Teor crítico-acadêmico

Corregedor do CNJ arquiva processo contra juíza do TRT4 que criticou ‘política genocida’

Humberto Martins concluiu falta de justa causa para processo disciplinar contra Valdete Souto Severo

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O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, arquivou, nesta sexta-feira (13), pedido de providências instaurado para que a juíza Valdete Souto Severo, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), no Rio Grande do Sul, prestasse informações a respeito de artigo publicado no sítio eletrônico “Democracia e Mundo do Trabalho em Debate”, no último dia 20 de julho. No texto, a juíza critica a “política genocida no Brasil em 2020”, quanto ao enfrentamento à pandemia de covid-19.

Ao analisar os esclarecimentos da magistrada, o ministro entendeu inexistir justa causa suficiente, no caso, para instauração de processo disciplinar contra a juíza do Trabalho. A iniciativa de questionar o artigo da juíza resultou em manifestações públicas de grupos de advogados e juízes, em prol da liberdade de expressão.

Segundo o corregedor, verificou-se que o artigo escrito pela juíza do TRT4 e publicado em meio eletrônico não pode ser caracterizado como infração aos deveres da magistratura, uma vez que, devido ao contexto e o veículo no qual foi publicado, tangencia o teor crítico-acadêmico, tratando-se, portanto, de obra técnica que não pode ser tida como atuação político-partidária e nem tampouco caracteriza manifestação de opinião sobre processo em andamento, adequando-se à resolva prevista no artigo 36, III, segunda parte, da Loman.

“Denota-se, em verdade, que a publicação do artigo em sítio eletrônico que detém conexão com o tema trabalhista, área de sua atuação preponderante, a juíza apenas exerceu regularmente sua liberdade de expressão, não se vislumbrando qualquer intenção deliberada de ofender as normas previstas na Loman, no Código de Ética da Magistratura Nacional ou na Resolução n. 305/2019”, afirmou Humberto Martins.

Ministro Humberto Martins é corregedor nacional de Justiça. Foto: Romulo Serpa/Agência CNJ

Tema novo

Ainda em sua decisão, o ministro destacou que a liberdade de expressão é direito fundamental de todo cidadão, inclusive dos membros do Poder Judiciário, conforme previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Entretanto, segundo ele, deve-se ter em mente que a conduta pessoal do juiz, muitas vezes, se confunde com a profissional. “O mundo contemporâneo está imerso em total conectividade. A consolidação da internet veio expor novos desafios aos magistrados”, alertou.

Humberto Martins ressaltou ainda que a CF/1988 também dispõe a respeito da impossibilidade de magistrados se dedicarem à atividade político-partidária. Todavia, afirmou o ministro, à época, nem sequer se cogitava que, em um futuro razoavelmente próximo, existiram ferramentas digitais capazes de conectar pessoas por todo o mundo, bem como era inimaginável que a manifestação de qualquer pessoa pudesse atingir uma quantidade incalculável de indivíduos em poucos minutos.

“Nesse sentido, tratando-se de tema ainda novo, é preciso adotar-se cautela e analisar com atenção fatos que eventualmente possam vir a configurar violação aos deveres impostos aos magistrados, de modo a delimitar quais são os comportamentos que efetivamente ultrapassam os limites do legítimo exercício da liberdade de expressão garantido aos juízes sem que se coloque em risco a independência e a imparcialidade que a sociedade espera”, enfatizou o corregedor nacional.

Veja a íntegra da decisão. (Com informações da Corregedoria Nacional de Justiça)

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