Direito à saúde

Tribunais adotam boas práticas e reduzem ações em saúde no Rio, Minas e RS

Meta é frear aumento de processos que cresceram 130%, entre 2008 e 2017

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Os Tribunais de Justiça dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul adotaram boas práticas para reduzir o grande número de processos relacionados a demandas de saúde. O objetivo é frear o crescimento, que, entre 2008 e 2017, registrou um aumento de 130%, segundo dados divulgados em levantamento encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), divulgada em março deste ano.

O planejamento estratégico e a interlocução entre magistrados, gestores públicos e profissionais da área da medicina são algumas ações desenvolvidas pelas três Cortes estaduais de grande porte. Pela Resolução CNJ nº 238/2016, os Tribunais de Justiça e Regionais Federais devem a criar e manter Comitês Estaduais da Saúde, um avanço no âmbito dos Conselhos de Saúde nos estados, mecanismo que busca diálogo com o controle social e para garantir o direito à saúde.

Em Minas Gerais, o TJMG replica uma metodologia que visa dar mais elementos à tomada de decisões. O estado registrou uma média de 60 mil processos judiciais: 32 mil referentes à saúde pública e 28 mil da saúde complementar. Na observação do coordenador do Comitê Estadual de Saúde de Minas Gerais, desembargador Renato Dresch, há processos judicializados indevidamente, por isso, é fundamental instrumentalizar os magistrados para as decisões.

“Trabalhamos para os que magistrados tenham, depois de todas as informações necessárias do processo, racionalidade nas decisões. Além disso, é importante que haja uma interlocução com o Ministério Público e a Defensoria Pública. A judicialização é positiva quando consegue solucionar demandas reais de pacientes”, destaca Dresch.

Além disso, o TJMG estabeleceu que, em comarcas que possuem mais de duas varas cíveis, uma delas trabalhe exclusivamente com questões de saúde, o que acaba dando vazão aos processos. Outro diferencial é um grupo utilizado para troca de informações formado com aproximadamente 170 magistrados, juízes e desembargadores de todo o estado.

Cooperação entre órgãos

A implementação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde (CRLS) é uma das ações do TJ do Rio de Janeiro para frear as demandas judiciais. O projeto é uma cooperação que reúne as Procuradorias Gerais do Estado e do Município do Rio de Janeiro, além das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, as Defensorias Públicas Estadual e da União, além do Tribunal de Justiça do Estado.

“A intenção é buscar soluções administrativas para o atendimento de indivíduos que precisam de medicamentos, exames, internações, tratamentos e transferências no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), evitando o ajuizamento de ações. O índice de acordos realizados com esta iniciativa alcançou 80% em requisições de exames e consultas, 60% em cirurgias e 50% em transferências”, segundo a juíza do TJRJ, Flávia Chagas de Azevedo.

O Tribunal de Justiça ainda firmou com a Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) um convênio com a Fiocruz/Ensp para viabilizar o curso de mestrado profissional em Justiça e Saúde com diversas disciplinas envolvendo o SUS, saúde suplementar, questões farmacêuticas, bioética, dentre outras. A primeira turma, composta de 20 juízes, concluiu a capacitação e defendeu as respectivas dissertações.

Para a juíza, tais demandas judiciais se transformaram em um problema nacional de grandes proporções, não só para o Judiciário, mas também para o SUS. A ausência de política pública aos anseios da população e as facilidades encontradas para a população acessar o Poder Judiciário pelas vias dos juizados fazendários e cíveis, ainda de acordo com a magistrada, fizeram com que muitas pessoas deixem de aguardar atendimento.

“No entanto, os juízes precisam entender que o SUS possui uma regulação e que nem toda demanda pode ser deferida, pois há custos envolvendo a saúde que não podem ser desconsideradas. O deferimento com multas estratosféricas e com prazos exíguos compromete o orçamento previsto para o atendimento de toda a população, podendo, ainda, acarretar enriquecimento individual”, destaca.

Esforço validado

No tribunal gaúcho alternativas positivas foram adotadas e vem conseguindo reduzir e qualificar as demandas. Em 2010, o estado gaúcho contabilizava em torno de 109 mil ações no âmbito da saúde e o Brasil acumulava 240 mil processos. Atualmente, estima-se que as demandas judiciais no país alcancem 1,7 milhão e o estado gaúcho tenha aproximadamente 100 mil ações.

“A partir de 2010, aperfeiçoamos mecanismos da Secretaria de Saúde e fortalecemos a interlocução com as secretárias municipais. Antigamente, as demandas judiciais eram realizadas em protocolos de papel, informatizamos todo o processo e concedemos o acesso a estes pedidos a juízes, ao Ministério Público e a Defensoria Pública. Para isso, desenvolvemos o Sistema de Administração de Medicamentos Especiais (AME)”, explica o desembargador recém-aposentado Martin Shulze.

A plataforma identifica em qual estágio se encontra o pedido de determinado medicamento, se foi ou não deferido, se está prestes a chegar ou se o processo de compra está lento. “Com estas informações é possível fazer uma mediação prévia e evitar que muitos casos sejam levados à Justiça. A mediação passou a ser um entendimento da Defensoria Pública, porta de entrada das ações judiciais no Estado. Nacionalmente também há um estímulo para que este método seja adotado”, destaca Shulze.

Para Shulze, a validação do trabalho no sistema judiciário está embasada em quantos processos foram julgados, mas essa é uma cultura que precisa ser repensada. “A Defensoria Pública gaúcha avalia quantos casos o defensor público ajuizou e quantos ele conseguiu resolver administrativamente por meio da mediação. Esta segunda opção é a mais valorizada”, revela.

A juíza-corregedora e também integrante do Comitê de Saúde do TJRS Rosana Garbin salienta que o acesso à Justiça é extremamente importante, pois é uma segurança do cidadão de efetivar o seu direito, no entanto, sempre que uma política pública é implementada, um número maior de pessoas é impactado e com um custo muito menor.

“Muitas políticas existentes ocorreram através de um caminho trilhado em conjunto e os comitês estaduais de saúde são mecanismos para avaliar e resolver entraves em políticas concretas. É necessária, portanto, a existência e o fortalecimento destes comitês para o acompanhamento e a busca de soluções que não resultem em judicializações. Também pelo perfil da atuação dos últimos anos pelo nosso desembargador, Márcio Shulze, o diálogo entre os envolvidos é o diferencial para frear estes processos judiciais”, destaca.

Iniciativas dos CNJ

Os magistrados destacam ainda que, nos últimos anos, foi possível frear os processos judiciais com parcerias estabelecidas com hospitais e clínicas e com os Núcleos de Apoio ao Judiciário (NatJus), implantado em todas as unidades da federação. O e-NatJus é um cadastro nacional digital de pareces, notas e informações técnicas, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com objetivo de fornecer ao magistrado fundamentos científicos que auxiliem na tomada de decisão.

A medida é resultado de uma parceria entre o CNJ, o Hospital Sírio-Libanês, por meio do Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi), com a coordenação do Ministério da Saúde. A plataforma e-NatJus, além de ficar disponível no portal eletrônico do CNJ para consultas por magistrados, pode ser utilizada pelos os Núcleos de Avaliação de Tecnologia em Saúde (Nats) e Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus). (Com informações do CNJ)

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