Genocídio na Transamazônica

Violação de indígenas na ditadura rende pena de R$ 10 milhões à Funai e à União

Justiça Federal determinou proteção de locais sagrados, e mais escolas e polo de saúde

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Com o propósito de reparar danos causados aos povos indígenas pelo Estado Brasileiro durante a ditadura militar, a Justiça Federal no Amazona condenou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União ao pagamento de R$ 10 milhões pelos danos morais coletivos pelas violações contra os povos Tenharim e Jiahui, durante a abertura da BR-230, a Rodovia Transamazônica, no governo do general Emílio Garrastazu Médici, entre 1969 e 1974. A reparação dos danos foi um pedido do Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas, acompanhado pelo Grupo de Trabalho (GT) Povos Indígenas e Regime Militar, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

Além da indenização, a sentença obriga os órgãos a implementarem, em seis meses, medidas de proteção aos locais sagrados a serem indicados pelos próprios indígenas que fazem parte do conjunto de povos que se autodenominam Kagwahiva, bem como a promoverem campanha de conscientização quanto aos direitos indígenas junto aos municípios amazonenses de Humaitá, Manicoré e Apuí, com produção de material didático e criação de Centro de Memória Permanente sobre a história e a cultura dos Tenharim e Jiahui.

A sentença consolida o fato de que a construção da Transamazônica ocorreu sem qualquer licenciamento ou estudo prévio de impacto ambiental. Nenhuma das partes do processo nega os danos causados aos povos indígenas, apenas se limitaram a dizer que a rodovia teria sido construída há 40 anos. A Justiça concordou com o MPF, ao ressaltar que todo dano ambiental é imprescritível – não deixa de ser passível de punição com o passar do tempo – e seus efeitos são permanentes.

A sentença considera a responsabilidade da Funai por omissão; e da União, por ser titular do domínio das terras indígenas, com papel de garantir o respeito aos direitos indígenas, principalmente em relação à integridade de sua propriedade, dos seus costumes, da sua ancestralidade e do seu modo de vida sociocultural, responsabilidade que igualmente deixou de ser cumprida no caso da Transamazônica.

“Jamais o governo federal se preocupou com a preservação de locais sagrados, cemitérios e espaços territoriais imprescindíveis ao sentimento de pertencimento dos povos Tenharim e Jiahui”, afirma a Justiça.

Genocídio

No âmbito sociocultural, o período da construção da rodovia gerou um impacto de grandes dimensões, quando houve forte contato interétnico, causando mortes em decorrência de doenças levadas pelos operários. Além disso, o MPF aponta que a “pacificação” promovida pela Funai e o recrutamento para o trabalho nas obras causou forte desestruturação no grupo indígena, que, acuado por conta das atividades de tratores e aviões no local, deixou de promover maiores deslocamentos para não abandonar os seus territórios sagrados.

Os Tenharim não abandonaram a região, tendo se deslocado do Rio Marmelo para as margens da rodovia justamente para estarem próximos de seus territórios sagrados. Ainda assim, a promoção do desmatamento e elaboração do traçado da rodovia sobre locais sagrados para os indígenas representou nova violação de seus direitos. Já o povo Jiahui sofreu grande diminuição, chegando a contar, às vésperas da demarcação da terra indígena, com apenas 17 pessoas.

A falta de preocupação quanto à sustentabilidade gerou prejuízos quanto ao uso do solo para atividades agrícolas, poluição atmosférica, acúmulo de lixo, redução da fauna – implicando novas readaptações nas atividades de caça –, desmatamento e alteração dos cursos d’água.

Em razão de terem colaborado, por omissão, para o genocídio que quase dizimou os povos Kagwahiva, a Funai e a União também foram condenadas a promover, também em até seis meses, a instalação definitiva de polo-base específico da saúde indígena nas terras dos Tenharim e Jiahui, como a lotação de equipe multidisciplinar e a destinação de medicamentos adequados, de acordo com o previsto pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai).

Há ainda determinação de realizar reforma das escolas das aldeias Coiari, Taboca e Mafuí e construção de novas unidades educacionais indígenas, no prazo de um ano, conforme indicação dos indígenas, com contratação permanente de professores e desenvolvimento de processos próprios de aprendizagem em todas as aldeias.

Esta é a segunda sentença da Justiça que reconhece os impactos negativos da Transamazônica aos povos. Em março de 2017 o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) também foi condenado a pagar R$ 10 milhões por danos morais coletivos e a recuperar as áreas degradadas pelas obras nas terras indígenas Tenharim Marmelo e Jiahui, próximo ao município de Apuí, além de outras medidas como a recomposição florestal na área de preservação permanente do igarapé que teve o curso alterado pelas obras e o reflorestamento com espécies nativas para compensar o desmatamento realizado no passado.

A ação tramita na 1º Vara Federal do Amazonas, sob o número 0000243-88.2014.4.01.3200. Há possibilidade de recurso em relação à sentença. (Com informações da Ascom da Procuradoria da República no Amazonas)

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