Versão oficial foi suicídio

Ex-médico do IML vira réu por omitir tortura em laudo na ditadura

José Manella Netto foi um dos autores do laudodo corpo de Carlos Roberto Zanirato, morto em 1969

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Militante político Carlos Roberto Zanirato foi morto pela ditadura em 1969, aos 19 anos. Foto: Divulgação CNV-SP

O ex-médico legista José Manella Netto tornou-se réu por falsidade ideológica e ocultação de cadáver. A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-integrante do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo foi aceita pela Justiça Federal e, com isso, a ação penal começa a tramitar. Em 1969, Manella Netto foi um dos autores do laudo necroscópico do corpo de Carlos Roberto Zanirato, militante político submetido a intensas sessões de tortura e morto em junho daquele ano. O documento omitiu as verdadeiras causas do óbito, a fim de encobrir a responsabilidade dos agentes da repressão.

O relatório de Manella Netto, assinado em conjunto com o médico já falecido Orlando Brandão, corroborava a versão oficial sobre o episódio, segundo a qual o militante teria cometido suicídio ao saltar na frente de um ônibus na avenida Celso Garcia, zona leste da capital paulista. O documento oculta uma série de lesões que não poderiam ter sido causadas pelo impacto, mas por agressões anteriores. Embora soubessem a identidade de Zanirato, os médicos registraram que a vítima era um “desconhecido”. Ele foi enterrado como indigente, longe dos olhos de qualquer familiar ou amigo que pudesse notar as evidentes marcas de tortura no corpo.

“A acusação está baseada em provas da existência de fato que, em tese, caracteriza infração penal e indícios suficientes de autoria delitiva. Assim reconheço a justa causa da ação penal”, escreveu a 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo na decisão que recebeu a denúncia do MPF.

Zanirato era soldado em 1969, quando abandonou o Exército para integrar a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Ele foi o primeiro militante sob custódia do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP) a desaparecer. Preso em 23 de junho, sofreu torturas nos seis dias seguintes, até ser levado ao local onde os agentes da repressão o empurraram contra o ônibus. Não houve perícia sobre o atropelamento nem fotos da ocorrência. Sequer um inquérito policial foi instaurado, como era obrigatório em casos daquele tipo.

O IML de São Paulo foi um dos órgãos que mais colaboraram com a repressão para dissimular as circunstâncias em que os opositores da ditadura eram exterminados. Manella Netto chegou a ter o exercício profissional cassado após responder a um processo disciplinar no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, em 1994. Ao longo do procedimento, o ex-médico admitiu que o atropelamento não poderia ser apontado como a causa de alguns ferimentos presentes no corpo de Zanirato e reconheceu que a vítima apresentava sinais de agressões sofridas antes do choque com o veículo.

O autor da denúncia do MPF que levou à instauração da ação penal é o procurador da República Andrey Borges Mendonça. O número processual é  5002620-24.2021.4.03.6181. (Com informações da Assessoria de Comunicação do MPF em São Paulo)

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