'Lama podre da política'

Promotor afastado diz ser alvo de ‘perseguição hedionda’, por investigar governo Renan Filho

Coaracy Fonseca acusa chefe do MP, ex-secretário de Renan Filho, de levar MP ao fundo do poço

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Promotor Coaracy Fonseca e o chefe do MP de Alagoas Alfredo Gaspar em solenidade com o governador Renan Filho. Fotos: Redes sociais e Agência Alagoas

Punido nesta quinta (26) com o afastamento de seu cargo por 60 dias, por publicar vídeos e textos nas redes sociais com críticas contundentes e muitas vezes genéricas ao Judiciário e ao Ministério Público, o promotor de Justiça e ex-chefe do MP de Alagoas, Coaracy Fonseca, reagiu em seu perfil do Instagram dizendo estar sendo vítima de uma “hedionda perseguição política”, por investigar o governo de Renan Filho (MDB).

Nas mesmas redes sociais que o levaram ao seu afastamento, o promotor ainda acusou o procurador-geral de Justiça Alfredo Gaspar de Mendonça Neto – ex-secretário de Segurança Pública do governador emedebista – de levar o MP de Alagoas ao fundo do poço, “movido por pretensões políticas”.

A justificativa oficial para o afastamento de Coaracy, determinado pelo Conselho Superior do MP de Alagoas, é de que o promotor desrespeitou padrões de comportamento, através de ataques às instituições do Judiciário e do órgão ministerial nas redes sociais. Postura mantida mesmo após uma advertência e duas censuras anteriores, por contrariar normas do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Sem ter recorrido de punições anteriores, o promotor punido disse em entrevista ao portal Gazetaweb que não é “obrigado a seguir a conduta política do procurador-geral de Justiça”. E listou uma série de casos que investiga, pedindo olhar vigilante da sociedade; entre eles o de uma transação tributária entre o Grupo Nivaldo Jatobá e o Estado de Alagoas, no qual “[R$] 15 milhões pagaram [R$] 55 milhões”; e na ação civil pública contra o vice-governador e secretário da Educação Luciano Barbosa (MDB), denunciado por abandonar 166 alunos com autismo em Alagoas.

Coaracy ainda cita as seguintes denúncias: “Do caso dos créditos suplementares. Do caso da Infovia, caso de interesse de um irmão do Senador Renan Calheiros. Caso TCAL [Tribunal de Contas de Alagoas]. Contratações sem concurso. O escândalo financeiro no Detran, além dos processos que correm em sigilo sobre lavagem de dinheiro”.

“Sou apenas um Promotor de Justiça. Fiz o que pude. Urge uma auditoria em todos os contratos da Secretaria de Segurança Pública na gestão do Sr. Alfredo Gaspar, sejam estaduais, sejam federais. Uma auditoria independente, que não possa ser intimidada”, disse Coaracy.

No fim da tarde desta quinta, o promotor afastado publicou em seu perfil do Instagram uma foto em que dizia não adiantaria Alfredo Gaspar fazer supostas ameaças através de ações. “Vou continuar a exercer o meu ofício de Promotor de Justiça, de acordo com a Lei, nem mais nem menos. Sou um técnico do Direito. Agora se o senhor quiser fazer comigo a teratologia que fez com uma filha de desembargador terá a devida resposta técnica”, declarou Coaracy, em referência clara à denúncia apresentada em 2013 por Alfredo Gaspar contra a secretária da Cultura de Alagoas Mellina Freitas, filha do desembargador Washington Luiz Damasceno Freitas, acusada de 483 crimes quando prefeita de Piranhas.

Sobre os ataques ao Tribunal de Justiça nas redes sociais, o promotor disse que apenas repercutiu o que estudos científicos já afirmam, ao expor que o Judiciário é historicamente ligado à aristocracia, citando o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nunes Leal Maia.

A punição ao promotor Coaracy decorre de inquérito administrativo instaurado pelo corregedor-geral substituto, do MP de Alagoas, Luiz de Albuquerque Medeiros Filho, com pedido de afastamento. O pedido foi recebido pelo procurador-geral de Justiça em exercício, Márcio Roberto Tenório, e aprovado pela unanimidade do Conselho Superior do MP de Alagoas.

Veja a nota do MP sobre o afastamento, reproduzida pelo promotor Coaracy, e seu comentário, abaixo:

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Acabei de receber da Imprensa, agora há pouco, a seguinte NOTA DE ESCLARECIMENTO sobre o meu afastamento por 60 dias de minhas funções, ocorrido agora à tarde. Trata-se de hedionda perseguição política. O MPAL encontra-se mergulhado na pior lama da política partidária. Não me arrependo de haver entrado com uma ACP contra o Senhor Luciano Barbosa e contra o Grupo Nivaldo Jatobá, dentre outras. Há vários inquéritos milionários em andamento. Arquivem. Vou recorrer ao Poder Judiciário, não me sujo na lama podre da política partidária. E não abro mão do meu direito constitucional de LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Ainda não fui comunicado oficialmente. Estou tranquilo e sereno. Que os inimigos que amealhei, em defesa da sociedade, dancem e cantem. Que Deus mostre o caminho da sabedoria, os seus desígnios são insondáveis. Todavia, entendo, que o senhor PGJ, por questão de ordem político-partidária, não tem condições jurídicas e éticas de conduzir o Ministério Público de Alagoas. Nasci só e lutarei sozinho, com a força de Deus. Por derradeiro, NÃO ACEITO SIGILO EM QUAISQUER PROCEDIMENTOS. Há irregularidades em vários órgãos do Governo que carecem de apuração isenta e profunda, além da matéria de Competência Federal. As pretensões político-partidárias do Sr Alfredo Gaspar levaram a Instituição ao fundo do poço.

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Medidas legais

O Diário do Poder apurou que o procurador-geral de Justiça Alfredo Gaspar de Mendonça tomou medidas legais contra as ofensas de Coaracy, que o chefe do MP considerou criminosas.

Após comandar a segurança pública por pouco mais de um ano no primeiro mandato do governo de Renan Filho, Alfredo Gaspar abdicaria, em 2018, de dez anos de carreira ainda pela frente para tentar realizar seu sonho de ser senador, como uma das maiores ameaças à reeleição do ex-presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL). Mas desistiu, ao não obter a segurança necessária para a disputa; principalmente quanto à indefinição de uma chapa majoritária de oposição, desintegrada após o prefeito de Maceió (AL), Rui Palmeira (PSDB), abortar sua pré-candidatura a governador contra a reeleição de Renan Filho.

Com aliados e rivais de Renan Filho entre seus entusiastas, Alfredo Gaspar segue cotado para a disputar a Prefeitura de Maceió. Mas nega articular apoios para ingressar na política partidária em 2020, dizendo estar focado nas ações à frente do MP de Alagoas.

O procurador-geral de Justiça não quis falar sobre o assunto para o Diário do Poder.

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