Nepotismo e indisciplina

Ajufe vê afronta em medida que preserva decisões do CNJ contra cartórios e juízes

Juízes dizem ser inconstitucional esforço de Humberto Martins para CNJ ser atendido por tribunais

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Ministro Humberto Martins corregedor nacional de Justiça. Foto: SCO/CNJ
Ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça - Foto: STJ.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) posicionou-se contra a iniciativa do corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, de recomendar que tribunais de Justiça do país cumpram os atos normativos e as decisões proferidas pela Corregedoria Nacional de Justiça, ainda que existam ordens judiciais em sentido diverso, salvo se advindas do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida foi tomada com o argumento de impedir que parentes de antigos titulares de cartórios assumam vagas das serventias, bem como de evitar a revogação de punições disciplinares, via decisões judiciais de primeiro grau. Mas a Ajufe vê inconstitucionalidades e ilegalidades flagrantes na iniciativa.

“A Ajufe vem a público posicionar-se frontalmente contrária à Recomendação n. 38, de 19 de junho de 2019, da E. Corregedoria Geral do CNJ, tendo em vista que o seu teor, em flagrantes inconstitucionalidade e ilegalidade, determina o não cumprimento de ordens judiciais exaradas no lídimo exercício da atividade judicante, cujo mecanismo adequado de combate encontra-se regularmente previsto no ordenamento processual pátrio”, diz um trecho da nota publicada pela entidade de juízes federais.

A entidade também afirma que o STF e o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), têm dezenas de precedentes pela impossibilidade de sindicância de atos jurisdicionais pena Corregedoria Nacional de Justiça, que é órgão administrativo, devendo ser respeitada a independência judicial.

A Ajufe relata ainda que, em que pese ainda pender de decisão a ADI 4412, tal matéria já foi decidida pelo Pleno do STF no julgamento da ACO 1680, com relator ministro Teori Zavascki, em 24 de setembro de 2014, no qual se fixou o entendimento de ser competência da Justiça Federal de Primeiro Grau o processamento e julgamento de ações de rito comum ordinário pelas quais sejam impugnados atos do Conselho Nacional de Justiça.

“A Ajufe, que dentre seus objetivos, deve pugnar pelo fortalecimento do Poder Judiciário e pelo aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito, assevera que quaisquer atos infralegais tendentes a obstar ou limitar a atuação jurisdicional voltada à pacificação dos conflitos em sociedade são absolutamente ilegítimos, porquanto subvertem por completo os princípios que norteiam nosso sistema jurídico. A Corregedoria Nacional de Justiça é órgão administrativo e, como tal, não integra o sistema legal de recursos para impugnar decisões judiciais”, concluiu a nota da Ajufe.

Protege atuação fiscalizatória

Apesar dos questionamentos sobre a constitucionalidade da medida no STF, o ministro Humberto Martins considerou que os tribunais do Brasil devem observar o cumprimento das recomendações, porque até o momento nenhuma decisão afastou a eficácia e higidez do artigo 106 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que “autoriza o corregedor nacional de Justiça, a fim de garantir a efetivação das suas decisões, determinar à autoridade descumpridora a imediata observância de decisão ou ato seu, quando impugnado perante outro juízo, que não o STF.

“A Corregedoria Nacional de Justiça, durante as inspeções realizadas nos tribunais de Justiça brasileiros, tem constatado a concessão de liminares pela Justiça Estadual com a finalidade de manter interinos parentes dos antigos delegatários, em violação direta às determinações do Conselho Nacional de Justiça e da Corregedoria Nacional de Justiça”, observou o corregedor.

Procurado pelo Diário do Poder, o corregedor Humberto Martins esclareceu as razões pelas quais editou as Recomendações 38 e 39, ambas de 19 de junho de 2019, que tratam da necessidade de observância das decisões da Corregedoria Nacional de Justiça.

“O Conselho Nacional de Justiça foi criado pela Emenda Constitucional 45/2004 com o objetivo de fazer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.  Trata-se, portanto, de um órgão integrante do Poder Judiciário (artigo 92, I-A) responsável pelo controle administrativo e disciplinar da magistratura.

Para o exercício dessa função, a Constituição Federal dotou o CNJ de uma série de competências, que incluem a apreciação da legalidade de atos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário e de reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, entre outras. 

A Constituição, como forma de proteger a atuação fiscalizatória do CNJ, dispôs que compete ao Supremo Tribunal Federal o julgamento das ações contra o Conselho Nacional de Justiça (artigo 102, I,r).  Nesse sentido, o artigo 106 do Regimento Interno do CNJ prevê que, em caso de descumprimento, o CNJ deverá determinar “o imediato cumprimento de decisão ou ato seu, quando impugnado perante outro juízo que não o Supremo Tribunal Federal.”

Neste ponto, vale notar que, nos termos do artigo 5º, § 2º da EC 45/2004, “até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do Ministro-Corregedor”, o que equivale a reconhecer força normativa primária às Resoluções do CNJ, especialmente à Resolução 67/2009, que aprovou o Regimento Interno do Conselho. 

Ocorre que tem se verificado casos em que decisões do CNJ têm sido desconstituídas, até mesmo em liminar, por juízes de primeiro grau, gerando insegurança jurídica e fragilizando a possibilidade de controle efetivo do Judiciário, missão outorgada ao CNJ pela Emenda Constitucional 45/2004 (artigos 103-B, § 4º, I a VII).

Buscando garantir efetividade do Regimento Interno do CNJ (que, mesmo sendo questionado pela AMB na ADI 4412/2010, não teve afastada sua higidez e validade) e a segurança jurídica, a Corregedoria Nacional de Justiça editou as Recomendações 38 e 39 de 2019.  Afinal, não parece correto que, por exemplo, uma aposentadoria compulsória de magistrado, determinada pelo plenário do CNJ, seja desconstituída por decisão liminar ou sentença de um juiz de primeira instância em uma ação ordinária.  O mesmo raciocínio vale para acórdãos prolatados por tribunais que não o STF.

As recomendações editadas pela Corregedoria, portanto, longe de configurar qualquer risco de subversão ao sistema de justiça ou tentativa de instauração de “poder paralelo”,  buscam garantir maior harmonia e eficácia no funcionamento de todo Poder Judiciário, inclusive no estrito respeito à autoridade constitucional atribuída ao CNJ, repito, como órgão de controle da atividade administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais da magistratura”.

Confira aqui a Recomendação nº 38. E aqui a Recomendação nº 39, do ministro Humberto Martins. (Com informações da Ajufe e do CNJ)

 

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