Ação civil pública

Lava Jato e Petrobras propõem ação de improbidade contra PSB, MDB e cinco políticos

Ação pede o pagamento de mais de R$ 3 bilhões, perda dos cargos e suspensão de direitos políticos, entre outros

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Brasileiros pagam truques que multiplicam salários dos 52 mil funcionários até R$107 mil mensais, sem contar os penduricalhos. Foto: Tânia Rêgo/ABr

A força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná (MPF/PR) e a Petrobras ajuizaram, em conjunto, ação civil pública com pedido de responsabilização por atos de improbidade administrativa contra o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), os senadores Valdir Raupp (MDB-RO) e Fernando Bezerra (PSB-PE), o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE) e os espólios do falecido ex-senador e ex-deputado federal Sérgio Guerra (PSDB-PE) e do falecido ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), além de outras quatro pessoas ligadas aos referidos agentes políticos, da construtora Queiroz Galvão, da Vital Engenharia Ambiental, de outros cinco executivos e funcionários da Queiroz Galvão e do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

O juízo da 1ª Vara Federal de Curitiba deferiu o pedido liminar dos autores e determinou o bloqueio de um precatório de R$ 210 milhões que a construtora Queiroz Galvão estava prestes a receber do estado de Alagoas. A procuradora regional da República e integrante da força-tarefa Lava Jato do MPF/PR, Isabel Vieira Groba, ressalta que “esse é o maior bloqueio individual de valores no país realizado até agora pela Lava Jato, feito sobre um dos maiores precatórios da história do Estado de Alagoas que corresponde sozinho a mais de quatro vezes tudo o que o Estado pagou no ano de 2017”.

Ações de improbidade administrativa são demandas que objetivam responsabilizar agentes públicos por desvios de conduta definidos em lei, assim como particulares que concorrem para o ato. A Lei nº 8.429/92 prevê, basicamente, três tipos de atos de improbidade, com diferentes sanções: os que importam enriquecimento ilícito, os que causam dano ao Erário e aqueles que atentam contra princípios da administração pública.

Na ação proposta, foi descrito o funcionamento de dois esquemas de desvios de verbas da Petrobras, um envolvendo contratos vinculados à diretoria de Abastecimento, especialmente contratos firmados com a construtora Queiroz Galvão, individualmente ou por intermédio de consórcios, e outro referente ao pagamento de propina no âmbito da CPI da Petrobras em 2009. Essas atividades ilícitas foram enquadradas nas três modalidades de improbidade, mas se pediu que sejam aplicadas as sanções mais graves, referentes às situações que geram enriquecimento ilícito, e subsidiariamente as demais sanções.

O primeiro esquema

O primeiro esquema criminoso objeto da ação diz respeito à identificação, ao longo das investigações da operação Lava Jato, de um enorme e complexo estratagema ilícito executado em prejuízo da Petrobras, ao menos no período de 2004 a 2014. Um cartel de empreiteiras fraudava procedimentos licitatórios da estatal em obras gigantescas, inflando indevidamente os lucros obtidos.

Para isso, o cartel contava com a corrupção de empregados públicos do alto escalão da Petrobras, especialmente de diretores da estatal que favoreciam as fraudes nas licitações. Os recursos ilícitos obtidos passavam, então, por um processo de lavagem por meio de operadores financeiros. As propinas eram entregues pelos operadores para os executivos da estatal, assim como para os políticos e partidos responsáveis pelo apadrinhamento dos funcionários públicos.

O avanço das investigações levou à descoberta de que esse amplo esquema criminoso se baseava no loteamento político-partidário das diretorias da Petrobras. As evidências indicam que parlamentares federais e agremiações políticas – Partido Progressista (PP), Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), obtinham, perante o governo federal, a nomeação para altos cargos diretivos da Petrobras a fim de arrecadar recursos escusos. Em troca do apadrinhamento, as provas mostram que os executivos angariavam propinas que eram destinadas ao enriquecimento ilícito dos participantes e ao financiamento ilegal de campanhas eleitorais.

No tocante a esse esquema, é objeto da ação proposta a atividade ilícita que beneficiou o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e pessoas a eles vinculadas. As provas evidenciaram a atuação destacada de Valdir Raupp como representante dos interesses do MDB e de Fernando Bezerra e do falecido ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), como representantes dos interesses do PSB no estado de Pernambuco. Segundo a ação, Raupp foi responsável por manter Paulo Roberto Costa no cargo de diretor de Abastecimento da Petrobras, dando prosseguimento ao esquema de corrupção político-partidário instaurado no âmbito da estatal. Já Bezerra e Campos, ainda conforme a ação, foram responsáveis por favorecer interesses das empresas cartelizadas, contribuindo com infraestrutura e incentivos tributários para construção da Refinaria do Nordeste ou Refinaria Abreu e Lima – RNEST, localizada em Pernambuco.

Nesse capítulo, a ação de improbidade administrativa imputa ao MDB, a Valdir Raupp e a terceiros o recebimento de propinas a partir de contratações realizadas no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras com a empreiteira Queiroz Galvão, individualmente ou por meio de consórcio. O montante de propinas originado dessas contratações chega, ao menos, a R$ 108.153.206,05, equivalentes a 1% dos valores de onze contratos da estatal com a Queiroz Galvão, que era pago a título de suborno segundo as investigações.

Já ao PSB, Eduardo Campos, Fernando Bezerra e terceiros é imputado o recebimento de propinas a partir de contratos referentes à Refinaria do Nordeste ou Refinaria Abreu e Lima. O montante de propinas originado dessas contratações chega, ao menos, a R$ 40.000.000,00, provenientes das empreiteiras Queiroz Galvão, OAS e Camargo Correia, que foi pago a título de suborno segundo as investigações.

Nesse contexto, as investigações revelaram que a aeronave em que ocorreu o acidente aéreo que vitimou Eduardo Campos e mais seis pessoas, no dia 13 de agosto de 2014, foi comprada, pelo menos em grande medida, com dinheiro de propina. O jato Cessna Citation, 560 XLS, prefixo PR-AFA, era utilizado por Eduardo Campos em sua campanha presidencial e foi comprado por João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho pelo valor de R$ 1.710.297,03.

As provas evidenciaram que João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho desempenhou o papel de operador das propinas recebidas por Eduardo Campos. De fato, aquele é acusado de ter recebido subornos para este por diversas vezes: recebeu, em conta pessoal, R$ 920.000,00 da OAS, que se originaram de contas de empresas controladas pelos operadores financeiros Roberto Trombeta e Rodrigo Morales, os quais trabalhavam para a empreiteira; era o proprietário de fato da empresa Câmara & Vasconcelos – locação e terraplenagem Ltda, a qual simulou a prestação de serviços para empresas dos operadores financeiros que trabalhavam para a OAS Roberto Trombeta e Rodrigo Morales, no valor de R$ 1.925.000,00, além de simular a prestação de serviços para a própria Construtora OAS no valor de R$ 13.094.643,33; intermediou o recebimento de subornos da Camargo Corrêa que alcançaram o montante de R$ 14.685.229,14, mediante a simulação da prestação de serviços entre o Consórcio Nacional Camargo Corrêa e a empresa Master Terraplanagem, que não tinha atividade real e de fato era igualmente utilizada para receber propina destinada a Eduardo Campos.

Ainda segundo as investigações, a compra da aeronave foi realizada mediante o pagamento fracionado do seu valor total por diversas pessoas físicas e jurídicas, em operação típica de lavagem de capitais, destacando-se os seguintes pagamentos feitos: pelo próprio João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, que transferiu R$ 195.000,00;  pela empresa utilizada por João Carlos para receber propina, a Câmara & Vasconcelos, que efetuou uma transferência de R$ 159.900,00; pelo advogado pernambucano Luiz Piauhylino de Mello Monteiro Filho, filho do ex-Deputado Federal do PSB Luiz Piauhylino de Mello Monteiro, padrasto de João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, que transferiu R$ 325.000,00; pela Ele Leite Negócios Imobiliários Ltda., empresa utilizada para lavagem de capitais e pertencente ao empresário pernambucano Eduardo Freire Bezerra Leite, muito próximo de João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, que efetuou transferência de R$ 727.000,00; e  por duas empresas “fantasmas”, constituídas em nome de interpostas pessoas (“laranjas”), a RM Construções Ltda. e a Geovane Pescados Eireli, que transferiram o restante dos valores.

O procurador da República e coordenadora da força-tarefa Lava Jato do MPF/PR, Deltan Dallagnol vê o fato com preocupação. “Trata-se de propinas canalizadas para a campanha de um presidenciável que, não tivesse falecido, poderia ter sido presidente do Brasil ou ocupado outra alta função pública na esfera federal. O fato de que presidenciáveis, presidente e três ex-presidentes estão acusados por crimes graves deve gerar uma profunda reflexão sobre a necessidade de reformas no sistema político brasileiro.”

 

O segundo esquema

 

Além disso, foram reunidas provas de que Eduardo da Fonte e Sérgio Guerra receberam propina para que a CPI da Petrobras em 2009 não tornasse público e cessasse o esquema de pagamento de propinas arrecadadas de contratos celebrados entre a estatal e empresas privadas. Nesse contexto, as provas apontam que solicitaram e receberam R$ 10.000.000,00 das empreiteiras Queiroz Galvão, Galvão Engenharia e IESA.

A CPI da Petrobras de 2009 foi instaurada para apurar irregularidades na Petrobras relacionadas, entre outros fatos, ao possível superfaturamento na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, apontado por relatório do Tribunal de Contas da União. Como resultado da CPI de 2009, ninguém foi indiciado nem foi promovido encaminhamento para aprofundamento de investigações sobre as obras da Refinaria Abreu e Lima. Foram feitas apenas “sugestões” para sanar “divergências metodológicas” quanto à “estimativa de custos”, sem qualquer repercussão criminal. Nenhum executivo da Queiroz Galvão nem da Galvão Engenharia foi ouvido. As empresas Queiroz Galvão e Galvão Engenharia não foram nem sequer citadas no relatório final da CPI de 2009.

Para o procurador da República e integrante da força-tarefa Lava Jato do MPF/PR, Felipe Camargo, “esta é mais uma vez em que a Lava Jato constata que uma CPI foi usada para arrecadar propinas e não alcançou qualquer resultado efetivo em apurar ilegalidades que existiam às milhares, o que também reflete uma disfunção no sistema político que precisa ser objeto de atenção. Se o sistema fosse funcional, os prejuízos à Petrobras poderiam ter sido estancados pelo menos cinco anos antes do começo da Lava Jato.”

Pedidos apresentados ao Judiciário

Nesta ação de improbidade administrativa, o Ministério Público Federal e a Petrobras pedem que o MDB, Valdir Raupp, Queiroz Galvão, Vital Engenharia Ambiental, André Gustavo de Farias Ferreira, Augusto Amorim Costa, Othon Zanoide de Moraes Filho, Ildefonso Colares Filho e Petrônio Braz Junior sejam condenados: ao ressarcimento ao erário no valor total de R$ 595.320.614,50, equivalente à propina paga e às irregularidades presentes nos contratos da estatal com a Queiroz Galvão; ao pagamento de multa civil (exceto Ildefonso por ser falecido) de três vezes o valor da propina e duas vezes o valor das irregularidades contratuais; e ao pagamento de danos morais coletivos e individuais em montante não inferior a R$ 595.320.614,50 cada um. O valor pedido totaliza R$ 3.454.727.308,06.

Já em relação ao PSB, Eduardo Campos e Fernando Bezerra, o Ministério Público Federal e a Petrobras pedem que sejam condenados: ao ressarcimento ao erário no valor total de R$ 258.707.112,76, equivalente à propina paga e às irregularidades presentes em contratos referentes à Refinaria do Nordeste ou Refinaria Abreu e Lima; ao pagamento de multa civil (exceto Eduardo Campos por ser falecido) de três vezes o valor da propina e duas vezes o valor das irregularidades contratuais; e ao pagamento de danos morais coletivos e individuais em montante não inferior a R$ 258.707.112,76 cada um. O valor pedido totaliza R$ 1.334.260.436,27.

Ainda, em relação a Sérgio Guerra e Eduardo da Fonte, o Ministério Público Federal e a Petrobras pedem que sejam condenados: ao ressarcimento ao erário no valor total de R$ 107.781.450,00, equivalente à propina paga e às irregularidades presentes em contratos referentes ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ); ao pagamento de multa civil (exceto Sérgio Guerra por ser falecido) de três vezes o valor da propina e duas vezes o valor das irregularidades contratuais; e ao pagamento de danos morais coletivos e individuais em montante não inferior a R$ 107.781.450,00 cada um.

O Ministério Público Federal e a Petrobras requerem também em relação a Maria Cleia Santos de Oliveira e Pedro Roberto Rocha, o ressarcimento de R$ 500.000,00 (propina paga), multa civil de R$ 1.500.000,00, e dano moral de R$ 1.000.000,00; e em relação a Aldo Guedes Álvaro e João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, o ressarcimento de R$ 40.724.872,47 (propina paga), multa civil de R$ 122.174.617,41, e dano moral de R$ 81.449.744,94,

Além disso, pede-se a condenação de todas as pessoas físicas nas demais sanções da Lei de Improbidade Administrativa, como a suspensão dos direitos políticos por 10 anos, a proibição de contratar com o Poder Público e a vedação de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Pede-se, em decorrência das sanções aplicáveis em razão do ato ímprobo, a cassação da aposentadoria e/ou a perda do direito à contagem de tempo e fruição da aposentadoria, ainda que se trate de aposentadoria proporcional, na forma especial prevista no Plano de Seguridade dos Congressistas (PSSC) instituído pela Lei n.º 9.506/97.

Apuração criminal

Os fatos objeto da Ação de Improbidade Administrativa estão sendo apurados criminalmente na Ação Penal n.º 1015/DF e no Inquérito n.º 4005/DF, com tramitação no Supremo Tribunal Federal, e nas Ações Penais n.sº 5046120-57.2016.4.04.7000 e 5045575-84.2016.4.04.7000, com tramitação na 13ª Vara Federal de Curitiba/PR.

Há poucos dias, em 12 de dezembro, a 2ª turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria dos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, vencidos os ministros Edson Fachin e Celso de Mello, rejeitou a acusação contra o senador Fernando Bezerra Coelho pela acusação de corrupção relacionada à Refinaria Abreu e Lima. Para os procuradores da Lava Jato, tal decisão é incompreensível à luz das evidências, que não se resumem a depoimentos de colaboradores conforme alegaram os ministros que optaram pela rejeição da denúncia, existindo ampla prova documental, que embasa a ação de improbidade oferecida.(Com informações MPF no Paraná)

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