceu ao longo dos anos, o que pode facilitar na participação delas na produção agrícola: em 2014, 10,5% dos beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) foram mulheres; já em 2015, o índice da participação feminina na busca de créditos por meio do Pronaf subiu para 16,6%.
No entanto, elas ainda têm muito a conquistar, principalmente pelo meio rural brasileiro ainda ter um perfil mais tradicional. De acordo com a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2013, um homem no meio rural recebia em média R$ 977,50, enquanto as mulheres recebiam uma média de R$ 614,80, abaixo até do salário mínimo vigente à época.
Em algumas regiões, elas pouco participam das associações e cooperativas voltadas ao café. No Cerrado Mineiro, por exemplo, a participação delas nesses locais é de apenas 9,6%, de acordo com a publicação da Embrapa. O motivo é a necessidade que as mulheres encontram de associar o trabalho com os afazeres domésticos e o cuidado da família, o que não as permite ter tempo de exercer outras atividades.
Mas as mulheres seguem conquistando seu espaço e se unindo para atingir seus objetivos na produção do café. Formada por mulheres que vivem exclusivamente da produção do grão, a Associação das Mulheres Empreendedoras do Café da Serra da Mantiqueira do Sul do Estado de Minas Gerais (Amecafé Mantiqueira) é um exemplo dessa reunião.
Segundo a diretora presidente da associação Iraci de Fatima Inácio Carvalho, o trabalho delas na Mantiqueira, no Sul de Minas, é pesado, já que por ser uma região montanhosa não há uso de maquinário. “Temos que contar exclusivamente com a mão de obra manual”, afirmou a diretora.
Outro desafio está na luta constante contra o preconceito, que ela acredita já estar menor. “Nosso desafio como mulher é poder fazer o nosso trabalho bem feito sem que um homem chegue e queira ensinar como fazê-lo, mas nós mulheres estamos acostumadas a caprichar. A maioria das associadas faz um café maravilhoso; estão batendo um bolão. É até engraçado ver maridos felizes por suas esposas conseguirem vender melhor seus cafés. Preconceito sempre há, mas hoje em dia já é bem melhor.”
Ao descobrir sobre a pesquisa da Organização Internacional do Café que aponta que 30% das fazendas do mundo inteiro são operadas por mulheres, Iraci contesta e diz acreditar que, na realidade brasileira, esse número é menor. Ela tem razão: de acordo com o Censo Agro 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 18,6% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros são comandados por elas. Se a codireção for considerada, a proporção aumenta para 34,8%.
Mesmo que o comando ainda não seja em sua maioria feminino no Brasil, Iraci aponta para a força feminina na produção do café, de acordo com a experiência que tem dentro da associação. “Nossa participação é forte. Dentro da nossa associação, as mulheres sempre estão presente, nas panhas e nos terreiros de cafés. A participação já chega a 50% dentro das propriedades.”
Para Iraci, o segredo do sucesso está no cuidado que a mulher tem com os processos de produção. “Quando fazemos a coisa bem feita, consequentemente temos ótimas colheitas, tanto na questão do fruto quanto da qualidade e consequentemente produzimos ótimos grãos.”
Projeto Florada
Pensando no empoderamento de mulheres cafeicultoras e para trazer diversidade ao campo brasileiro, o Grupo 3corações criou em março deste ano o Projeto Florada. Entre as iniciativas realizadas pelo projeto estão a promoção de conversas e encontros, a oferta de capacitação e informação, e a criação de um concurso para premiar os melhores cafés.
Junto com o lançamento do projeto foi apresentado o Café Florada Edição Especial, desenvolvido pela cafeicultora Jane Muniz, da Fazenda Santa Tereza, na região Sul de Minas Gerais. Já em fase de andamento, a primeira edição do concurso — destinada a espécie de café arábica nas categorias via úmida e via seca — conhecerá suas vencedoras no dia 9 de novembro, durante a Semana Internacional do Café. Para participar, a mulher não precisa ser proprietária da fazenda produtora de café, mas precisa ter participado ativamente dos processos da safra do café com o qual irá concorrer.
No site do Projeto Florada, as mulheres encontram ainda videoaulas gratuitas sobre as melhores práticas na produção de cafés especiais, com temas como gestão e lavoura e produção.